O Regresso de Simão Pedro, por Maria Dolores
A Razão de Ser do Espiritismo
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Quando o obscurantismo da fé dominava as mentes, levando-as ao fanatismo
desestruturador da dignidade e do comportamento; quando a cultura, enlouquecida
pelas suas conquistas no campo da ciência de laboratório, proclamava a
desnecessidade de qualquer preocupação com Deus e com a alma, face à fragilidade
com que se apresentavam no proscênio do mundo; quando a filosofia divagava pelas
múltiplas escolas do pensamento, cada qual mais arrebatadora e irresponsável,
inculcando-se como portadora da verdade que liberta o ser humano de todos os
atavismos e limitações; quando a arte rompia as ligações com o clássico, o
romântico e a beleza convencional, para expressar-se em formulações modernistas,
impressionistas, abstracionistas, traduzindo, ora a angústia da sua geração
remanescente dos atavismos e limitações do passado, ora a ansiedade por
diferentes paradigmas de afirmação da realidade; quando se tornavam necessários
diversos comportamentos sociais e políticos para amenizar a desgraça moral e
econômica que avassalava a Humanidade; quando a religião perdia o controle sobre
as consciências e tentava rearticular-se para prosseguir com os métodos
medievais ultramontanos e insuportáveis; quando as luzes e as sombras se
alternavam na civilização, surgiu o Espiritismo com a sua razão de ser para
promover o homem e a mulher, a vida e a imortalidade, o amor e o bem a níveis
dantes jamais alcançados.
Realizando uma revolução silenciosa como poucas jamais ocorridas na História,
tornou-se poderosa alavanca para o soerguimento do ser humano, retirando-o do
caos do materialismo a que se arrojara ou fora atirado sem a menor consideração,
para que adquirisse a dignidade ética e cultural, fundamentada na identificação
dos valores morais, indispensável para a identificação dos objetivos essenciais
e insuperáveis da paz interna e da consciência de si mesmo durante o trânsito
corporal.
Logo depois, no Collège de France, proclamando ser Jesus um homem incomparável,
no seu memorável discurso, o acadêmico e imortal Ernesto Renan confirmava, a seu
turno, embora sem qualquer contato com a Doutrina nascente, a humanidade do Rabi
galileu, rompendo a tradição dogmática do Homem Deus ou do ancestral Deus feito
homem.
Sob a ação do escopro inexorável das informações de além-túmulo, o decantado
repouso ou punição eterna, o arbitrário julgamento mais punitivo que justiceiro,
cediam lugar à consciência da vida exuberante que prossegue morte afora impondo
a cada qual a responsabilidade pela conduta mantida durante a trajetória
encerrada.
As narrações da sobrevivência tocadas pela legitimidade dos fatos, fundamentadas
na lógica da indestrutibilidade do ser espiritual, davam colorido diferente às
paisagens da Eternidade, diluindo as fantasias e mitos que as adornaram por
diversos milênios.
Permitiu que o ser humano se redescobrisse como Espírito imortal que é,
preexistente ao berço e sobrevivente ao túmulo, facultando-lhe compreender a
finalidade existencial, que é imergir no oceano do inconsciente, onde dormem os
atos pretéritos e as construções que projetam diretrizes para o momento e o
futuro, a fim de diluir as volumosas barreiras de sombra e de crueldade a que se
entregou e que lhe obnubila a compreensão da sua realidade, emergindo em
triunfo, para que lobrigue a imarcescível luz da verdade que o há de conduzir
pelos infinitos roteiros do porvir.
Intoxicado pelos vapores da organização fisiológica, mergulhado em sombras que
lhe impedem o discernimento, vagando pelos dédalos intérminos da busca da
realidade, somente ao preço da fé raciocinada e lógica, portadora dos
instrumentos que se derivam dos fatos constatados, o homem e a mulher podem
avançar com destemor pelas trilhas dos sofrimentos inevitáveis, que são
inerentes à sua condição de humanidade, vislumbrando níveis mais nobres que
devem ser conquistados.
O Espiritismo traçou novos programas para a compreensão da vida e a mais eficaz
maneira de enfrentá-la, desafiando o materialismo no seu reduto e os
materialistas no seu cepticismo, oferecendo-lhes mais seguras propostas de
comportamento para a felicidade ante as vicissitudes do processo existencial.
Não se compadecendo da presunção dos vazios de sentimento e soberbos de
conhecimentos em ebulição de ideias, demonstrou a sua força arrastando
desesperados que foram confortados, violentos que se acalmaram, alucinados que
recuperaram a razão, delinquentes que volveram ao culto do dever, perversos que
se transformaram, ateus que fizeram as pazes com Deus, ingratos que se
reabilitaram perante os seus benfeitores, miseráveis morais que se enriqueceram
de esperança e de alegria de viver, construindo juntos o mundo de bem-estar por
todos anelado.
O Espiritismo trouxe a perfeita mensagem da justiça divina, por enquanto mal
traduzida pela consciência humana, contribuindo para a transformação da
sociedade, mas sem a revolução sangrenta das paixões em predomínio, que sempre
impõe uma classe poderosa sobre as outras que são debilitadas à medida que vão
sendo extorquidos os seus parcos recursos até a exaustão das suas forças, quando
novas revoluções do mesmo gênero explodem, produzindo desgraça e ódios que nunca
terminam...
Trabalhando a transformação moral do indivíduo, propõe-lhe o comportamento
solidário e fraternal, a aplicação da justiça corretiva e reeducativa quando
delinqui, conscientizando-o de que as suas ações serão também os seus juízes e
que não fugirá de si mesmo onde quer que vá.
Todo esse contributo moral foi retirado do Evangelho de Jesus, especialmente do
Seu Sermão da montanha, no qual reformulou os valores humanos até então aceitos,
demonstrando que forte não é o vencedor de fora, mas aquele que vence a si
mesmo, e poderoso, no seu sentido profundo, não é aquele que mata corpos, mas
não é capaz de evitar a própria morte.
Revolucionando o pensamento ético e abrindo espaço para novo comportamento
filosófico, a Sua palavra vibrante e a Sua vivência inigualável, colocaram as
pedras básicas para o Espiritismo no futuro alicerçar, conforme ocorreu, os seus
postulados morais através da ética do amor sob qualquer ponto de vista
considerado.
Nos acampamentos de lutas que se estabeleciam no Século XIX, quando a ciência e
a razão enfrentavam a fé cega e a prepotência das Academias e dos seus membros
fascinados como Narciso por si mesmo, o Espiritismo surgiu como débil claridade
na noite das ambições perturbadoras e lentamente se afirmou como amanhecer de um
novo dia para a Humanidade já cansada de aberrações de conduta como fugas da
realidade e sonhos de poder transitório, transformados em pesadelos de guerras
infames, cujas sequelas ainda se demoram trucidando vidas e dilacerando
sentimentos.
A razão de ser do Espiritismo encontra-se na sua estrutura doutrinária,
diversificada nos seus aspectos de investigação científica ao lado das demais
correntes da ciência, do comportamento filosófico com a sua escola otimista e
realista para o enfrentamento do ser consigo mesmo e da vivência
ético-moral-religiosa que se estrutura em Deus, na imortalidade, na justiça
divina, na oração, na ação do bem e sobretudo do amor, única psicoterapia
preventiva-curativa à disposição da Humanidade atual e do futuro.
Por: Victor Hugo, Psicografia de Divaldo Pereira Franco, no dia 7 de junho de 2001, em Paris, França. Publicado no Jornal Mundo Espírita de novembro de 2001. Do site: http://www.divaldofranco.com/mensagens.php?not=254
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