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Quem já não ouviu, pelo menos uma vez, a música do sabiá que fugiu da gaiola e deixou a menina chorando de saudade?! Pois é, em canções singelas como essa podemos encontrar saudáveis lições evangélicas. Para tanto, é preciso o esforço de buscar o espírito da letra, a fim de encontrar-se com a alma da mensagem.
Os versos dizem que o pássaro fez um buraquinho na gaiola e voou até o abacateiro. A menina, que gostava tanto do bichinho, chorou até fazer-lhe um pedido: "Vem cá, sabiá, vem cá".
Sentindo que a garota implorava sua presença, o sabiá responde do alto da árvore: "Não chore que eu vou voltar". Fica--nos a dúvida, porém, se ele aceitou retomar para a gaiola ou se resolveu expressar seu amor pela criança, mas em liberdade.
Este é o dilema de muitos dos homens, quando se vêem convidados ao vôo da libertação, mas preferem permanecer próximos à gaiola dos limites, sem coragem de verificar a força e a resistência das asas. Fosse o afeto sincero a razão da permanência, como no caso do pássaro e da menina, a questão estaria resolvida. O problema, no entanto, é outro, de trabalhosa solução e de efeitos danosos para o equilíbrio do homem.
As religiões tradicionais, comprometidas com os padrões severos dos dogmas e rituais seculares, trabalharam regras e normas contundentes na consciência multimilenar do espírito imortal. Valores morais e linhas de conduta previamente determinados definiam o comportamento do homem religioso, e infeliz daquele que ousasse viver de forma diferente.
Cada um construiu, dessa maneira, o solo intimo onde passou a solidificar convicções e crenças, opiniões e atitudes. O estudioso que procura o entendimento correto do assunto precisa, portanto, considerar os componentes desse alicerce espiritual e também conhecer as próprias bases onde as religiões se estabeleceram.
Diante da grandeza universal e das virtudes do Criador, por exemplo, inculcou-se no coração do fiel a noção do Deus temor, aquele a quem todos deveriam respeitar como a um pai severo, que tem o poder de punir e definir os caminhos da felicidade ou do sofrimento eternos.
Perante a , nada de questionamentos esclarecedores. Que o homem não perca tempo duvidando das coisas que não vê, e sim creia, ainda que cegamente.
Diante do sexo, revelado como força demoníaca que arrasta o praticante aos reinos infernais, é imposta a obrigatoriedade moral da abstinência, ou tão-somente o tipo de relacionamento que tenha como objetivo a geração de filhos.
Séculos e séculos se passaram. O homem, herdeiro das próprias experiências trazidas do passado, vê repetir-se, a cada encarnação, o reforço dos mesmos valores tradicionais conhecidos anteriormente. De tão consolidados, passam a definir posturas e decisões, e a traçar no psiquismo profundo dos indivíduos os rumos das vivências futuras.
Surge, porém, no horizonte das reflexões ético-morais uma nova Doutrina, que traz informações inéditas sobre a realidade espiritual. Temas como pluralidade dos mundos habitados, comunicabilidade dos Espíritos com os homens, imortalidade da alma, reencarnação e a confirmação lógica da existência de Deus indicam a chegada de uma revolução no âmbito religioso da Humanidade.
O Espiritismo comparece, a partir da metade do século XIX, para trazer Jesus de volta aos corações humanos. A simplicidade dos primeiros tempos cristãos retorna através da análise cristalina dos conceitos evangélicos, destituídos da vestidura dogmática a que se viram forçados por tanto tempo.
Em face do Deus temor, a nova orientação sugere que o homem descubra, em si mesmo e na vida que o rodeia, a verdade real da existência do Deus Amor, que ama seus filhos e lhes oferece a bênção da renovação das oportunidades existenciais, a fim de que aprendam as lições da fraternidade e do trabalho no bem.
A ganha a companhia inseparável da razão. Junto à capacidade de discernir, o ato de crer torna-se praticável na concretude da existência, e o raciocínio, harmonizado com a emoção, eleva-se ao espiritualizar os questionamentos que caracterizam as dúvidas sadias.
Considerando as energias sexuais, o homem, em lugar de reprimir-se, é chamado a educar as próprias forças, direcionando o calor de seu afeto não só para a procriação, mas também para a expansão de formas sublimadas do sentimento.
Diante desse quadro, seria possível supor que os irmãos de ideal, emocionados pela visão libertadora proporcionada pela Doutrina, agissem como o pássaro, que encontrou uma brecha na cela pequenina e buscou novas alturas.
O que temos visto, no entanto, em parcela considerável da família espírita, é algo diferente dessa proposta. Quantos pais tentam resolver as diferenças com os filhos aproveitando-se de posturas autoritárias, recurso comum aos que, no passado, conquistavam vantagens na base da força, quando o Espiritismo sugere a alternativa da autoridade moral, de teor pacífico e conciliatório.
No campo da educação sexual, quantos instrutores (espíritas) vestem as palavras (supostamente de conteúdo doutrinário), com o teor pesado da vibração repressiva, a indicar que nem eles conseguiram respostas satisfatórias para as próprias questões pessoais.
Com a oportunidade de reeducar as gerações novas perante a idéia antiga e equivocada de céu e inferno (apresentados como espaços definidos na obra da criação divina), quantos preferem manter os educandos sob o controle do medo e da ameaça, tentando transferir a idéia punitiva da visão anterior para a formatação espírita do conceito, chamando umbral às regiões infernais da definição católica, local tenebroso para onde vão todos os que ousarem contrariar as normas preditas pela nova conduta.
A conclusão de quem observa esse quadro é a de que os homens que assim agem tiveram a sagrada oportunidade de enxergar a beleza da mensagem espírita, mas ainda estão com os pés chumbados na base dos valores seculares, que traçam o perfil do homem velho. Olhos e razão atentos à mensagem renovadora, mas corpo e emoção algemados à cela das convicções difíceis de ser substituídas.
É com reconhecida razão que os Espíritos Instrutores orientam, acerca da transformação individual, que para mudar conceitos não basta apenas descobrir novos, mas sobretudo mergulhar integralmente na vivência deles, para que não apenas os olhos, mas também o coração e os pés se fundamentem em novas bases, com forças suficientes para despertar o homem que receia o vôo da libertação.


Por: Carlos Augusto Abranches, Caso tenha ou possua, envie-nos a referência desse texto.


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