Ensinar, por Espíritos Diversos
Joana Darc
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Cavalgava à frente do rei, armada dum arnês completo, com o
estandarte desfraldado. Quando desarmada, trazia vestuário de cavaleiro, sapatos
atados acima dos pés, gibão e calções justos, um capuz na cabeça; usava trajes
muito nobres, de brocado de ouro e de seda, bastante grossos.
Ela era bela e bem feita, robusta e infatigável, tendo ao mesmo tempo um ar
risonho e as lágrimas fáceis. Tem bom porte quando em armas e o busto belo. Suas
sobrancelhas finamente desenhadas, sombreando belos olhos pardos, davam-lhe unia
expressão de doçura infinita ao olhar inspirado.
Os cabelos eram pretos e cortados curtos “em escudela”, de maneira a formarem na
cabeça uma espécie de calota, semelhante a um tecido de seda escura. O semblante
da heroína, de traços regulares, tinha o cunho da doçura e da modéstia.
Modelavam-lhe o corpo linhas cheias e harmoniosas. Desde os primeiros dias,
surpreendem e encantam seus gestos desembaraçados de menina, sua graciosa
flexibilidade em todas as circunstâncias e particularmente em trajes guerreiros
a cavalo, empunhando a lança ou a bandeira.
Enfim, o cândido fulgor de sua virgindade e a chama da inspiração lhe espargiam
por sobre o conjunto “uma virtude secreta, que afastava os desejos carnais”,
impondo respeito e atenção aos mais sensuais.
Cobrem-na brilhantes atavios de guerra. As vestes e a bandeira são de alvos e
preciosos tecidos, como convinha, para lembrarem sua castidade e a missão
angélica a que esta se achava ligada. Um suave reflexo lhe irradiava do
semblante iluminado por um pensamento íntimo. A alma, até certo ponto, esculpe
os traços de seu invólucro.
Por aí podemos fazer idéia da beleza daquele ser excepcional, do luzeiro nele
oculto e que, fulgurando-lhe na fisionomia, em todos os seus atos rebrilha. Dela
emanava uma serenidade, um eflúvio que envolviam todos os que se lhe
aproximavam, acalmando os mais insubmissos.
No torvelinho das batalhas e dos acampamentos, conserva sempre a calma, que é o
apanágio das almas superiores. Aparece como uma flor das campinas da França,
esbelta e robusta, fresca e perfumada.
Em seu caráter se casam e se fundem as qualidades aparentemente mais
contraditórias: a força e a brandura, a energia e a meiguice, a providência e a
sagacidade, o espírito arguto, engenhoso, penetrante, que em poucas palavras,
nítidas e precisas, deslinda as mais difíceis questões, aclara as situações mais
ambíguas.
Uma influência do Além lhe aureola a fronte bela e grave e à emoção que incute
se agrega um sentimento de respeito. Sempre ponderada e circunspeta, alia a
humildade da camponesa à nobreza da rainha, uma pureza absoluta a uma extrema
audácia. A glória que a cinge parece-lhe tão natural que nunca lhe ocorre
envaidecer-se dela.
Sob uma certa ingenuidade gaulesa que a enfaixa, nela se expande um senso
profundo dos seres e das coisas, o qual, nos momentos decisivos, lhe sugere as
inflexões capazes de atear o ardor nas almas e de, nos corações, reavivar os
sentimentos fortes e generosos.
Era muito circunspeta e pouco loquaz, mas, quando falava, sua voz tinha
vibrações que penetravam no íntimo dos ouvintes, nos quais sensibilizava fibras
que lhes eram desconhecidas e que nenhum poder lograva ainda espertar a tal
ponto.
Simples e despretensiosa, preferia esquivar-se às “adorações” da multidão. Tinha
paixão pelas belas armaduras e revelava um esmero muito puro e distinto nas mais
insignificantes minudências do trato de sua pessoa e de seu vestuário.
Os cortesãos lhe admiravam esses cuidados e as próprias damas muito naturalmente
a houveram tomado por uma de sua hierarquia, tais a graça e a distinção que se
lhe notavam.
Valente ao ponto de, nos combates, desafiar alegremente a morte, sem jamais
dá-la a quem quer que fosse, adoravelmente mulher, não dissimulava o
contentamento por possuir brilhantes armas e belos cavalos negros, sobretudo por
serem estes tais e tão maliciosos que ninguém se atreveria a montá-los.
Seu misticismo, de ordem elevada, associando o sentimento do belo ao do bem,
nada tinha de comum com essa espécie de ascetismo que faz da negligência com o
corpo e do exterior sórdido uma virtude e que parece ter por ideal o feio.
Tinha a pureza duma virgem e a intrepidez de um capitão; o recolhimento com que
ora no templo e a viveza jovial nos acampamentos; a simplicidade de uma campônia
e os gostos delicados de uma dama de alta estirpe; a graça, a bondade, de par
com a audácia, a força, o gênio.
Era uma missionária, uma enviada, um médium de Deus e, como em todos os
missionários do Céu, para salvação dos povos, três grandes coisas nela
preponderam: a inspiração, a ação e, por fim, a paixão, o sofrimento, que é o
fecho, a apoteose de toda existência digna.
O que na sua personalidade, porém, predomina, é o espírito de sacrifício, é a
bondade, o perdão, a caridade.
(Do livro “Joana DArc”, de Léon Denis)
Por: Leon Denis, Caso tenha ou possua, envie-nos a referência desse texto.
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