Ensinar, por Espíritos Diversos
Animismo
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1) A teoria e a experiência
Por ocasião dos preparativos ao Congresso Espírita Internacional, programado
para Glasgow em setembro de 1937, o comitê organizador escreveu ao cientista
italiano Enesto Bozzano convidando-o a participar dos trabalhos na honrosa (e
merecida) condição de seu vice-presidente.
Pedia ainda o comitê que Bozzano preparasse um resumo de sua obra, já bastante
volumosa àquela época, destacando como tema básico a questão do animismo, de
forma a encaminhar uma solução conclusiva para o problema que se colocava na
seguinte pergunta-título sugerida para seu ensaio: Animism or spiritualism -
Which explains the facts ? (Animismo ou espiritismo - Qual deles explica os
fatos?). O eminente pesquisador italiano alcançara, em 1937, a respeitável idade
de 75 anos - viveria mais seis anos, pois morreu em 1943 -, e o tema proposto
pelos organizadores do congresso significava, como ele próprio o caracterizou,
"formidável encargo", dado que se datava de "resumir a maior parte da minha obra
de 40 anos". A despeito disso, o idoso cientista entusiasmou-se pelo assunto,
que se apresentava como " teoricamente muito importante".
Foi assim que os estudiosos dos fenômenos psíquicos se viram presenteados com
mais um de seus notáveis e competentes estudos, que a Federação Espírita
Brasileira vem publicando, em sucessivas edições, sob o título Animismo ou
Espiritismo ?
Não foi difícil para ele responder o que lhe fora perguntado, mesmo porque a
resposta estava implícita em sua obra:
Nem um, nem outro logra, separadamente, explicar o conjunto dos fenômenos
supranormais. Ambos são indispensáveis a tal fim e não podem separar-se, pois
que são efeitos de uma causa única, e esta causa é o espírito humano que, quando
se manifesta, em momentos fugazes durante a encarnação, determina os fenômenos
anímicos e, quando se manifesta mediúnicamente, durante a existência
'desencarnada', determina os fenômenos espiríticos. (Bozzano, Ernesto, 1987.)
O tema já fora tratado, aliás, em outra importante obra a de Alexandre Aksakof,
igualmente publicada pela FEB, sob o título Animismo e Espiritismo (2 volumes).
Tanto a obra de Bozzano quanto a de Aksakof são enriquecidas como relato de
inúmeros fatos colhidos e examinados com atento critério seletivo. A de Bozzano,
como vimos, foi motivada pela solicitação dos organizadores do Congresso de
1937; a de Aksakof resultou de sua corajosa decisão de responder à altura as
veementes criticas do filósofo Eduard von Hartmann, intitulada O Espiritismo,
que alcançara certa repercussão pelo prestígio de que gozava seu brilhante
autor. Somos levados a crer, hoje, que o fator importante no êxito do livro de
Hartmann foi o fato de que era o primeiro ataque maciço e inegavelmente
inteligente às teses doutrinárias do espiritismo, ao oferecer explicações
alternativas aceitáveis, em princípio, ou seja, a de que os fenômenos, nos quais
o espiritismo via manifestações de seres desencarnados sobreviventes, deveriam
ser considerados como produzidos pelas faculdades normais da mente humana. O
vigoroso estudo de Hartmann como que atendia a uma ansiada expectativa de parte
de inúmeros cépticos e negativistas irredutíveis, desesperados por uma teoria
inteligente que demolisse, de uma vez para sempre, as estruturas do espiritismo
nascente. Para estes a obra de Hartmann foi um alívio. Afinal surgia alguém que
conseguia 'demonstrar' ser uma glande tolice essa história da sobrevivência do
ser que os espíritas estavam a disseminar por toda a parte, conseguindo até
'envolver' figuras da maior projeção na sociedade, nas artes e, principalmente,
na ciência. Era uma loucura, a que alguém precisava mesmo por um ponto final.
Acharam que Hartmann havia conseguido essa proeza histórica - a de deter com
argumentos tidos como irrespondíveis a maré crescente do espiritismo.
Na verdade Hartmann era um pensador de considerável prestígio e montou seu
sistema metafísico sobre o conceito do inconsciente, doutrina que expôs com
brilhantismo e competência em Die Philosophie des Unbewussten (A Filosofia do
inconsciente), publicada em três volumes, em 1869, em Berlim. Era seu segundo
Livro e foi acolhido com respeito. Ele morreu em 1906, aos 64 anos de idade, e
deixou vasta obra como pensador. Obviamente, suas biografias não abordam o
assunto, mas sabemos que ele também sobreviveu como espírito imortal... É certo
que voltará um dia para colocar sua brilhante inteligência a serviço de causa
menos ingrata do que a de dar combate à doutrina dos espíritos.
