Ensinar, por Espíritos Diversos
O Caso de Aprígio
A+ | A- | Imprimir | Ouça a MSG | Ant | Post
Quando cheguei ao leito de Alfredo Cortes, debatia-se o velho entre as raias
da morte.
Casa cheia.
Afastei os populares que se aglomeravam ao pé do quarto, e pedi garantias para
examiná-lo severamente.
O Coronel Cortes fora vitima de traiçoeiro golpe e agonizava sem esperança.
O punhal atingira o coração e, condoído, sentei-me, desarvorado.
Sobre os lençóis empapados de sangue, jazia o ancião inerte.
- Coronel – perguntei, ansioso -, quem lhe fez isso?
O moribundo buscou, em vão, mover os olhos na direção do grande cofre violado e
ciciou uma palavra.
Colei o ouvido aos lábios quase imóveis, e depois de muito esforço, escutei um
nome:
- A... pri... gio...
Senti-me empolgado de horror. Aprígio era o rapaz que ele amava por filho.
Naquele minuto rápido, lembrei-me da história dele. Fora enjeitado à porta de
Cortes, quando D. Alzira, a esposa, ainda estava na Terra. O casal sem filhos
exultara. Muita vez surpreendera eu os amigos em passeio para distrair a
criança. Aprígio crescera mimado, respeitado, protegido. Não quisera cursar
estabelecimento de ensino superior; entretanto, recebera instrução suficiente
para desempenhar profissão respeitável. Costumava encontrá-lo, à noite, ao pé de
amigos desocupados, quando de minhas visitas inesperadas aos casos de urgência.
Nunca poderia suspeitar, porém, de que estivesse caminhando para semelhante
loucura.
Não consegui, no entanto, mais largo tempo para a reflexão.
A vitima cravou em mim os olhos embaciados, conquanto lúcidos, e estremeceu.
Chegara o fim.
Emocionado, abri passagem, de modo a cientificar meu apontamento à polícia, mas
a sala contígua povoava-se de vozes ásperas.
Dei alguns passos e estaquei.
- É ela! É ela!
Madalena Leandro, pobre lavadeira do povo, era puxada pelos cabelos.
Aprígio estava à frente do grupo amotinado, gritando com veemência.
Comuniquei o óbito ao chefe do destacamento policial e busquei agir com
serenidade, tomando informes.
Madalena fora surpreendida, no telhado, mostrando enorme aflição.
Acusada, não se defendera. Tudo inclinava a autoridade a crer fosse ela a
homicida.
Intrigado, avancei para a infeliz, perguntando:
- Diga, Madalena! Confesse! Foi realmente você?
A desditosa mulher, em silêncio, fixou em mim os olhos agoniados, à maneira de
triste animal sentenciado à morte.
- Foi você?
Havia tamanho imperativo em minha pergunta, que a mísera, como que hipnotizada,
confirmou sob o pranto pesado a lhe escorrer do rosto:
- Sim... fui eu! - Assassina! Assassina! – exclamou Aprígio, colérico. – E o
dinheiro? Onde está o dinheiro?
Como a acusada não respondesse, o moço precipitou-se de punhos cerrados e, a
esmurrar-lhe o peito, bramia desesperado:
- Diga! Diga! Maldita! Maldita!
A infeliz tombou de joelhos e rogou, súplice:
- Piedade! Pelo amor de Deus, tenham piedade de mim!
Buscava debalde interferir, para sustar novo crime, quando o rapaz lhe aplicou
um pontapé à altura dos pulmões e a lavadeira rolou, desgovernada.
O sangue borbotava-lhe agora da boca trêmula e, revoltado, consegui acalmar os
ânimos.
Não permitiria se alongasse a agressão.
E ouvindo-me o arrazoado, o responsável pela ordem ponderou:
- Doutor, compreendemos a sua indignação, mas, afinal de contas, o pobre rapaz
está possesso de angústia... Acaba de perder o pai e, sinceramente, no lugar
dele, não sei se me comportaria de outra maneira...
