Ensinar, por Espíritos Diversos
Amanhã Eu Faço
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Ele mesmo declarou que sua maior imperfeição moral era a preguiça. Ao final
da existência, lamentou-se do péssimo hábito de tudo deixar para amanhã. Não
levava adiante as providências em andamento, preferia adiar compromissos, sempre
se atrasava em tudo e não percebia que seus atrasos prejudicavam terceiros,
traziam aflições a quem dele dependia e que o maior lesionado de suas atitudes
negligentes era ele mesmo.
Chamava-se João e o “amanhã” foi acrescentado como apelido. Ficou conhecido,
pois, com o nome de João Amanhã. Todos conheciam aquele homem que sempre
apresentava desculpas, muitas delas bem esfarrapadas, para justificar atrasos ou
não cumprimento dos mais elementares deveres, o que trouxe muito sofrimento para
seus pais, durante toda a vida. Na verdade, porém, os pais foram os maiores
responsáveis pelo adulto negligente, pois não o corrigiram na infância,
concordando com sua costumeira indolência.
A mãe tentou corrigi-lo na adolescência, entregando-o aos cuidados de um tio
muito trabalhador e disciplinado que viajava muito. O rapaz o acompanhou, mas
alguns meses depois recebeu comunicado da mãe para que voltasse, face à
enfermidade que acometera o pai. O rapaz deixou para viajar no dia seguinte,
como de hábito em tudo que fazia. Por força do adiamento, no dia seguinte, o
veículo coletivo sofreu avaria causando considerável atraso na viagem.
Indiferente com o reparo, resolveu adiar novamente a viagem, para o próximo dia.
Quando conseguiu chegar o pai já havia morrido.
Mas não foi só. Um outro tio, solteiro, solicitou sua presença para cuidar de
seus negócios – face a impedimento inesperado – e ele novamente viajou. Deixou a
namorada e prometeu voltar assim que possível. Seis meses depois, em virtude de
adiamentos sucessivos, quando tentou voltar, novamente perdeu o veículo coletivo
que o traria de volta. No dia seguinte, quando viajaria, amanheceu enfermo e
impossibilitado de viajar. Com isso, até se recuperar foram mais de três meses.
Numa época em que ainda não havia telefones, ficou de escrever para a mãe e para
a namorada, mas sempre deixava para o dia seguinte. A mãe a namorada acharam que
ele tinha morrido, em face da ausência de notícias. A mãe enfermou e a namorada
decidiu ir para o convento.
Quando chegou, um ano depois, a mãe havia morrido. A noiva, surpreendida pela
volta do namorado, e agora já com votos religiosos, suicidou-se. Ele, por sua
vez, por negligência contumaz, após a morte da mãe, foi sucessivamente perdendo
os próprios bens e os recursos básicos de sobrevivência. Transformou-se num
mendigo, passou fome e vivia da caridade alheia, sem movimentar-se para nada.
Quando solicitava esmolas para comer, diziam-lhe: você não comeu hoje, comerá
amanhã. Morreu de fome, abandonado. E até seu corpo ficou insepulto naquela
noite, pois os coveiros – numa tarde de chuva torrencial – disseram uns para os
outros: deixemos para amanhã, como ele sempre fazia…
A vida é dinâmica e pede iniciativa, providências contínuas que nos preservem de
enfermidades e nos garantam o sustento e o equilíbrio da própria existência.
Entregar-se a atitudes irresponsáveis como a preguiça é um grande mal.
Observemos se nossos comportamentos não geram aflição para os outros, se nossos
adiamentos e atrasos não prejudicam outras iniciativas e decisões. Nossas
costumeiras pendências, alimentadas e mantidas, não se enquadram no triste
exemplo acima, guardadas as devidas proporções?
Quando nos atrasamos com compromissos, quando não respondemos a alguém que nos
aguarda, quando não damos notícia ou quando mesmo não cumprimos nossos
compromisso e deveres, estamos lesando alguém. Quando não respeitamos horários e
permanecemos indiferentes com a série de obrigações diárias da simples
convivência, não estaremos nós lesando a tranquilidade alheia e trazendo
prejuízos ao bem geral?
Afinal quem somos para exigir benefícios pessoais em detrimento da harmonia do
conjunto?
Quem privilégio achamos que detemos acima de outras pessoas?
É algo para pensar, não é? Um bom convite a uma autoanálise sobre nós mesmos.
Uma ótima oportunidade para pensar se não somos os velhos egoístas de sempre.
Achar-se alguém superior a outrem é bem uma tola pretensão descabida. Ninguém é
maior ou menor do que ninguém. Somos todos iguais, apesar das diferenças que
possamos ter...
Por: Orson Carrara, Texto enviado pelo autor.
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