O maior impacto da obra de Hartmann sobre o espiritismo, contudo, provem do fato
de que ele tinha razão, em parte, pois trabalhou com os recursos da
meia-verdade. Não, certamente, por desonestidade artificiosa, mas porque estava
convicto de suas posturas teóricas e apresentava fatos observados que lhes
pareciam dar sustentação. E, realmente, davam-na, porque fenômenos semelhantes
ou idênticos aos mediúnicos ocorrem sem que seja necessário convocar a
interferência dos desencarnados.
Aksakof concordou com ele neste ponto, como Bozzano também iria concordar mais
tarde. Nenhum dos dois estava excluindo ou escamoteando a realidade dos
fenômenos anímicos, ou seja, produzidos pela alma dos encarnados. A divergência
entre Aksakof e Bozzano, de um lado, e Hartmann, de outro, estava em que este
deixou de considerar em seu estudo os fatos que não se acomodavam à doutrina
animista, ou seja, fenômenos que precisavam, irremediavelmente, da doutrina
espírita para serem compreendidos e explicados, pois nada tinham que os
justificasse como manifestações anímicas.
Escreveu Aksakof:
Para maior brevidade, proponho designar pela palavra animismo todos os fenômenos
intelectuais e micos que deixam supor uma atividade extracorpórea ou à distância
do organismo humano e mais especialmente todos os fenômenos mediúnicos que podem
ser explicados por u1na ação que o homem vivo exerce além dos limites do corpo.
(Aksakof, Alexandre, 1983,)
Em nota de rodapé, ele acrescenta que a palavra psiquismo também serviria a esse
propósito, mas por uma questão de uniformidade preferiu ficar com radicais e
estruturas latinos (anima = alma), dado que o termo destinava-se a ser utilizado
em estreita conexão com a palavra espiritismo, de origem latina.
Reservava para esta última palavra - espiritismo - somente os "fenômenos que,
após exame, não podem ser explicados por nenhuma da teorias precedentes e
oferecem bases serias para a admissão da tese'>hipótese de uma comunicação com os
mortos. " Observe-se que ele não deseja impor, a qualquer preço, a doutrina da
sobrevivência. Embora convicto dela, quer apenas mostrar que há fenômenos muito
bem observados e documentados que não se enquadram no rígido esquema de von
Hartmann.
O eminente cientista russo propõe para os fenômenos anímicos uma classificação
em quatro categorias distintas, todos eles, contudo, resultantes do que ele
chama de "ação extracorpórea do homem vivo", isto é, fenômenos produzidos pelo
ser encarnado para os quais não há necessidade de recorrer-se à interferência de
desencarnados. Nesse quadro ele colocou: 1) efeitos psíquicos (telepatia,
impressões transmitidas à distância); 2) efeitos físicos (fenômenos
telecinéticos, isto é, movimento à distância); 3) projeção da imagem (fenômenos
telefânicos, ou seja, desdobramento); 4) projeção de imagens "com certos
atributos de corporeidade", isto é, formação de corpos materializados.
Estou convencido de que teríamos hoje outras categorias a acrescentar e outros
fenômenos a enquadrar, bem como fenômenos mistos, nos quais podemos identificar
características nitidamente animistas e também interferências ou participação de
seres desencarnados. Isto, porém, veremos no momento próprio, neste livro.
É das mais importantes, por conseguinte, a contribuição desses dois eminentes
cientistas ao melhor entendimento das faculdades mediúnicas, o russo Alexandre
Aksakof e o italiano Ernesto Bozzano, sem nenhum desdouro para o filósofo alemão
von Hartmann, que a despeito de seu brilhantismo não conseguiu demolir a
realidade da sobrevivência do espírito. Sei que muitos consideram o problema
ainda por resolver, mas essa é a verdade e o tempo irá demonstra-la fatalmente e
de maneira incontestável, sem mais deixar espaços abertos para os profissionais
da negação.
2) O animismo na codificação
Empenhados na elaboração de uma obra tão abrangente quanto possível, os
instrutores da codificação se viram forçados a sacrificar o particular em favor
do geral, o pormenor em beneficio da visão de conjunto. Do contrário a obra
assumiria proporções e complexidades que a tornariam praticamente inabordável.
