Ensinar, por Espíritos Diversos
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Conta-se que um cômico célebre, em pleno espetáculo, recebeu, no entreato, um
telegrama triste, anunciando-lhe a morte do pai. Desatando as lágrimas, voltou à
ribalta, em suprema consternação, comunicando à platéia : – “Meus senhores,
acabo de ser informado de que meu pai morreu!...” Ao invés, porém, da compunção
doa ouvintes, recebeu estonteantes aplausos. O público ria gostosamente,
acreditando na continuação da peça, embora o patético a caracterizar-se no rosto
angustiado do artista. Naquele instante, seu coração era uma fonte de lágrimas,
sustentando um rio de gargalhadas.
Onde a culpa do infeliz?
Há pessoas que nascem na Terra com o dom de chorar para que outros desenvolvam a
faculdade de rir.
A propósito, conheço um homem que viveu alguns anos no mundo escrevendo
anedotário venenoso, que muitos leitores consumiam, ávidos, no silêncio de salas
desertas. Cavalheiros respeitáveis e senhoras bem postas, jovens de ambos os
sexos, recolhiam-se, de quando em quando, em obscuros recantos da casa,
cultivando a perfídia sorridente e a ironia maliciosa. Liam com interesse,
lembravam pessoas de suas relações, emoldurando-as nos quadros que a leitura
lhes sugeria e, não raro, cerravam a porta, a fim de viverem, mais intensamente,
as impressões recolhidas.
O pobre autor desempenhava atribuições de escriba popular. Nas ruas, nos cafés,
nas bancas de jornais, nas rodas de amigos, surpreendia todas as notas picantes,
aproveitando-as em molho de escândalo na frigideira da gramática para o consumo
geral. Os fregueses eram numerosos e, por isso, não era pequeno o trabalho das
linotipos.
O comentarista alegre, contudo, se fazia rir como Triboulet, o palhaço, a fim de
ganhar a vida, no fundo de si mesmo desejava ser como Epaminondas, o tebano
ilustre, que morreu amando as realizações honestas. E mais tarde, ao apagar das
luzes, ele, que vendia risos, passou a exportar sofrimentos. Com a renovação
espiritual, modificou-se-lhe a clientela. Suas páginas não mais figuravam entre
as leituras secretas guardadas a sete chaves. Eram, agora, folhas pálidas de
filosofia da desilusão, da sombra, do destino e da dor.
Encontrou, nessa fase, amizades mais sólidas. Junto daqueles que colhem as rosas
da existência humana, inumeráveis são as fileiras dos que trabalham entre os
espinhos e, se alguns espíritos jovens estão bailando despreocupados, no festim
da vida carnal, são incontáveis os corações amadurecidos que velam, súplices,
nas trevas da noite. Em vista disso, talvez, encontrou ele simpatias novas, mais
claras e mais sinceras.
Mergulhado nesse campo de vibrações diferentes, transferiu-se para o castelo da
morte, onde, surpreendido, encontrou as profundas e maravilhosas revelações da
vida. Renovado, feliz, prosseguiu escrevendo para os companheiros de luta,
reavivando-lhes a esperança no naufrágio das ilusões. Como marinheiro
experiente, sentindo a inesperada segurança da praia, atirava salva-vidas aos
irmãos de sonho, que se debatiam a distância, na fúria das águas móveis e
traiçoeiras.
Mantinha-se nesse labor, quando os admiradores de sua primeira fase de serviço,
velhos cultivadores da malícia humana, gritaram do alto de sua superioridade:
– Ele? impossível. Como falar do Céu, quem se agarrava frenèticamente à Terra?
– É mentira! Ele não tinha fé!
– Como é isso?! há subversão na ordem espiritual? a pregação do bem estará
confiada aos impenitentes da vida humana?
O pobre comentarista desencarnado começou a receber acusações e pedradas. Alguns
adversários gratuitos, se pudessem, levantá-lo-iam do túmulo, para afrontá-lo a
pancadas.
Surgiram discussões, perseguições, atritos.
Impressionado e comovido com as torturas de que o amigo era vítima, procurei-o,
em pessoa, não só para confortá-la, mas também para recolher-lhe as íntimas
impressões. Não fui encontrá-la, porém, descabelado, a gritar, como personagem
de ópera, em desespero. Revelava-se calmo, sereno, seguro de si mesmo ; e, cheio
de compreensão pelas fraquezas do próximo, terminou a palestra, esclarecendo com
um sorriso:
– Não, meu amigo, não estou desalentado. Se estivesse por lá, no turbilhão,
talvez fizesse pior. Se ainda me demorasse na carne e soubesse que um homem,
como eu, andava escrevendo sobre a iluminação eterna da alma, depois da morte do
corpo, admitiria tudo, menos a realidade. Muitos me acusam, gratuitamente,
classificando-me de escritor venenoso, mas... que fazer?
Fez longa pausa, mostrou maior lucidez no olhar compreensivo e concluiu:
– Não me preocupo, agora, por mim, que tenho a felicidade de resgatar o passado.
Como é natural, todavia, preocupo-me pelos meus antigos clientes, porque se me
conhecem tão bem, dão testemunho de que me leram com atenção. Leram e gostaram.
E se eu, presentemente, trabalho para destruir a árvore que plantei, eles que se
preparem diante do futuro, porquanto é provável que quase todos tenham de
vomitar os frutos que ingeriram gostosamente.
Por: Irmão X, Do livro: Lázaro Redivivo, Médium: Francisco Cândido Xavier
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