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Todos os anos chegam ao fim: é uma fatalidade do calendário. E todos os anos repetimos gestos semelhantes, dizemos as mesmas frases, fazemos promessas de mudança para o ano seguinte, discutimos como foi o ano findo e invariavelmente nos surpreendemos com a rapidez com ele que chega ao final, dizendo que temos mesmo que ficar velhos, pois a vida está passando cada vez mais rápido.
Se considerarmos a vida de forma resumida, sendo a existência limitada entre o berço e o túmulo, de fato, ela é curta e passa rápido. É só notar como pessoas de setenta ou oitenta anos dizem que parece que foi ontem que fizeram isso ou aquilo e já faz cinqüenta anos ou mais que o fato aconteceu. Minha avó materna desencarnou com mais de oitenta anos. A filha mais velha contava, na época, com sessenta e dois anos e a mais jovem beirava os cinqüenta, mas ela chamava a todas de “suas crianças” e uma, em especial, de “nenê”. Era engraçado ver aquela cena se repetindo todos os anos.
Aliás, repetir provavelmente seja o que nós mais fazemos: repetimos atitudes, repetimos pensamentos às vezes nossos, muitas vezes reproduzidos de outros e meramente repassados, repetimos condutas, e nessa sucessão forjamos preconceitos e ilusões que se vão sedimentando, tomando ares de verdade. Até que um dia paramos, olhamos no espelho e nos perguntamos: Por que estou fazendo isso? Qual é o significado?
O vazio nos responde com seu silêncio imperturbável e a crua verdade é que não sabemos a razão: simplesmente repetimos o que todos faziam, crentes de que assim devia ser desde que o mundo é mundo, porque o desconhecimento cria a ilusão de eternidade das coisas.
Recentemente li um conto de Voltaire que me chamou a atenção por narrar a história de um jovem que, chegado a adolescência, decidiu viajar sozinho pelo mundo para conhecer a verdade, convencido de que até então só o haviam ensinado com mentiras. Nós somos muito parecidos com esse personagem adolescente que se lança em mil aventuras em busca da verdade, quando se vê rodeado por um mundo cheio de ilusões e mentiras criados pelo próprio ser humano.
Nesta época de final de ano, inicio de outro, há um frenesi por se conseguir repetir todos os comportamentos, frases, atitudes a tempo. Alguns vão ainda mais longe, lançando uma série de culpas nas pessoas, cobrando que devem repetir adequados comportamentos mentais para essa época “sagrada” do ano. Proliferam campanhas de solidariedade, todos lembram que milhares de pessoas passam fome, não têm o que vestir, estão doentes, que inúmeras crianças e velhos padecem sede e fome de afeto, além da comida. Correm às instituições com doações e saem aliviadas, prontas para as reprises de gestos e correrias de final de ano, como se depois do dia 25 de dezembro ou do dia 01 de janeiro, não se sucedesse uma infinidade de amanheceres e anoiteceres.
Em meio a tudo isso, muitas propagandas falando de religiosidade, de solidariedade, de afeto e, mais recentemente, reportagens lembrando que muitas pessoas nestes períodos são acometidas de depressão. Símbolos de natal saltam aos olhos. Papai Noel desfila incansável em lojas, shoppings, em motocicletas, enfim, está por toda parte. Religiosos reclamam que estão transformando o dia “sagrado” do nascimento de Jesus em um evento comercial, conclamam as pessoas a buscarem a e as suas crenças, não sem um certo tom de censura.
Em meio a esse emaranhado surge a figura de Jesus, rolando meio confusa. É hora de se perguntar: Como tudo isso começou? Houve mesmo desvirtuamento dessa data? Por quê?
No ano 324 da era cristã, o Papa Júlio I, com o intuito de cristianizar as grandes festas pagãs da Europa – os solstícios de inverno – instituiu a comemoração do Natal, oficializando como data do nascimento de Cristo o dia 25 de dezembro. A verdade é que ninguém sabe a data do nascimento de Jesus, não há registros precisos. Como se vê, a própria data é uma criação humana e atendendo a interesses particulares de dominação de um grupo sobre outro.