Limitaram-se, pois, no caso específico do animismo, a referências sumárias,
apenas para indicar a existência do problema, como que deixando-o a futuros
desdobramentos de iniciativa dos próprios seres encamados, ainda que sempre
ajudados e assistidos pelos mentores desencarnados. É a impressão que se colhe
quando hoje analisamos vários aspectos dos ensinamentos que nos legaram
diretamente ou por intermédio dos escritos pessoais de Allan Kardec.
No capítulo XIX de O Livro dos Médiuns ("Do papel dos médiuns nas comunicações
espíritas") Kardec reproduz o teor das consultas que formulou a dois dos mais
competentes especialistas sobre o fenômeno mediúnico, ou seja, Erasto e Timóteo,
que parece terem sido incumbidos de orientar os estudos em tomo da mediunidade.
A alma do médium pode comunicar-se como a de qualquer outro.
Se goza de certo grau de liberdade, recobra suas qualidades de espírito. Tendes
a prova disso nas visitas que vos fazem as almas de pessoas vivas, as quais
muitas vezes se comunicam convosco pela escrita, sem que as chameis. Porque,
ficai sabendo, entre os espíritos que evocais, alguns há que estão encamados na
Terra. Eles, então, vos falam como espíritos e não como homens, Por que não se
havia de dar o mesmo como médium? Kardec, Allan, 1975.)
Em O Livro dos Espíritos (capítulo VII, "Da Emancipação da alma") foi também
abordado o tema da atividade espiritual do ser encamado. Se nos lembrarmos de
que a codificação conceitua a alma (anima) como espírito encamado, temos aí a
clara abordagem à questão do animismo, embora o termo somente seria proposto,
anos mais tarde, por Aksakof, como vimos.
Cuida esse capítulo da atividade da alma, enquanto desdobrada do corpo físico
pelo sono comum, e nisto estão incluídos os sonhos, contatos pessoais com outros
indivíduos, encamados ou desencarnados, telepatia, letargia, catalepsia, morte
aparente, sonambulismo, êxtase, dupla visão.
Todo esse capítulo cuida, portanto, da fenomenologia anímica, ainda que de
maneira um tanto sumária, pelas razões já expostas.
3) A palavra dos continuadores
O estudo mais aprofundado dessas questões parece ter sido reservado aos
encamados. Assumiram a responsabilidade pela tarefa não apenas Aksakof e
Bozzano, como outro seguro e competente estudioso espírita: Gabriel Delanne, em
obra aliás, não muito difundida no Brasil, já que não foi traduzida para a nossa
língua.
Trata-se de Recherches sur la Médiumnité, com 515 páginas compactas, expondo
cerrada argumentação, toda ela apoiada em fatos observados com o necessário
rigor científico. O livro compõe-se de dês partes: 1) o fenômeno espírita e a
escrita automática das histéricas; 2) animismo; 3) espiritismo.
Que eu saiba, é uma das únicos obras, no contexto doutrinário do espiritismo,
que estuda em profundidade o problema da "psicografia automática", ou seja, a
escrita produzida pelo inconsciente, funcionando o sensitivo como médium de si
mesmo.
Os livros de Boddington também chamam a atenção para este aspecto, mas longe
estão da profundidade e da documentação de que se vale Delanne, embora sua
atitude seja bem radical ao sugerir que comunicações que estejam dentro das
possibilidades culturais do médium devam ser consideradas como originárias do
inconsciente do próprio sensitivo. Para o autor inglês, textos de legitima
autoria dos desencarnados são somente aqueles que demonstrem conhecimentos
superiores ao do médium.
Não apenas julgo o critério demasiado rígido, mas também inadequado, porque
dificilmente conheceremos com segurança o vigor intelectual do espírito do
médium, ou seja, da sua individualidade, em contraste com seu conhecimento como
ser encarnado, na faixa da personalidade. Em outras palavras: o médium pode ser
uru espírito de elevada condição intelectual ainda que, como encarnado, seja
culturalmente medíocre. É o mais provável, urna vez que a experiência ensina que
o acervo mental oculto no inconsciente, na memória integral, tem de ser,
necessariamente, muito superior, em volume e qualidade, ao que trazemos no
limitado âmbito do consciente e do subconsciente, isto é, nas memórias da vida
presente, em contraste com os imensos arquivos das vidas anteriores.