Entendi que a hora não admitia réplicas e solicitei fosse Madalena conduzida à
prisão, para as medidas aconselháveis.
Inquieto, continuei de atenção voltada para o assunto.
Perseguida por Aprígio, a infortunada mulher foi submetida a inquirições
humilhantes.
Sempre que interrogada, declarava-se autora do estranho homicídio, mas, se
instada a dizer algo sobre o furto, calava-se, estremunhada e, com isso,
experimentava maior punição.
Procurei o juiz indicado para o processo, em segredo amistoso, esclarecendo-o
quanto a minha observação, em caráter de confidência. E após atender-me, o
magistrado, gentil, promoveu acareações.
Aprígio foi chamado a depor, diante da ré.
E fazendo força para alcançá-lo na consciência não vacilei arrolar-me entre as
testemunhas.
Percebendo-me, todavia, a atitude, explicara que o velho, embora pacífico, desde
algum tempo mostrava sintomas de alienação mental evidente. Vivia desmemoriado,
agastadiço.
Esquecia nomes familiares, truncava referências. E acentuava que não tinha
dúvidas quanto à culpabilidade de Madalena. Narrava, com ênfase, como a
encontrara em telhado vizinho, ansiosa, a observar os efeitos da infâmia que
praticara. Dois soldados e ele próprio haviam visto. Esgueirara-se pelo quintal
a fora, depois do crime. Decerto, enterrara o dinheiro roubado em algum lugar e,
em seguida, espreitava, buscando possivelmente surrupiar nova presa. A
residência do coronel tinha jóias e alfaias, relógios e roupas finas. Madalena
fora, em outro tempo, lavadeira da casa. Conhecia passagens e escaninhos.
A acusada ouvia, em lágrimas, silenciando...
Se alguém perguntava, ao fim do interrogatório:
- Mas foi você? - Madalena chorava muda, fazendo um gesto confirmativo.
O sofrimento, contudo, alquebrava-lhe as forças.
Hemoptises apareciam, amiudadas.
Anotando-me o interesse pela infeliz, a autoridade judiciária permitiu pudesse,
de minha parte, hospitalizá-la para o tratamento preciso.
A acusada, entretanto, como se houvesse desistido da existência, não mostrou
qualquer reação favorável.
Ao cabo de vinte dias, providenciava-lhe o enterro de última classe.
A lavadeira não pudera esperar o julgamento definitivo.
E a vida continuou na marcha irrefreável.
Por muito tempo, demorei-me ainda entre os homens, e assisti à ascensão e à
queda de Aprígio.
Dono de regular fortuna que herdara em testamento de Alfredo Cortes, prosperou a
princípio, para cair, mais tarde, em descrédito, depois de largos anos em
jogatina e
dissipação. Findo vasto período de enfermidade e desencanto, morrera, ignorado,
na sombra do hospício.
Um novo dia, entretanto, chegou para mim também e vi-me de mãos vazias, no
retorno ao plano espiritual.
A morte do corpo renovara-me a alma e, em pleno acesso a lutas diferentes,
dentre os amigos que me vieram trazer o abraço afetivo, Madalena surgiu, nimbada
de luz.
Conversamos, alegremente, e porque o passado me batesse em cheio na tela da
memória, formulei a pergunta discreta... Afinal, onde estava a verdade? Não fora
Aprígio o autor da tragédia?
A heroína, porém, fitando-me de frente, tudo elucidou, respondendo calma:
- Doutor, nada pude falar, porque Aprígio, o infeliz criminoso, era meu filho...
Por: Hilário Silva, Do livro: A Vida Escreve. Médium: Francisco Cândido Xavier
Tags
Leia Também:
Aborto: por Nossolar.net
Estupro e Aborto na Visão Espírita: por Dr Ricardo di Bernardi
Aborto: E Agora Pode?: por Luis Marcelo Prestes - O Clarim
Aborto: por Desconhecido
Aborto e Clonagem: por Orson Carrara
Comentários