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Meu amigo: alega você a impossibilidade de aceitar-nos a sobrevivência, por não atestarem seus olhos a nossa presença espiritual. E acentua que não pode copiar Santo Agostinho na repentina modificação. É provável que você, no intimo, se julgue superior ao discípulo Santo Ambrosio, mas pode crer que a sua duvida é leviana e infantil.

Sua declaração menciona filósofos e cientistas, salientando os ateus com frases louvaminheiras.

A rigor, não deveríamos perder tempo com as suas indagações; entretanto, por despertarem pensamentos graves, cumpre-nos registrá-las e a elas responder.

É que você vive, em grande percentagem, daquilo que permanece invisível aos olhos mortais.

O cacto espinhoso, a florir num deserto, jamais saberia responder por que miraculosos recursos consegue sustentar-se no chão ressequido. Assim também você, na trama escura da negação, não explicará por que razoes exibe a flor preciosa da inteligência.

Sua cabeça abriga raciocínios e tese'>hipóteses, com recheio de sarcasmo evidente, para concluir que a civilização é um castelo de cartas a precipitar-se, indefinidamente, no despenhadeiro da sepultura.

Seus olhos, porem, permanecem fixos no "prato de lentilhas".

Seu problema é puro imediatismo. Nada mais. Falta-lhe alicerce para as reflexões.

A sua incapacidade de verificação, no campo fenomênico a que se ajusta, começa no enigma do nascimento. A historia de seu corpo transcende as anotações da ficha genealógica. Você não sabe, por agora, como ingressou no santuário das formas terrestres e, se um biologista lhe fala dos cromossomos, elucidando questões de embriologia, naturalmente acreditará ouvir mentiroso romance com presunção cientifica. Se você não viu a formação dos elementos microscópicos, como admitirá elucidações dos compêndios que cogitam do assunto?

À noite de cada dia, no retorno ao lar, seus ouvidos solicitam do aparelho radiofônico o noticiário das capitais estrangeiras e recebem informações positivas de Roma e Washington. No entanto, você não enxerga os fios através dos quais chegam as mensagens que reclama.

Seus órgãos absorvem do ar a maior parte da alimentação de que se mantém. Todavia você nada percebe.

A enfermidade lhe corrói as vísceras e que o obriga a empenhar-se nas casas bancarias, procede, na maioria das vezes, do ataque das feras microscópicas que se multiplicam ao influxo mórbido de sua mente. Entretanto, não lhe é possível identificar o inimigo de sua tranqüilidade pessoal e domestica, em cuja existência é constrangido a acreditar.

Seus olhos, alias, não chegam nem mesmo a contemplar os movimentos peristálticos dos intestinos, em operações comuns da realidade humana, sem os quais toda a sua missão terrena estaria ameaçada.

Por fim, meu caro, você, que nos deseja palpáveis as mãos, será visível, em suas intenções e pensamentos, aqueles que o cercam? Afianço-lhe que seus parentes e amigos não lhe conhecem dez por cem da legitima personalidade.

Em se tratando de nos, porem, sua exigência é impecável.

A argumentação que apresenta não lhe justifica a negação.

Procure outros recursos para consultar a verdade.

Em meu curso primário, conheci um menino irrequieto, colega leviano e inconstante, que consumia inutilmente longas horas da professora, levantando duvidas quanto à existência da Terra do Fogo, porque nunca lhe vira os contornos e não acreditava os apontamentos da Geografia.

Não podemos, no entanto, considerar a sua inteligência no rudimentarismo da infância. Você lê algumas línguas diversas entre si e compreende-as com elevado índice de cultura intelectual, cita Haeckel, Schopenhauer e Le Bon. Ora, sabemos todos que a razão, em pesquisa, não se acomoda a redoma do berço.

Procure, pois, o seu clima real.

Estude e medite.

Não se recolha exclusivamente as pupilas que o sepulcro apagará mais tarde. Auxilie a própria reflexão. O ato de ver é mais extenso: não se circunscreve ao corpo efêmero. É função do espírito imperecível. E examine o problema da morte com mais amplitude. Prepare a bagagem, porque fará igualmente a travessia que já fiz.

Se você é sincero, não perca a oportunidade de melhorar os conhecimentos acerca da vida nova que o espera. Não se esqueça, meu amigo, de que, apesar do esforço de todos os Voronoffs do mundo e não obstante a milagrosa penicilina do nosso estimado Professor Fleming, o livro de ponto dos cemitérios continua assinado regularmente...


Por: Irmão X, Do livro: Luz Acima, Médium: Francisco Cândido Xavier


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