Não é, pois, de admirar-se que um sensitivo dotado de modestos recursos
intelectuais, como ser encarnado, seja capaz de produzir, pelo processo da
psicografia automática, um texto brilhante, se conseguir criar condições
propicias à manifestação anímica, isto é, se permitir que se manifeste em todo o
seu potencial seu próprio inconsciente.
Isto, porém, de forma alguma invalida, pelo contrário, confirma a tese de
Aksakof e Bozzano, Delanne e outros, de que o fenômeno anímico, longe de excluir
a possibilidade do fenômeno espírita, é um fator a mais para corroborar este
último.
O raciocino pode ser colocado na seguinte ordem: admitida a sobrevivência do
espírito, seria ridículo e anticientífico declarar que o espírito encarnado pode
manifestar-se pela psicografia, mas o desencarnado não.
Sei que muitos contestarão o argumento dizendo que ele é falho, no sentido de
que não está provada, ainda, a sobrevivência. Isto, porém, não é objeção que me
aflija. Primeiro, porque este não é um livro apologético, concebido para
demonstrar ou provar a existência ou sobrevivência do espírito e, sim, uma
discussão do problema da mediunidade. Segundo, entendo que, enquanto os cépticos
os negadores duvidam e procuram demolir as estruturas da realidade espiritual, é
preciso que alguém assuma essa realidade - que a nosso ver está suficientemente
demonstrada - e dê prosseguimento ao trabalho de inseri-la no contexto humano e
colocá-la a serviço de um relacionamento mais inteligente, dinâmico e
construtivo das duas faces da realidade, uma visível, outra invisível. A
rejeição é problema daquele que rejeita, não do que está convencido dessa
realidade. A esta altura da história do espiritismo no mundo, não estão mais
obrigados os espíritas a continuar de braços cruzados enquanto os negadores se
engalfinham em um verdadeiro corpo-a-corpo para 'provar' que estão com a razão
nos seus postulados. Decorrido mais de um século, não conseguiram provar que os
nossos estão errados. O problema é deles e está com eles, não conosco. Por isso,
a postura assumida neste livro é a de que não temos nada a provar a ninguém,
mesmo porque não estamos apoiados em crenças ou crendices, tese'>hipóteses ou
suposições, mas na sólida estrutura de uma doutrina racional, sustentada por
ratos bem observados e bem documentados que nos garantem sua autenticidade pelo
testemunho repetido e concordante de cientistas e pesquisadores confiáveis.
4) O fantasma do animismo
Essa realidade nos leva à conclusão que há, sim, fenômenos de natureza anímica,
ou seja, que podem ser explicados – e o são mesmo como manifestações do espírito
do próprio sensitivo. Que os críticos insistam em dizer que são tais fenômenos
produzidos pela mente ou pelo inconsciente das pessoas, isso é problema deles,
empenhados como estão em questões semântica'>semânticas. O espiritismo nada tem a temer,
nem aí nem em nenhum outro ponto de sua estrutura doutrinaria. Como tenho dito
alhures, o espiritismo tem sua própria teoria do conhecimento que, em vez de
resultar de especulações teóricas, ainda que inteligentes e até brilhantes, foi
deduzida dos fatos observados. Desmintam os fatos antes de proporem a rejeição
ou modificações estruturais inaceitáveis.
Em paralelo com fenômenos de natureza anímica produzidos pelo espírito
encarnado, há fenômenos espíritas gerados por seres humanos temporariamente
desprovidos de corpos físicos, ou seja, desencarnados.
Essa é a realidade. E uma não exclui a outra, ao contrário, complementam-se e se
explicam mutuamente.
Na verdade a questão do animismo foi de tal maneira inflada, além de suas
proporções, que acabou transformando-se em verdadeiro fantasma, uma assombração
para espíritas desprevenidos ou desatentos. Muitos são os dirigentes que
condenam sumariamente o médium, pregando-lhe o rótulo de fraude, ante a mais
leve suspeita de estar produzindo fenômeno anímico e não espírita. Creio
oportuno enfatizar aqui que em verdade não há fenômeno espírita puro, de vez que
a manifestação de seres desencontrados, em nosso contexto terreno, precisa do
médium encamado, ou seja, precisa do veículo das faculdades da alma (espírito
encarnado) e, portanto, anímicas.
