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Quando Pacheco foi à reunião de intercâmbio espiritual pela primeira vez, Ricardo, devotado benfeitor do Além, anunciou-lhe preciosa missão que teria a cumprir. Havia renascido entre os homens para atender a elevado ministério. Cultivaria bênçãos de Jesus, seria uma claridade viva nas sombras do mundo.

Pacheco regozijou-se. Chorou de jubilo. Viu-se, por antecipação, à frente de grandes massas de sofredores, dispensando graças do Altíssimo. E, desde então, passou a esperar a ordem direta do Céu, para execução do sublime mandato de que era portador.

Afeiçoado à Consoladora Doutrina dos Espíritos, revelou, em breve, adiantadas possibilidades mediúnicas, que mobilizou, um tanto constrangido, a serviço do bem. Não se achava muito disposto ao contato permanente com infortunados e indagadores, sempre rteis entre os vivos e os mortos. No entanto, tentaria. Aguardava a missão prometida, repleta dos galardões da evidência. Recebê-la-ia confiante.

Dentro de alguns meses, contudo, o rapaz denunciava imensa fadiga e, ao termo de apenas dois anos, o soldado arriava mochila. Afastou-se do grupo que freqüentava. Silenciou. Recolheu-se à vida pacata, onde lhe não surgiam aborrecimentos. Para que outro mundo, além do oásis que a esposa querida e os filhos carinhosos lhe ofereciam? para que outra ambição, além daquela de assegurar no “pé de meia” o futuro da família? Lia notícias do movimento que o interessara antes e amava a boa palestra de gabinete.

De quando em quando, lá surgia um amigo a pedir-lhe opinião, com referência à mediunidade e ao Espiritismo. Pacheco catequizava, solene, sobre a imortalidade da alma. Relacionava as próprias experiências e rematava sempre:

– Os Espíritos Protetores, certa feita, chegaram a declarar que tenho grande missão a cumprir.

– Oh! e porque se afastou assim?! – era a pergunta invariável que lhe desfechavam à queima roupa.

Cruzava os braços e informava em tom superior:

– As idéias são respeitáveis, mas as criaturas... Imaginem que minhas faculdades eram consultadas a propósito dos mais rasteiros problema da vida. Muitos desejavam saber por meu intermédio em que zona comercial estariam situados os negócios mais lucrativos, outros buscavam informações alusivas a tesouros enterrados. Inúmeras pessoas procuravam comigo recursos para ocultar delitos graves ou tentavam converter entidades espirituais em agentes comunas de polícia barata. Era eu assediado impiedosamente para esconder crimes ou desvendá-los. Devia funcionar como medianeiro entre maridos e mulheres briguentos, consertar existências fracassadas por desídia dos próprios interessados. De outras vezes, freqüentadores de minha roda exigiam que eu desse conta de seus parentes desencarnados. Perdi o sossego em casa e na rua. Os amigos e familiares conspiravam amorosamente contra minha paz, a título de praticarmos a caridade e, nas ruas, fileira crescente de necessitados e curiosos se punha invariavelmente à minha espera.

Pacheco interrompia-se, pigarreava, e prosseguia:

– E na associação dos próprios companheiros? a vaidade acendia fogueiras difíceis de tolerar.

A discórdia lavrava entre todos. Ninguém pretendia servir. Todos buscavam mandar e controlar. A obediência a Jesus e aos Bons Espíritos era mandamento para a boca. O coração andava longe. Os diretores indispunham-se reciprocamente, por questões mínimas, os irmãos abusavam da faculdade de analisar. Como ser útil a organizações de semelhante jaez? Ninguém buscava a verdade cristalina.

Os ignorantes e os instruídos rogavam para que a verdade se adaptasse a eles, às suas necessidades, aos seus casos... Diante de tudo isto...

O narrador silenciava, reticencioso, e a conversação se reajustava noutro rumo, porque, efetivamente, a exposição de Pacheco oferecia valioso alicerce na lógica.

A vida, contudo, seguiu o tempo, renovando-se dia a dia, e o inteligente desertor jamais esqueceu a missão que o generoso Ricardo lhe havia prometido.

As experiências nevaram-lhe os cabelos, os invernos vencidos enrugaram-lhe a face. A morte arrebatou-lhe a companheira. O mundo pediu-lhe os filhos.

Sozinho agora, de quando em vez procurava antigos companheiros de e perguntava ao fim de longa palestra:

– E a missão? Aguardei-a com tanta esperança...

Correram os dias, até que o nosso amigo foi igualmente obrigado a largar o corpo, premido pela angina.

Desencarnado, lutou intensamente para restabelecer a visão e a audição singularmente enfraquecidas.

Cambaleava, hesitante, até que, um dia, viu Ricardo à frente dele.

Ajoelhou-se, confrangido, e indagou, em lágrimas:

– Oh! meu benfeitor, e a missão que me prometestes? O interpelado sorriu, triste, e exclamou:

– Pudera! fugiste no instante preciso...

– Quê?! – fez o infeliz, apalermado.

– Sim, – tornou o amigo –, a possibilidade de auxiliar os semelhantes foi a missão que menosprezaste.

Pacheco pranteou, referindo-se à incompreensão dos homens e às infindáveis querelas dos companheiros.

Ricardo, porém, revidou, sereno:

– Jesus não precisaria, desenvolver o apostolado que exerceu entre nós, se a Terra já congregasse anjos e santos. Em verdade, a maioria das criaturas humanas padece de inqualificável cegueira do coração, diante da Revelação Divina; entretanto, como realizar a obra do aperfeiçoamento geral, se alguém não contribuir no áspero serviço dm iniciação? que seria, de nós, Pacheco, se o Cristo não se dispusesse a sofrer pra ensinar-nos o caminho do bem e da vida, eterna? A missão da lua é espancar as trevas, a glória do bem, é vencer o mal com amor.

O infeliz gritou, em soluços:

– Porque teria de compreender somente agora?

Ricardo, imperturbável, informou:

– Não desesperes, Suporte as conseqüências do erro e aguarda, o porvir infinito. Regressaras mais tarde à escola do mundo, e, quando estiveres no círculo da, carne, novamente, nunca te esqueças de que as missões salvadoras na Terra, quase sempre, chegam vestidas de avental ou de macacão.


Por: Irmão X, Do livro: Luz Acima, Médium: Francisco Cândido Xavier


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