Ensinar, por Espíritos Diversos
A Resiliência na Visão Espírita
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A edição 1852 da Revista VEJA1 , de 5 de maio de 2004, na
seção Páginas Amarelas, entrevista a professora Andréa Salgado que, no fim do
ano passado, teve suas duas pernas decepadas com a colisão de uma lancha com o
banana boat em que passeava em uma praia do litoral fluminense. O acidente por
si só uma tragédia, agrava-se pela impunidade já que os responsáveis até hoje
não respondem pelo crime de lesão corporal grave. Acrescente-se a tudo isso a
transformação radical a que foi sujeita, aos 33 anos, casada e mãe de 2 filhos
de 4 e 7 anos. Hoje está treinando para andar com as pernas artificiais. Conta
ainda a reportagem que seis meses após o acidente, a professora mantém o
otimismo. Perguntada sobre a origem desse ânimo ela confessa não saber que tinha
essa força toda. Atribui a Deus e ao apoio da família e que no início foi ela
quem deu força para o marido e os filhos. Decidira não viver lamentando o que
perdera e sim o que ganhara, ou seja, a vida. Estar viva para ela foi uma
vitória, ainda que sem as pernas.
Mas o que esse fato tem a ver com a resiliência do título? A imprensa leiga está
timidamente abordando esse tema. Recentemente a revista Cláudia (abril 2004) fez
uma boa matéria sobre o assunto e o encarte da Folha, Sinapse, de 27 de Abril de
2004, também fez algumas referências, ainda que pequenas. Tive meu contato com a
resiliência ao estudar o estresse docente, para minha dissertação de mestrado,
buscando entender por que alguns professores sabiam lidar com as adversidades da
profissão enquanto outros sucumbiam diante das mesmas. Na tentativa de entender
essa variação de comportamento, aprendi que existe um fator importante que faz a
diferença. Atribuem os estudiosos à personalidade mais resistente ou não ao
estresse. Os professores que não se deixavam abater apresentavam certas
características que compunham a personalidade resiliente.
A resiliência é caracterizada por um conjunto de atitudes adotadas pelo ser
humano para resistir aos embates da vida. O termo vem de uma propriedade da
Física sobre a capacidade que os corpos têm de voltar à sua forma original,
depois de submetidos a um esforço intenso. Fazer a simples transposição da
Física para a Psicologia não é possível porque, aplicado aos seres humanos, o
conceito se destaca exatamente pela capacidade do indivíduo dar a volta por cima
das situações de risco e voltar TRANSFORMADO, crescendo com a experiência.
A análise dos comportamentos leva à idéia de que todo ser humano traz dentro de
si essa capacidade inata. Alguns a estimulam por si mesmos sobrepujando guerras,
maus tratos, conflitos diversos. Outros precisam de ajuda externa, seja de
comunidades religiosas ou não, da família ou de terapeutas para ajudá-los a
criar os fatores de proteção que suavizam os fatores de risco. Ou seja, são as
forças internas e externas que contribuem para minorar esses fatores de risco. E
a essa força chama-se resiliência. Assim diz-se que um indivíduo é resiliente
quando consegue superar (e não necessariamente eliminar) as adversidades,
encontrando forças para aprender com elas.
A forma como lidamos com os agentes estressores é que determinaria o grau de
resiliência alcançado. O ser resiliente não foge das opressões e consegue
neutralizar seus efeitos sem que necessariamente as mesmas sejam afastadas ou
diminuídas. Como exemplo, citamos os sobreviventes dos campos de concentração
que, apesar de todas as adversidades, ainda encontraram dentro de si mesmos
força para resistir, sem que tenha havido redução da exposição ao risco.
Voltando ao comportamento da jovem e bonita professora percebemos sua atitude
resiliente quando demonstra uma força, uma coragem que, como dissemos, existe
latente no ser humano e que emerge diante das situações difíceis. Ora cria seus
próprios fatores de proteção, ora utiliza os externos (Deus e a família).
Destaque-se aqui o elo com a religião não para servir de fuga psicológica mas
para ajudar no enfrentamento dos conflitos.
Na visão espírita, o conceito de resiliência se alarga porque ao depararmos com
as diferenças de personalidade para justificar a maneira mais fácil ou difícil,
de lidar com as adversidades, vamos ao encontro do conceito do espírito eterno,
milenar, que atravessa as eras em aprendizado contínuo.