Escrevem Erasto e Timóteo, em O Livro dos Médiuns:
O espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao corpo, que serve para
falar, e por ser necessária uma cadeia entre vós e os espíritos que se
comunicam, como é preciso um fio elétrico para comunicar à grande distância uma
notícia c, na extremidade do fio, uma pessoa inteligente, que a receba e
transmita. (Kardec, Allan, 1975.)
Quando falamos ao telefone, por melhor que seja a aparelhagem utilizada, nossa
voz sofre inevitável influência do equipamento.
O espírito do médium exerce alguma influência sobre as comunicações que fluem
por seu intermédio? Respondem taxativamente os instrutores.
Exerce. Se estes não lhe são simpáticos, pode de alterar-lhes as respostas e
assimilá-las às suas próprias idéias e a seus pendores não . influencia, porém,
as próprios espíritos, autores das respostas; constitui-se apenas em mau
intérprete. (Idem )
E prossegue a aula: assim como o espírito manifestante precisa utilizar-se de
certa parcela de energia, que vai colher no médium, para movimentar um objeto,
também "para uma comunicação inteligente ele precisa de um intermediário
inteligente", ou seja, do espírito do próprio médium.
O bom médium, portanto, é aquele que transmite tão fielmente quanto possível o
pensamento do comunicante, interferindo o mínimo que possa no que este tem a
dizer.
Quando Kardec pergunta como é que um espírito manifestante fala uma língua que
não conheceu quando encamado, Erasto e Timóteo declaram que o próprio Kardec
respondeu à sua dúvida, ao afirmar, no início de sua pergunta, que "os espíritos
só têm a linguagem do pensamento; não dispõem da linguagem articulada".
Exatamente por isso, ou seja, por não se comunicarem por meio de palavras, eles
transmitem aos médiuns seus pensamentos e deixam a cargo do instrumento
vesti-los, obviamente, na língua própria do sensitivo.
Reiteramos, portanto, que não há fenômeno mediúnico sem participação anímica. O
cuidado que se toma necessário ter na dinâmica do fenômeno não é colocar o
médium sob suspeita de animismo, como se o animismo fosse um estigma, e sim
ajudá-lo a ser um instrumento fiel, traduzindo em palavras adequadas o
pensamento que lhe está sendo transmitido sem palavras pelos espíritos
comunicantes.
Certamente ocorrem manifestações de animismo puro, ou seja, comunicações e
fenômenos produzidos pelo espírito do médium sem nenhum componente espiritual
estranho, sem a participação de outro espírito, encamado ou desencontrado. Nem
isso, porém, constitui motivo para condenação sumária ao médium e, sim, objeto
de exame e análise competente e serena, com a finalidade de apurar o sentido do
fenômeno, seu porquê, suas causas e conseqüências.
Suponhamos, por exemplo, que ante determinada manifestação espiritual em certo
médium de um grupo, outro médium do mesmo grupo mergulhe, de repente, em um
processo espontâneo de regressão de memória. Pode ocorrer que ele passe a
'viver', em toda a sua intensidade e realismo, sua própria personalidade de
anterior existência. Apresentará, sob tais circunstâncias, todas as
características de uma manifestação mediúnica espírita, como se ali estivesse um
espírito desencontrado.
Vamos lembrar, novamente, o ensinamento de Erasto e Timóteo: "A alma do médium
pode comunicar-se como a de qualquer outro". E isto é válido para a psicografia
e para a psicofonia ou até mesmo para
fenômenos de efeitos físicos. Não nos cansamos de repetir que tais fenômenos não
invalidam a realidade da comunicação espírita e, sim, a complementam e ajudam a
entendê-la melhor.
A fim de que possamos estudar o mundo espiritual, adverte Delanne, precisamos de
um instrumento, um intermediário entre as duas faces da vida - o médium.
"Como possui uma alma e um corpo" - prossegue o eminente continuador de Kardec
-, "ele tem acesso, por uma, à vida do espaço e, pelo outro, se prende à Terra,
podendo servir de intérprete entre os dois mundos. " Não deixa, portanto, de ser
um espírito somente porque está encarnado. Os fenômenos que produzir, como
espírito, são também dignos de exame e não de condenação sumária. Algumas
perguntas podem ser formuladas para servir de orientação a essa análise. São
realmente fenômenos anímicos? Ou interferências pessoais do médium nas
comunicações, no processo mesmo de as "vestir" com palavras, como dizem os
espíritos? Por que estariam sendo produzidos? E como? Com que finalidade? Como
poderemos ajudá-lo a interferir o mínimo possível a fim de que as comunicações
traduzam com fidelidade o pensamento dos espíritos?
