
Vigilância, por André Luiz
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A medicina moderna encontra-se em fase de transição, e está a
procura de novas fronteiras e caminhos para a evolução do conhecimento.
O direcionamento científico da medicina aponta para as áreas da biologia
molecular, genética, famacoterapia, mas também há reconhecida tendência para o
estudo da espiritualidade. É surprendente quando se usa o instrumento de
pesquisa de artigos científicos na base de dados PubMed, através do site www.ncbi.nlm.nih.gov,
do National Institute Of Health dos Estados Unidos, o NIH, e a palavra "spirituality"
é digitada, o resultado é um retorno de 817 artidos, para prece, "prayer" 23441
citações, para "religious" 6376.
Porém, mais do que isto, é ver revistas de alto impacto científico dando espaço
para artigos relacionados a este tema, tais como The Lancet, New England Journal
of Medicine, British Medical Journal, Americas Journal of Psychiatry, JAMA,
entre dezenas de outras. É curioso também observar que são em países tidos como
materialistas, como os Estados Unidos e países da Europa, que os artigos
científicos sobre espiritualidade na medicina vem sendo produzidos.
O estudo da espiritualidade na medicina é um desafio, que se deve à sua
complexidade, falta de definição dos termos, escassez de estudos
epidemiológicos, fisiológicos e da sua aplicação como terapêutica clínica. É
desbravar uma área que muito irá expandir.
O primeiro passo é definir os termos. Espiritualidade e religiosidade são duas
palavras cujo limite entre os seus significados não é claro. Para muitos, a
espiritualidade é expressa e vivenciada através da religiosidade, porém
espiritualidade não é necessariamente alcançada pela religiosidade. Shafransky e
Maloney (1990) definem religiosidade como "aderência a crenças e práticas
organizadas por uma instituição religiosa".
Waldfogel( 1997) aponta elementos que compõe a espiritualidade: significado e
propósito de vida, transcendência, conexão com o meio(natureza e pessoas), e
energia espiritual. Destaca também, diferente da dimensão biológica, psicológica
e social da saúde, a dimensão espiritual.
Pacientes querem ser tratados como pessoas e não como doenças, e serem
observados como um todo, incluindo o aspecto físico, emocional, social e
espiritual. Ignorar qualquer uma das dimensões torna a abordagem do paciente
incompleta.
Em pesquisas na população geral e em médicos dos Estados Unidos, as crenças e o
comportamento religioso foi estudado, e revelou que 95% das pessoas acreditam em
Deus, 77% acreditam que os médicos devem considerar as suas crenças espirituais,
73% acreditavam que devessem compartilhar as suas crenças religiosas com o
médico, 66% manifestaram interesse de que o médico pergunte sobre sua
espiritualidade, mas apenas 10 a 20% relataram que os médicos discutiram a
espiritualidade com o paciente. Com relação aos médicos, 64 a 95% acreditam em
Deus, 77% acreditam que os pacientes devem relatar suas crenças para a equipe
médica, 96% acreditam que o bem-estar espiritual é importante para saúde, porém
apenas 11% perguntam com freqüência sobre questões religiosas, sendo que as
principais barreiras para a falta de avaliação espiritual foram: 71% falta de
tempo, 59% falta de treinamento para abordar estas questões e 56% dificuldade em
identificar pacientes que queiram discutir o assunto.
Em técnicas de relaxamento, 80% dos pacientes voluntariamente escolheram
palavras ou frases com foco religioso para sua meditação/relaxamento e aqueles
que experimentaram aumento subjetivo de sua espiritualidade tiveram melhores
resultados.
