Ensinar, por Espíritos Diversos
Assistência Espiritual
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Constantino Saraiva tornara-se muito conhecido por suas produções mediúnicas
e, embora sua cota de tempo e possibilidades materiais continuassem exíguas,
conquistara amizades numerosas, ensejando involuntariamente enormes expectativas
em torno do seu nome.
Toda missão útil, porém, encontra obstáculos nos lugares onde a luz não foi
recebida pela maioria dos corações, e Constantino, dada a ampliação natural das
responsabilidades, tornara-se alvo de forças inferiores, no visível e no
invisível. Companheiros encarnados seguiam-lhe os passos, ansiosos por saber se
dava testemunho pessoal das verdades de que se constituíra instrumento e as
entidades vagabundas, deslocadas do vampirismo pelos Espíritos Superiores, a se
fazerem sentir por intermédio dele, anotavam-lhe as mais insignificantes
atitudes e não lhe perdoavam a decisão de manter-se firme na fé, apesar de
tropeços ou tempestades.
Criou-se, assim, em derredor do médium Saraiva, considerável bagagem de lutas. É
de justiça, contudo, advertir que esse movimento hostil não derivava apenas do
psiquismo de Constantino, mas para combater o venerável Fanuel, o Espírito sábio
e benevolente que ministrava substanciosas lições por meio de suas faculdades.
Os malfeitores desencarnados desenvolviam todos os recursos de insinuação.
Recebia Saraiva propostas de salários vultosos, convites para mudar de situação;
e como não vingasse a sugestão do ouro, tentaram o trabalhador no capítulo do
sentimento. Feriram Constantino nos sonhos mais íntimos do coração; mas,
preparado contra os alvitres da luxúria, resignou-se o médium e a máquina de
serviços continuou sem perturbações. Tal serenidade, todavia, não vinha à
superfície por conquistas dele próprio, mas porque Fanuel montava guarda ativa e
permanente, cooperando na integridade e desdobramento da tarefa.
A situação caracterizava-se por notável harmonia, quando os adversários
gratuitos prepararam sutil cilada, em que o médium seria vítima das próprias
intenções.
Grande número de confrades, de populosa cidade, realizava valioso empreendimento
para difusão do Espiritismo evangélico, mas, a ambição e o egoísmo, a breve
trecho, acocoraram-se como dois monstros na empresa dos obreiros desprevenidos.
A obra ameaçava ruir. Amigos da véspera dividiam-se em campos opostos.
Envenenados de personalismo destruidor, brandiam as armas da insídia e da
leviandade, através de Tribunais e Secretarias. A obra generosa transformara-se,
pela invigilância da maioria, num grande movimento de ambições comercialistas.
Inegavelmente, havia ali, como em toda parte, trabalhadores honestos e
sacrificados, mas, qualquer solução justa só poderia resultar de uma cooperação
geral.
No auge da luta, os caricaturistas da zona invisível lembraram o Saraiva. Não
seria chegado o momento de lhe inutilizar as energias desferindo golpes no
Instrutor espiritual? Alguém chegou mesmo a declarar sutilmente:
– Insinuaremos a vinda do Constantino, e se chamarem Fanuel a esclarecimentos, é
natural que não possa ele atender à generalidade, onde há tantos descontentes.
Estabelecida a impressão nervosa nos culpados, entraremos a dominar os incautos
e promoveremos atritos fortes. É de esperar que o escândalo tome proporções
devastadoras e, em seguida, Saraiva há de procurar quem lhe exaltou as
qualidades de pião.
Riu-se o grupo gostosamente e deu mãos à obra.
Daí a dias, Constantino foi convidado a visitar a grande cidade, onde lavrava a
confusão lastimável. Consultaram o chefe de serviço quanto à licença, e como não
houvesse embargos de qualquer natureza, Saraiva poderia partir oportunamente.
Constantino, porém, assoberbado de obrigações diversas, não desejava empreender
a viagem estafante – mais de mil quilômetros de via férrea – e manteve-se no
retraimento que lhe era peculiar.
Os malfeitores, contudo, desejavam atingir seus fins e sugeriram sutilmente que
se oferecesse a Saraiva homenagens espetaculares. Mais alguns dias e Constantino
soube, pelos jornais, que lhe preparavam recepção de grande vulto. Reunir-se-iam
os companheiros em preitos honrosos, cada solenidade congregaria número
considerável de admiradores e amigos.
Constantino, que não conhecia as tramas e os dramas distantes, comoveu-se ao
extremo. Já que se tratava de movimento tão honroso e distinto, abalançar-se-ia
à viagem, sem mais hesitação. Orou, meditou. Fanuel aproximou-se e recomendou
vigilância. Não era essa, entretanto, a advertência comum, de todos os dias?