5) A fraude e o automatismo
Entendo, à vista da experiência pessoal em cerca de duas décadas no. trato
constante com a prática mediúnica, que é possível realizar um bom trabalho
saneador nas possíveis interferências, não porém pela condenação sumária e
áspera do médium. Se ele for, comprovadamente, um médium fraudador, precisará
ser tratado com certa energia, nunca, porém, com rudeza ou agressividade. Está
realmente fraudando? Por quê? Exibicionismo? Vaidade? Desejo de agradar as
pessoas? A despeito de fraudes eventuais ou costumeiras, tem ou não faculdades
mediúnicas autênticas? Como ajudá-lo a livrar-se dos seus defeitos e fraquezas,
a fim de tornar-se um médium confiável?
A história do espiritismo registra episódios em que médiuns dotados de
excepcionais e comprovadas faculdades mediúnicas recorreram também a fraudes,
como a legendária Eusapia Paladino, que produziu fenômenos incontestáveis sob as
mais severas condições de controle, perante cientistas atentos e geniais, mas
que também produzia, por fraude, ridículas imitações, facilmente
detectáveis.Atenção, porém, para um pormenor importante que tem sido muito
negligenciado nas discussões acerca da mediunidade. O fenômeno fraudulento nada
tem a ver com animismo, mesmo quando inconsciente. Não é o espírito do médium
que o está produzindo através do seu próprio corpo mediunizado, para usar uma
expressão dos próprios espíritos, mas o médium, como ser encarnado, como pessoa
humana, que não está sendo honesto nem com os assistentes, nem consigo mesmo. O
médium que produz uma página por psicografia automática, com os recursos do seu
próprio inconsciente, não está necessariamente fraudando e sim gerando um
fenômeno anímico. É seu espírito que se manifesta. Só estará sendo desonesto e
fraudando se desejar fazer passar sua comunicação por outra, acrescentando-lhe
uma assinatura que não for a sua ou atribuindo-a, deliberadamente, a algum
espírito desencontrado.
Sem nenhum receio infundado ou temor de estar oferecendo argumentos aos
negadores contumazes da sobrevivência e comunicabilidade dos espíritos, Delanne
lembra claramente que:
(...) nas sessões espíritas, ao lado de médiuns verdadeiros, há também
automatistas que escrevem mecanicamente e sem consciência aparente do conteúdo
intelectual da mensagem. Durante muito tempo tem faltado aos espíritos um
critério que lhes permuta proceder a uma triagem entre as comunicações
verdadeiras e as produções subconscientes do médium. (Delanne, Gabriel, 1909.)
(Grifo nosso)O critério recomendado pelo pesquisador francês é o mesmo de
sempre: submeter a atento exame crítico os textos produzidos a fim de separar o
joio do trigo. Sem isto, acabam sendo aceitas como revelações do mundo
espiritual tolas fantasias subliminares produzidas pelo próprio médium.
Convém observar, contudo - e isto vai por muna conta -, que a mensagem não é
tola somente porque emerge do inconsciente do médium, nem é boa e autêntica
porque há segura evidência de ser de origem espiritual. O que vale de fato é seu
conteúdo, sua coerência, a elevação de seus conceitos éticos ou filosóficos,
ainda que a linguagem possa apresentar-se, aqui e ali, com algumas incorreções.
Como o espírito do médium também pode comunicar-se - e o faz como espírito,
segundo nos assegura a codificação e não como ser humano -, é bem possível que
ele tenha uma bagagem espiritual respeitável e uma experiência consolidada por
inúmeras vidas que o autorizem a produzir uma comunicação de elevado teor,
perfeitamente aceitável do ponto de vista doutrinário e moral e tão autêntica
quanto as de origem espiritual, de responsabilidade de seres desencarnados.
Após sensatos e oportunas observações de quem sabe do que fala, Delanne
acrescenta:
Parece-nos, portanto, indispensável lembrar que somos mais ricos do que
geralmente julgamos. Abaixo da consciência jaz um maravilhoso depósito de
documentos inexplorados que têm algo a ensinar-nos sobre o próprio substrato da
individualidade, da qual depende nosso caráter. (Idem)
Com o que estamos de pleno acordo. Ainda hoje, no meio espírita, são muitos os
que supervalorizam a palavra dos espíritos e consideram com certa desconfiança,
hostilidade mesmo ou, ainda, menor dose de confiança o que provém do ser
encamado.
