Ensinar, por Espíritos Diversos
Obsessão Pacífica
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Quando reencontrei o meu amigo Custódio Saquarema na Vida
Espiritual, depois da efusão afetiva de companheiros separados desde muito, a
conversa se dirigiu naturalmente para comentários em torno da nova situação.
Sabia Custódio pertencente a família espírita e, decerto, nessa condição, teria
ele retirado e o máximo de vantagens da existência que vinha de largar. Pensando
nisso, arrisquei uma pergunta, na expectativa de sabê-lo com excelente bagagem
para o ingresso em estâncias superiores. Saquarema, contudo, sorriu, de modo
vago, e informou com a fina autocrítica que eu lhe conhecia no mundo:
- Ora, meu caro, você não avalia o que seja uma obsessão disfarçada, sem
qualquer mostra exterior. A Terra me devolveu para cá, na velha base do “ganhou
mas não leva”. Ajuntei muita consideração e muito dinheiro; no entanto, retorno
muito mais pobre do que quando parti, no rumo da reencarnação...
Percebendo que não me disponha a interrompê-lo, continuou:
- Você não ignora que renasci num lar espírita, mas, como sucede à maioria dos
reencarnados, trazia comigo, jungidos ao meu clima psíquico, alguns sócios de
vícios e extravagâncias do passado, que, sem o veículo de carne, se valiam de
mim para se vincularem às sensações do plano terrestre, qual se eu fora uma
vaca, habilitada a cooperar na alimentação e condução de pequena família...
Creia que, de minha parte, havia retomado a charrua física, levando excelente
programa de trabalho que, se atendido, me asseguraria precioso avanço para as
vanguardas da luz. Entretanto, meus vampirizadores, ardilosos e inteligentes,
agiam à socapa, sem que eu, nem de leve, lhes pressentisse a influência... E
sabe como?
- ?...
- Através de simples considerações íntimas – prosseguiu Saquarema, desapontado.
– Tão logo me vi saído da adolescência, com boa dose de raciocínios lógicos na
cabeça, os instrutores amigos me exortaram, por meus pais, a cultivar o reino do
espírito, referindo-se a estudo, abnegação, aprimoramento, mas, dentro de mim,
as vozes de meus acompanhantes surgiam da mente, como fios d’água fluindo de
minadouro, propiciando-me da falsa idéia de que eu falava comigo mesmo; “Coisas
da alma, Custódio? Nada disso. A sua hora é de juventude, alegria, sol... Deixe
a filosofia para depois...” Decorrido algum tempo, bacharelei-me. As
advertências do lar se fizeram mais altas, conclamando-me ao dever; entretanto,
os meus seguidores, até então invisíveis para mim, revidavam também com a
zombaria inarticulada: “Agora? Não é ocasião oportuna. De que maneira harmonizar
a carreira iniciante com assuntos de religião? Custódio, Custódio!... Observe o
critério das maiorias, não se faça de louco!...” Casei-me e, logo após, os
chamados à espiritualização recrusdesceram, em torno de mim. Meus solertes
exploradores, porém, comentaram, vivazes: “Não ceda. Custódio! E as
responsabilidades de família? É preciso trabalhar, ganhar dinheiro, obter
posição, zelar por mulher e filhos...” A morte subtraiu-me os pais e eu,
advogado e financista, já na idade madura, ainda ouvia os Bons Espíritos, por
intemédio de companheiros dedicados, requisitando-me à elevação moral pela
execução dos compromissos assumidos; todavia, na casa interna se empoleiravam os
argumentos de meus obsessores inflexíveis: “Custódio, você tem mais que
fazeres... vida social... Você não está preparado para seara de fé...” Em
seguida, meu amigo, chegaram a velhice e a doença, essas duas enfermeiras da
alma, que vivem de mãos dadas na Terra. Passei a sofrer e desencantar-me. Alguns
raros visitantes de minha senectude, transmitindo-me os derradeiros convites da
Espiritualidade Maior, insistiam comigo, esperando que eu me consagrasse às
coisas sagradas da alma; no entanto, dessa vez, os gritos de meus antigos
vampirizadores se altearam, mais irônicos, assoprando-me sarcasmo, qual se fora
eu mesmo a ridicularizar-me: “Você, velho Custódio?! Que vai fazer você com
Espiritismo? É tarde demais... Profissão de fé, mensagens de outro mundo... Que
se dirá de você, meu velho? Seus melhores amigos falarão em loucura,
senilidade... Não tenha dúvida... Seus próprios filhos interditarão você, como
sendo um doente mental, inapto à regência de qualquer interesse econômico...
Você não está mais no tempo disso...”
Saquarema endereçou-me significativo olhar e rematou:
- Os meus perseguidores não me seviciaram o corpo, nem me conturbaram a mente.
Acalentaram apenas o meu comodismo e, com isso, me impediram qualquer passo
renovador. Volto da Terra, meu caro, imitando o lavrador endividado e de mãos
vazias que regressa de um campo fértil, onde poderia ter amealhado inimagináveis
tesouros... Sei que você ainda escreve para os homens, nossos irmãos. Conte-lhes
minha pobre experiência, refira-se, junto deles, à obsessão pacífica, perigosa,
mascarada... Diga-lhes alguma coisa acerca do valor do tempo, da grandeza
potencial de qualquer tempo na romagem humana!...
Abracei Saquarema, de esperança voltada para tempos novos, prometendo
atender-lhe a solicitação. E aqui lhe transcrevo o ensinamento pessoal, que
poderá servir a muita gente, embora guarde a certeza de que, se eu andasse agora
reencarnado na Terra e recebesse de alguém semelhante lição, talvez estivesse
muito pouco inclinado a aproveitá-la.
Por: Irmão X, Médium: Francisco Cândido Xavier
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