Cheio de emoção, o médium não percebia que fora beliscado na vaidade de criatura
falível. No seu modo de entender, devia sacrificar-se, correr ao encontro dos
seus irmãos na fé. Não se organizavam homenagens em sua honra? Longe de recordar
que semelhantes preitos deviam conferir-se a quem de direito, a começar por
Jesus-Cristo, e não a ele Constantino, operário a meio da tarefa, ignorando se
lhe chegaria a termo, dignamente, começou por antever as demonstrações de
apreço, os aplausos gerais, e iniciou providências imediatas.
Reconhecendo-lhe a perigosa atitude mental, Fanuel procurou socorrê-lo por
intermédio do chefe de serviço.
Na manhã em que deliberou em contrário, o rapaz procurou o diretor de trabalho e
pediu humilde:
– Doutor, mudei de opinião relativamente à viagem e desejo o favor de sua
licença.
Avisado intuitivamente por Fanuel, o interpelado obtemperou:
– Não me oponho aos seus desejos, mas olhe que as necessidades do serviço também
mudaram. Seria difícil autorizar sua ausência, agora. Não seria possível adiar o
projeto?
– Mas, doutor – considerou o médium –, os companheiros preparam-me grandes
festividades para as quais, naturalmente, despenderam recursos e receio passar
por ingrato. Além do mais, creio que precisam de minha colaboração nas
dificuldades e sofrimentos que arrastam no momento e não desejo parecer
indiferente.
Fixou-o o diretor e observou:
– Não tenho interesse em desviá-lo de obrigações que considera sagradas, mas sou
de parecer que deve ponderar as próprias disposições. Se pretende viajar em
tarefa de auxílio, não esqueça a vigilância. Onde a razão de festivais e
homenagens? O regozijo não mora em companhia da angústia.
O médium fora sacudido pelas forças da Verdade, mas não despertou. Fanuel fazia
o possível para acordá-lo, mas perdia os melhores esforços. Os dias continuaram
registrando a insistência de Saraiva e a natural esquivança do chefe de serviço,
até que, notando este a firme resolução do rapaz, não quis parecer tirânico e
acabou por dizer-lhe:
– Pois bem, Saraiva, pode ir quando julgar conveniente. Você é dono de sua
pessoa e cada qual deve conhecer as obrigações próprias.
Obtida a permissão, o médium tomou as primeiras providências. Nesse ínterim,
registrava-se grande contentamento dos adversários gratuitos e enorme
preocupação dos amigos sinceros de Constantino.
A escola de Fanuel, na esfera superior, começou a ser visitada por companheiros
esclarecidos, desejosos de informações sobre o assunto.
Um velho amigo perguntou ao respeitável mentor:
– Será crível que Saraiva deite a perder patrimônio tão considerável,
inclinando-se a aventuras dessa ordem, só por causa de homenagens barulhentas e
exaustivas?
– Não é bem isso – explicava o orientador –, Constantino sempre confiou em minha
assistência. Tal como a maioria das criaturas, ele não compreenderia nosso
auxílio fora da velha ternura terrestre, a exprimir-se em palavras doces. É
claro que ele também é Espírito e tem as suas responsabilidades. Poderá atender
plenamente aos caricaturistas que o alvejam, mas, antes disso, não lhe negarei
assistência fraternal. Talvez não nos entenda de pronto, e, contudo, nossa
cooperação segui-lo-á.
Mais tarde, veio a devotada mãe de Saraiva e inquiriu :
– Fanuel, venho rogar seus bons ofícios. Creio que a situação é difícil e
perigosa.
O mentor generoso tranqüilizou a entidade materna:
– Minha irmã pode voltar às suas tarefas espirituais plenamente confiante.
Constantino não ficará sem a nossa colaboração.
No outro dia o velho Jerônimo, também grande amigo de Saraiva, depois das
primeiras considerações, perguntou:
– Fanuel, por que não procuras eliminar a dificuldade imediatamente? O pobre
médium não vive isento da ignorância peculiar aos encarnados no mundo. Não
haverá meios de modificar a situação já, já?
O interpelado, com a serenidade de perfeito otimismo, esclareceu:
– Jerônimo, quando viveste na Terra ouviste falar alguma vez de reses
estouradas?
– Sem dúvida.