Suponhamos, para argumentar, que, reencarnado em futura existência, um espírito
da competência de Erasto ou de Timóteo, de Delanne ou de Kardec produza textos
anímicos por psicografia automática, sem nenhuma interferência de seres
desencarnados. Certamente teremos a aprender com eles, ante a riqueza de seus
conhecimentos e experiência a que se refere Delanne no trecho há pouco
transcrito. Seria desastroso rejeitar suas produções apenas porque não se
consegue detectar nelas quaisquer sinais de origem rigorosamente espírita. Mais
adiante, prossegue Delanne:
A escrita automática poderá trazer ao nosso conhecimento textos perfeitamente
coordenados, soluções de problemas considerados insolúveis pelo sensitivo ou
ensinamentos que nos parecerão inéditos, sem que atribuamos, necessariamente,
tais produções a espíritos desencarnados.(Idem)O julgamento de textos, portanto,
não deve ser conduzido à base de impulsos e desconfianças apriorísticas e, sim,
após criterioso exame crítico de forma e fundo, de conteúdo ideológico e
doutrinário. A mensagem é boa? Não importa o nome que a subscreve ou deixa de
subscrevê-la. É inaceitável? Por mais 'importante' que seja o declarado autor,
deve ser rejeitada sem remorsos.
O que é preciso evitar, em tais circunstâncias, é criar uma atmosfera de
suspeição em tomo do médium. Por duas válidas e significativas razões. Se a
mensagem não está bem, ainda assim não significa, indiscutivelmente, que ele
esteja fraudando. Embora isso possa ocorrer, é também possível que ele tenha
acolhido um espírito despreparado que não tenha muito que dar de si, nesse
campo. Se, por outro lado, a mensagem é aceitável e até boa ou excelente, também
não quer dizer que não possa ter sido produzida pelo próprio espírito do médium,
como estamos vendo.
Continua Delanne:
Agora que sabemos da extraordinária riqueza da memória latente, povoada de
lembranças de tudo quanto estudamos, vimos, ouvimos e pensamos em nossa vida,
que sabemos que a atividade do espírito durante a noite é preservada (na
memória), que impressões sensoriais, das quais não temos consciência, podem
revelar-se aura dado momento, devemos ser bem circunspectos para afana que o
conteúdo de uma mensagem não provém do subconsciente. (Idem)As mensagens devem,
por conseguinte, ser examinadas e aceitas (ou rejeitadas) pelo que são em si
mesmas e não por serem de origem espiritual ou anímica. Tanto há mensagens boas
de origem anímica como mensagens inaceitáveis de origem espiritual. Não estamos
autorizados a colocar o médium sob suspeita apenas porque produziu uma mensagem
ou manifestação anímica.
Propõe Delanne critério semelhante ao de Boddington para testar a origem da
comunicação. Se ela estiver acima da capacidade do médium, poderá ser
considerada como provinda de espíritos desencarnados.
De minha parte, com todo o respeito que me merecem esses dois eminentes autores,
não acho que o critério, embora válido sob certos aspectos, seja ainda o
definitivo, quando sabemos, pela palavra do próprio Delanne, da insuspeitada
riqueza cultural que trazemos nos vastos armazéns da memória inconsciente.
Sempre que esse material tiver condições de emergir pelo processo da psicografia
automática, será compatível com os conhecimentos que o médium traz como espírito
encarnado, dono que ele é de vasto material acumulado ao longo de inúmeras
existências pregressas.Jamais nos esqueçamos, contudo, do princípio ordenador da
mediunidade, ou seja, o de que ela é um processo de intercâmbio entre as duas
faces da vida inteligente e que, portanto, participa de uma e de outra. Do que
se depreende que toda comunicação ou fenômeno mediúnico terá sempre um
componente maior ou menor de cada uma dessas duas faces da realidade. Há, pois,
nas manifestações mediúnicas, um componente espiritual (do desencarnado) e um
componente anímico (do encarnado). Como também poderá provir apenas do ser
encarnado, sem participação de espíritos desencarnados, pois o espírito encamado
também se manifesto como espírito. .Em suma: o espírito desencarnado precisa do
médium encarnado para comunicar-se conosco, mas este pode prescindir, sob
condições especiais, da participação dos companheiros desencarnados para
transmitir seus próprios pensamentos, armados como material que se encontra
depositado nos seus arquivos inconscientes.Voltamos, para concluir, reiterando o
ensinamento de Ernesto Bozzano sobre a interação animismo/espiritismo:Nem um,
nem outro logra, separadamente, explicar o conjunto dos fenômenos supranormais.