Conhecedores de que nosso planeta abriga seres em diversas escalas de evolução e
que os mais adiantados servem-nos de exemplo para nosso próprio crescimento,
fica mais fácil entender porque alguns são mais fortes e descobrem em si mesmos
a força para lutar. Jesus já não dizia que só teríamos o fardo que agüentamos
suportar? Por isso, a professora, apesar de toda luta, serve de exemplo para
tantos outros:
“Muita gente me procura para dizer que recuperou a vontade de viver depois de
conhecer minha história. Isso me deixa contente e me dá mais força ainda para
prosseguir.”
Joanna de Ângelis, no profundo livro O Despertar do Espírito2 (p.173) nos
esclarece que “essa força para o crescimento, haure-a ele (o espírito) na
realidade de si mesmo, ínsita nos painéis profundos da sua essencialidade”.
Andréa Salgado, a professora, revela como encontra forças (p.13):
“Como não posso voltar atrás, tenho de dar a volta por cima. Quando vejo que
estou ficando triste, digo a mim mesma: levanta essa cabeça!”
Esse comportamento exemplifica como o sofrimento pode ser modificado “mediante a
coragem de os defrontar e trabalhá-los corajosamente com os instrumentos da
realidade”. 3
A teoria da resiliência defende a capacidade individual do ser humano de
aprender a trabalhar comportamentos que reduzam a ação dos agentes estressores,
admitindo que a personalidade pode mudar sua maneira de ser, se a ela forem
dadas as ferramentas adequadas para a construção do novo indivíduo.
Ao entender que o ser humano pode ser modificado para melhor, a teoria da
resiliência se aproxima do conceito espírita de evolução espiritual.
Ser resiliente também implica em aceitar as coisas como são, se não puderem ser
modificadas. A angústia leva algumas pessoas ao desespero enquanto outras
procuram consolo e resposta para os acontecimentos.
Andréa, apesar de católica, depois do acidente encontrou muitas respostas no
Espiritismo, tendo aprendido que nada acontece por acaso. Comenta também que tem
lido muitos livros kardecistas, livros com mensagens de otimismo. Certamente
esse contato com uma nova realidade é que tem suprido sua necessidade de
conforto espiritual, fazendo nascer a vontade de lutar e a esperança por dias
melhores, observado quando assim se expressa:
“Como é certo que não terei minhas pernas de volta, não adianta ficar na cama
chorando. Tenho de ficar boa para cuidar da minha família. Tento usar minha
energia para mudar o enredo dessa história.”
São comportamentos como o de Andréa que nos levam a analisar as diversas reações
dos indivíduos. Ao se fazer um exame do sofrimento, observamos que, conforme
esclarece o Espiritismo, cada um passa pelas experiências que necessita para
evoluir. E que essas experiências podem vir carregadas de um sofrimento intenso.
Já a forma de lidar com a dor vai variar de indivíduo para indivíduo. Joanna de
Ângelis complementa dizendo que “a sensibilidade à dor depende do grau de
evolução do ser, do seu nível de consciência”. Diz ainda, a nobre mentora que
“à medida que progride, que sai do mecanismo dos fenômenos e adquire
responsabilidade como decorrência da conscientização da sua realidade, ele se
torna mais perceptivo ao sofrimento, embora, simultaneamente, mais resistente.”4
É a lucidez da consciência que equipa o indivíduo na superação da amargura, do
desespero, da infelicidade, esclarece Joanna. Segundo a sábia mensageira de
Cristo, em virtude da compreensão que o ser demonstra em torno dos objetivos
espirituais de sua existência, fica mais fácil entender e aceitar o sofrimento e
a necessidade de ainda se encontrar nas faixas mais ásperas do mecanismo
evolutivo.
Essa aceitação e superação dos desafios que a vida terrena nos oferece é que
demonstram atitudes resilientes. Mais uma vez a Psicologia Espírita se aproxima
da ciência, no caso, da Psicologia Social, quando mostra e explica as
semelhanças e diferenças do comportamento dos espíritos encarnados aqui na
Terra.
Referências Bibliográficas:
1 Revista VEJA – Páginas Amarelas - Entrevista Profª Andréa Salgado. Por Ariel
Kostman. - Edição 1852 - 5 de maio de 2004 P. 13,16-17.
2 ÂNGELIS, Joanna de. O Despertar do Espírito. Psicografia: Divaldo Pereira
Franco. Salvador: LEAL, 2000 – 2a. ed.
3 ÂNGELIS, Joanna de. Triunfo Pessoal. Psicografia: Divaldo Pereira Franco.
Salvador: LEAL, 2000, 2a. ed.
4 ÂNGELIS, Joanna de. Autodescobrimento. Psicografia: Divaldo Pereira Franco.
Salvador: LEAL, 1995.
Por: Fátima Araújo de Carvalho - RIE, Caso tenha ou possua, envie-nos a referência desse texto.
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