– Pois a mente, quando obcecada pelo impulso do próprio capricho, é como se fora
rês estourada – continuou Fanuel, bondoso –, não se pode remediar a situação com
êxito, senão a longas distâncias. O primeiro recurso é a porteira forte; se esta
não vinga, recorre-se ao laço, e tudo isso, embora magoe e fira o animal,
constitui medida de salvação de morte certa. Pelas amizades que conquistou, vive
Saraiva em pastagem muito extensa. Para opor-lhe uma porteira, necessitamos
longa distância. Ele pretende viajar mais de mil quilômetros. Pois bem: não
poderei cercar-lhe a mente caprichosa senão a termo do objetivo. Se falhar a
porteira, recorrerei então ao laço, nesse trabalho de assistência.
Jerônimo meditou a explicação sábia e mergulhou em silêncio.
Daí a alguns dias era chamado por Fanuel, que lhe confiava os trabalhos da sua
escola ativa, esclarecendo:
– Peço me substituas por três dias. Devo cercar hoje a mente de Constantino.
Levarei Natércio, mesmo porque, segundo já sabes, falhando os recursos iniciais,
utilizarei outros mais fortes.
E, sorrindo bondosamente, acrescentava :
– Quantas vezes o encarnado quebra uma perna ou se esvai em sangue de
escoriações quando socorrido? Devemos admitir providências, que tais, no quadro
dos serviços comuns. Assistirei Saraiva em todas as circunstâncias, e talvez me
demore.
Com efeito, nessa noite, o médium chegava à grande cidade, depois de rodar vinte
e quatro horas a fio, sobre os trilhos. Antes de atingir a estação dos abraços
efusivos e dos aplausos superficiais, um amigo vem vê-lo, trazido por Fanuel,
relacionando a ocorrência na série dos casos felizes. Abraçam-se. E quase
meia-noite; Saraiva, cansadíssimo, aguarda o conforto da cama de hotel.
O companheiro regozija-se e exclama:
– Por aqui, tudo bem. Algumas dificuldades, mas creio que você gozará horas de
entretenimento e descanso. Tenho a impressão de que numerosos amigos nossos
disputam em torno de precários patrimônios materiais, mas isso não turvará o seu
horizonte. Enfrentaremos a situação serenamente.
Natércio, o colaborador de Fanuel, aproxima-se do médium e aconselha a oração.
Era meia-noite, enorme o cansaço, mas Saraiva pede ao amigo que o ajude numa
prece. Não deveria inclinar-se à inspiração do Alto, antes de penetrar o terreno
de serviços novos? O companheiro acedeu e elevaram mente e coração ao plano
superior. Meditaram e esperaram. Fanuel considerou chegada a hora de opor o
impedimento prometido.
Tomando a mão de Constantino, escreveu firme:
"Grande é a luta, áspera a discórdia. Nossos irmãos ignorantes da luz espiritual
contendem na ambição e no personalismo destruidores. Necessitam de bisturi a fim
de vazarem o tumor da má-vontade. Quererias servir de instrumento, meu filho,
quando estás sendo utilizado em tarefa superior? Considera as responsabilidades
que te cabem. E se prezas nossa humilde opinião, regressa a todo pano, antes do
amanhecer."
Fanuel não se estendeu em outras considerações. Constantino sentia amarguras de
derrotado. E o festival e as homenagens, os amigos incientes da verdadeira fé?
Num átimo, Natércio aplica-lhe fluidos salutares. Saraiva lê a mensagem em voz
alta. Está muito pálido, desencantado. Mas os fluidos de Natércio o envolvem
inteiramente, atenuando os efeitos dolorosos da volta à realidade e ao dever.
Constantino cria forças e diz:
– Se é assim, vamos voltar.
E ante o amigo admirado, tomou o comboio de regresso, pela madrugada, antes do
amanhecer.
Entretanto, somente de volta, cessada a influência cariciosa de Natércio,
Constantino verificou que sua mágoa era profunda. Viajar mais de mil
quilômetros, sacrificar-se e voltar sem atingir o menor dos objetivos?
Dias passaram sobre os seus desgostos, e o médium, na primeira reunião, recebeu
encorajadora mensagem de Fanuel, que lhe dizia contente:
– Estou satisfeito: Se não te posso dar boa nota em prudência, concedo-te ótima
classificação em obediência. Não te agastes, Constantino. Ninguém pode despertar
do sono a toque de ternura. Às vezes, são necessários jatos de água fria. E quem
poderá afirmar que isso não seja assistência amorosa?
Saraiva, mais animado, retomou a luta, mas até hoje talvez ignore que, se não
ganhara boa nota em prudência, nem mesmo a obediência lhe pertencia.
Por: Humberto de Campos, Do livro: Reportagens e Além Túmulo, Médium: Francisco Cândido Xavier
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