Ambos são indispensáveis a tal &n e não podem separar-se, pois que são efeitos
de uma causa única e esta causa única é o espírito humano que, quando se
manifesto, em momentos fugazes durante a encarnação, determina os fenômenos
anímicos e quando se manifesto mediunicamente, durante a existência
desencarnada, determina os fenômenos espiríticos. (Bozzano, Ernesto, 1987.)
6) Aspectos provacionais do fenômeno anímico
O fenômeno anímico exige, por conseguinte, experiência e atenção de quem
trabalha com médiuns regularmente ou ocasionalmente testemunha manifestações
mediúnicas. Não constitui, contudo, um tabu, nem se apresenta como fantasma
aterrador que é preciso exorcizar.
Escreve André Luiz, em Nos Domínios da Mediunidade:
Muitos companheiros matriculados no serviço de implantação da Nova Era, sob a
égide do espiritismo, vêm convertendo a teoria anímica num travão injustificável
a lhes congelar preciosas oportunidades de realização do bem; portanto, não nos
cabe adotar como justas as palavras "mistificação inconsciente ou subconsciente"
para batizar o fenômeno. (Xavier, Francisco C./André Luiz, 1973a.)Refere-se o
instrutor Áulus, nesta passagem, a uma senhora que, embora com as usuais
características de uma incorporação obsessiva de espírito perseguidor, estava
apenas deixando emergir do seu próprio inconsciente memórias desagradáveis de
uma existência anterior que nem mesmo o choque biológico da nova encarnação
conseguira "apagar".Tratava-se de uma doente mental, cujos passados conflitos
ainda a atormentavam e se exteriorizavam naquela torrente de palavras e gestos
sonidos como se estivesse possuída por um espírito desarmonizado. No caso,
havia, sim, um espírito em tais condições - era o seu próprio e, portanto, ela
estava ali funcionando como médium de si mesma, produzindo uma manifestação
anímica. Mais que ignorância, seria uma crueldade deixar de socorrê-la com
atenção e amor fraterno somente porque a manifestação era anímica. Continua
Áulus, mais adiante:Um doutrinador sem tato fraterno apenas lhe agravaria o
problema, porque, a pretexto de servir à verdade, talvez lhe impusesse corretivo
inoportuno em vez de socorro providencial. (Idem)Em Mecanismos da mediunidade
(cap. XXIII), encontramos observação semelhante, colocada nestes
termos:Freqüentemente pessoas encarnadas nessa modalidade de provação
regeneradora são encontráveis nas reuniões mediúnicas, mergulhadas nos mais
complexos estados emotivos, quais se personificassem entidades outras, quando,
na realidade, exprimem a si mesmas, a emergirem da subconsciência nos trajes
mentais em que se externavam noutras épocas sob o fascínio dos desencarnados que
as subjugavam. (Xavier, Francisco C. / André Luiz, 1986.)Lembra esse autor
espiritual, a seguir, que se fôssemos levados, pelo processo da regressão da
memória, a uma situação qualquer em urna de nossas vidas anteriores e lá
deixados por algumas semanas, apresentaríamos o mesmo fenômeno de aparente
alienação mental, complicada com características facilmente interpretadas como
de possessão, pelo observador despreparado. Ou, então, a pessoa seria tida como
mistificadora inconsciente. Em ambas as tese'>hipóteses, o diagnóstico estaria errado
e, por conseguinte, qualquer forma de tratamento porventura proposto ou tentado.
Escreve ainda André Luiz:
Nenhuma justificativa existe para qualquer recusa no trato generoso de
personalidades medianímicas provisoriamente estacionadas em semelhantes
provações, de vez que são, em si próprias, espíritos sofredores ou conturbados
quanto quaisquer outros que se manifestem, exigindo esclarecimento e socorro.
(Idem) (Destaque nosso)Podemos concluir, pois, que muitos médiuns com excelente
potencial de realizações e serviços ao próximo podem ser desastradamente
rejeitados pela simples e dolorosa razão de que não foram atendidos com amor e
competência na fase em que viviam conflitos emocionais mal compreendidos.
Por: Hermínio C.Miranda, Caso tenha ou possua, envie-nos a referência desse texto.
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