Ensinar, por Espíritos Diversos
Brandos e Pacíficos
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A azáfama do dia cedera lugar a terna e suave tranqüilidade. As atividades
fatigantes alongaram-se até as primeiras horas da noite, que se recamara de astros alvinitentes. Os últimos corações atendidos, à margem do lago, após a formosa pregação do entardecer, demandaram os seus sítios facultando que eles, a seu turno, volvessem à casa de Simão.
Depois do repasto simples, o Mestre acercou-se da praia em companhia do apóstolo
afeiçoado e, porque o percebesse tristonho, interrogou com amabilidade:
- Que aflição tisna a serenidade da tua face, Simão, encobrindo-a com o véu de
singular tristeza?
Havia na indagação carinhoso interesse e bondade indisfarçável.
Convidado diretamente à conversação renovadora, o velho pescador contestou com
expressiva entonação de voz, na qual se destacava a modulação da amargura:
- Cansaço, Senhor. Sinto-me muitas vezes descoroçoado, no ministério abraçado...
Não fosse por ti...
Não conseguiu concluir a frase. As lágrimas represadas irromperam afogando o
trabalhador devotado em penosa agonia. E como o silêncio se fizesse espontâneo,
ante o oscular da noite que os acalentava em festival de esperança, o
companheiro, sentindo-se compreendido e, passado o volume inicial da emotividade
descontrolada, prosseguiu:
- Não ignoro a própria inferioridade e sei que teu amor me convocou à boa nova a
fim de que me renovasse para a luz e pudesse crescer na direção do amor de nosso
Pai. Todavia, deparo-me a cada instante com dificuldades que me dilaceram os
sentimentos, inquietando-me a alma.
Ante o olhar dúlcido e interrogativo do Amigo discreto adiu:
- É verdade que devemos perdoar todas as ofensas, no entanto, como suportar a
agressividade que nos fere, quando pretende admoestar e que humilha, quando
promete ajudar?
- Guardando a paz do coração - redargüiu o divino Benfeitor.
- Todavia - revidou o discípulo sensibilizado -, como conservar a paz, estando
sitiado pela hipocrisia de uns, pela suspeita pertinaz de outros, sob o olhar
severo das pessoas que sabemos em pior situação do que a nossa?
- Mantendo a brandura no julgamento - respondeu o Senhor.
- Concordo que a mansuetude é medicamento eficaz - redargüiu Pedro -, não
obstante, não seria de esperarmos que os companheiros afeiçoados à luz nova
também a exercitassem por sua vez? Quando a dúvida sobre nossas atitudes parte
de estranhos, quando a suspeição vem de fora da grei, quando a agressividade nos
chega dos inimigos da fé, podemos manter a brandura e a paz íntimas.
Entrementes, sofrer as dificuldades apresentadas por aqueles que nos dizem amar,
tomando parte no banquete do Evangelho, convém consideremos ser muito mais
difícil e grave o cometimento...
Percebendo a angústia que se apossara do servo querido, o Mestre, paciente e
judicioso, explicou:
- Antes de esperarmos atitudes salutares do próximo, cabe-nos o dever de
oferecê-las. Porque alguém seja enfermo pertinaz e recalcitrante no erro,
impedindo que a luz renovadora do bem o penetre e sare, não nos podemos permitir
o seu contágio danoso, nem nos é lícito cercear-lhe a oportunidade de buscar a
saúde. Certamente, dói-nos mais a impiedade de julgamento que parte do amigo e
fere mais a descortesia de quem nos é conhecido. Ignoramos, porém, o seu grau de
padecimento interior e a sua situação tormentosa. Nem todos os que nos abraçam
fazem-no por amor, bem o sabemos... Há os que, incapazes de amar, duvidam do
amor do próximo; os que mantendo vida e atitudes dúbias descrêem da retidão
alheia; os que tropeçando e tombando descuram de melhorar a estrada para os que
vêm atrás... Necessário compreendê-los todos e amá-los, sem exigir que sejam
melhores ou piores, convivendo sob o bombardeio do azedume deles sem nos
tornar-nos displicentes para com os nossos deveres ou amargos em relação aos
outros...
- Ante a impossibilidade de suportá-los -sindicou o pescador com sinceridade -,
sem correr o perigo de os detestar, não seria melhor que os evitássemos,
distanciando-nos deles?
- Não, Simão - esclareceu Jesus. - Deixar o enfermo entregue a si mesmo será
condená-lo à morte; abandonar o revel significa torná-lo pior... Antes de outra
atitude é necessário que nos pacifiquemos intimamente, a fim de que a brandura
se exteriorize do nosso coração em forma de bênção.
“Na legislação da montanha foi estabelecido que são bem-aventurados os brandos e
pacíficos...
“A bem-aventurança é o galardão maior. Para consegui-lo é indispensável o
sacrifício, a renúncia, a vitória sobre o amor-próprio, o triunfo sobre as
paixões.
“Amar aos bons é dever de retribuição, mas servir e amar aos que nos menosprezam
e de nós duvidam é caridade para eles e felicidade para nós próprios.”
Como o céu continuasse em cintilações incomparáveis e o canto do mar embalasse a
noite em triunfo, o Mestre silenciou como a aspirar as blandícias da Natureza.
O discípulo, desanuviado e confiante, com os olhos em fulgurações, pensando nos
júbilos futuros do Evangelho, repetiu quase num monólogo, recordando o Sermão da
Montanha:
“Bem-aventurados os que são brandos, porque possuirão a Terra.
“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.”
E deixou-se penetrar pela tranqüilidade, em clima de elevadas reflexões.
Por: Amélia Rodrigues, Médium: Divaldo Pereira Franco
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