Desta origem vem a maioria dos símbolos e práticas natalinas que usamos atualmente, como por exemplo: enfeitar a árvore de natal e colocar guirlandas sobre as portas.
Nos rituais em homenagem ao deus Odin, dos povos nórdicos, e a Júpiter, entre os romanos, adornavam-se carvalhos. Em outras culturas enfeitava-se a vidima em oferta ao deus Baco e as oliveiras para a deusa Minerva. Os antigos egípcios consideravam os tamarindos como símbolo da vida, por isso nos solstícios de inverno levavam ramos para dentro de casa enfeitando-os com jóias e doces. Esses usos deram origem à árvore de natal.
As guirlandas eram usadas pelos druidas, feitas de visgo, uma planta de propriedades medicinais na cultura antiga. Nas comemorações dos solstícios de inverno, que coincidem com a época adotada por Júlio I, eles montavam guirlandas pendurando-as em suas casas e nos carvalhos das florestas. Se seus inimigos se encontrassem sob elas, eram obrigados a um armistício enquanto durassem as festas. Daí hoje se pendurarem guirlandas sobre as portas das residências e se ornamentarem árvores (agora artificiais), gestos que desvirtuados da cultura da qual originaram são despidos de significação, meramente repetitivos.
Mas, no emaranhado que é a festa natalina, o símbolo mais recente é o Papai Noel, o bom velhinho que traz presentes até para vovó e o vovô, que se tornou tão cantado e querido de todos a ponto de fazer algumas pessoas chorarem. Pois é. Essa figura mítica em cuja existência real as crianças são ensinadas a acreditar e sobre a qual se forjou toda uma lenda, mil vezes repetida, surgiu como garoto-propaganda de uma poderosa indústria multinacional de refrigerantes, no ano de 1931, publicada na revista Saturday Evening Post, criação de Haddon Sundblon, que adaptou a original que era um duende com os trajes vermelhos, usando a figura humana para representá-lo. Seu primeiro modelo foi um vendedor aposentado de nome Lou Prentice. Mais tarde, o próprio Haddon tornou-se o modelo do Papai Noel, que acabou se tornando esse símbolo do Natal. As lendas em torno dele se originaram da história de Nicolas (281-350 dC), bispo de Myra, na Ásia Menor, que herdou dos pais a virtude da caridade e distribuía aos necessitados alimentos, roupas e doações em dinheiro, acompanhados de um bilhete dizendo que agradecessem a Jesus aquele presente. Especialmente durante os rigorosos invernos, o bispo Nicolas distribuía seus donativos por saber que era o período em que os miseráveis mais padeciam.
Convenço-me do fato de que somos repetitivos e não temos consciência disso. Daí o incansável trabalho da espiritualidade ao nosso redor para que tenhamos consciência de nossas ações: o que fazemos, por que o fazemos, por que estamos neste planeta e qual é a nossa função dentro dele.
Jesus, apontado como nosso modelo e guia, nada tem a ver com essas festas. Elas são apenas mais uma das inúmeras miscelâneas criadas pelo catolicismo em torno de Sua figura ímpar. Porém, entre todos os enganos e conceitos confusos lançados ao redor de Sua passagem sobre a Terra, restam ainda rastros de luz falando de alguém muito especial que não se importava com as “regras sociais”, que não se importava de Ser diferente e agir conforme sua consciência e que dizia a todos: “Conhecereis a verdade e ela vos libertará.”
Busquemos conhecer a verdade proposta por Jesus, conhecer seu pensamento, seu comportamento, analisá-lo como Ser humano, como o espírito evoluído que Ele é, não como uma figura mítica de um deus-menino nascido em 25 de dezembro (trezentos anos depois de sua morte), nem como um deus-morto, pregado na cruz, mas como alguém que anda a nosso lado e pode nos ajudar muitíssimo na jornada da vida.


Por: Ana Cristina Vargas - Delfos, Caso tenha ou possua, envie-nos a referência desse texto.


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