Mais de 850 estudos examinaram a relação da religiosidade/espiritualidade e
diversos aspectos da saúde mental, a maioria deles apontam para melhores
indicadores de saúde mental e adaptação ao stress em pessoas que praticam
atividades religiosas. Outros 350 estudos mostram que pessoas engajadas em
práticas religiosas ou espirituais são fisicamente mais saudáveis, tem estilo de
vida mais equilibrados, e usam menos serviços de saúde. O impacto do benefício
da atividade religiosa na saúde chaga a ser comparada com o parar de fumar, e
até mesmo adicionar 7 a 14 anos a mais de vida. O impacto também se dá no nível
econômico, pois a prática espiritual é isenta de custos e seus benefícios
resultam em menos gastos hospitalares, medicamentos e exames. No entanto, a
prática religiosa não deve substituir a prática médica.
Outras questões relacionadas à introdução de conceitos de espiritualidade e
religiosidade na medicina devem ser também consideradas. Embora existam para
algumas doenças, faltam estudos randomizados, que evidenciem o benefício da
espiritualidade em doenças específicas, nas quais este tópico nunca foa
estudado. A atividade religiosa do indivíduo por ele próprio procurada pode ser
substancialmente diferente daquela indicada pelo médico. Em termos
epidemiológicos, uma ação no sentido de reduzir o tabagismo, ou aumentar o nível
de exercício físico, ou orientação dietética devem ser comparadas com a
orientação de procura a uma atividade religiosa, e o seu custo benefício
calculado. Outro fato comentado é a questão de que pessoas casadas têm melhores
indicadores de saúde que solteiros, separados ou divorciados, isto não significa
que médicos orientam seus pacientes a se casarem. Se religiosidade se
correlaciona com melhores índices de saúde, o raciocínio inverso pode ser feito
erroneamente, que a doença estaria relacionada coma pouca fé ou atividade
religiosa, dando a idéia de punição divina. E por último, o médico corre o risco
de impor a sua prática religiosa ao paciente.
O que deve então o médico fazer? O American College of Physicians, nos Estados
Unidos, publicou um consenso sobre que questões o médico deve fazer para o
paciente grave: (1) A fé (religião, espiritualidade) é importante para você
nesta doença? (2) A fé (religião, espiritualidade) já foi importante em outras
épocas da sua vida? (3)Você tem alguém para discutir as questões religiosas? (4)
Você gostaria de explorar as questões religiosas com alguém?
Para acessar a espiritualidade de maneira sistemática e padronizada, foram
criadas até escalas de avaliação da espiritualidade no âmbito médico, como a
"Spiritual Involvement and Beliefs Scale" (Escala de Crenças e Envolvimento
Espiritual), e a "Spiritual Well-Being Scale" (Escala de Bem Estar Espiritual).
O simples fato do médico se mostrar preocupado com o aspecto espiritual do
paciente deve melhorar a relação médico-paciente e por conseguiante melhorar o
impacto das intervenções médicas realizadas.
E que intervenções espirituais podem ser efetuadas? A prece é a mais universal e
comum das intervenções. Quase 90% das mulheres e 85% dos homens fazem preces, e
80% deles o fazem com freqüência semanal. A meditação é outra opção mais voltada
para a consciência do corpo e relaxamento físico e mental. A psicoterapia
baseada na linha transpessoal e/ou com enfoque existencial, pode ser eficaz na
ajuda ao paciente que procura resolver aspetos relacionados ao significado e
propósito na vida. O passe é intervenção comum em nosso meio, assim como a
fluidoterapia, a "água fluida", que são realizadas nos nossos centros espíritas.
O tratamento espiritual pode combinar a prece, o passe e a fluidoterapia.
Cirurgias espirituais são também realizadas. Outros tipos de intervenções
espirituais ou religiosas predominam de acordo com a prática religiosa. O toque
terapêutico, reiki, as curas e cultos públicos, ou encontros privados com
curandeiros e outros tipos também ocorrem.
Na cultura indígena, a figura do pagé engloba o médico e líder espiritual. Em
culturas como a tibetana, a medicina e a espiritualidade também caminham juntas,
sem separação como ocorre atualmente na medicina ocidental. Novos avanços devem
decorrer do aprofundamento do estudo e aplicação da espiritualidade na prática
médica.
Espiritualidade na Medicina: por Mario Peres