Ensinar, por Espíritos Diversos
Tudo Relativo
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Quando o espírito comunicante, cheio de boa vontade, se referiu ao domicílio na vida extra-física, Rafael, um irmão que se caracterizava pelos primores da inteligência, objetou, mordaz:
– Casas no Além? que contra-senso!...
O mensageiro, não obstante desapontado, registrou impressões da vida social no “outro mundo”.
Então, o mesmo cavalheiro ironizou sem pestanejar:
– Ora esta! sociólogos além-túmulo? era o que nos faltava.
O emissário não desanimou. Aludiu aos jardins que lhe cercavam a residência.
– Que é isso? – indagou o investigador que apreciava os sarcasmos sem fim – serão os jardins suspensos de Semíramis? qual! Tudo mera ilusão!... Depois de nossas roseiras espinhosas e de nossos adubos desagradáveis, não há canteiros de fluidos.
A entidade perseverante reportou-se aos institutos de ensino que freqüentava. No entanto, o mau obreiro deu-se pressa em considerar:
– Se os “mortos” estiverem sujeitos à luta estudantil, estamos francamente perdidos.
O comunicaste não desistiu. Passou a dizer da expectativa sublime que alimentava, aguardando a esposa querida, alem do sepulcro. O companheiro irreverente, entretanto, fiz-se ouvir na mesma inflexão de zombaria:
– Deliciosa mentira! onde já se viu casamento na esfera das almas?
O portador da mensagem não desfaleceu. Comentou os problemas do corpo sutil que lhe servia, agora, à consciência. Enumerou as facilidades e os obstáculos que o defrontavam, mas o fraternal inquisidor observou, céptico:
– Espírito não tem corpo Simples fantasia. Presenciamos fenômenos de puras impressões alucinatórias.
O prestimoso estafeta das boas novas, que vinha do reino espiritual, despediu-se finalmente.
Ante os colegas curiosos e inquietos o renitente analista esclarecia enfàticamente:
– Mais objetividade! Nada de ilusões! Sou um homem que sabe julgar.
Após o incidente, afastou-se do grupo de trabalhadores do bem. Afirmava-se demasiadamente realista para aceitar, sem maior exame, as descrições dos desencarnados. Situava a concepção doutrinária num campo de absoluta transcendência.
Devotados amigos, basta vezes, rogaram-lhe a volta aos estudos. Parentes interpunham recursos afetivos, a fim de que retomasse o salutar esforço da crença religiosa. Todavia, foi Rafael impermeável a todas s ponderações. Ouvia os apelos, esboçava gesto brejeiro e arremedava, um texto evangélico:
_ Dêem à matéria o que é da matéria e ao espírito o que do espírito. Fora disso, não compreendo a atitude de vocês.
E rematava orgulhoso de si:
Não se esqueçam que sou um homem que sabe julgar.
Veio, porém, o minuto em que foi arrebatado da vida carnal. Desalentado, aflito, estabelecia a própria identidade. Afinal – monologava para dentro – a mudança não fora tão grande. Mentalmente sentia-se o mesmo homem. E, no íntimo, não conseguia eliminar o desejo louco de regressar aos negócios, atividades e afetos que o imantavam ao campo humano. Meditava na justiça divina e buscava tranqüilizar-se. Não se lembrava de haver praticado o mal com o propósito deliberado de ferir alguém não cometera crime algum. No fundo dalma, contudo, mantinha certa inquietude. Concluíra que prejudicara a si mesmo. Não dera à observação da verdade, tanto quanto devia. Não seria razoável o retorno a zona terrestre, para intensificar indagações? Quem sabe? Talvez pudesse prover-se de melhores recursos, em benefício a paz interna.
A aproximação de iluminado mensageiro espiritual sustou-lhe a marcha dos pensamentos. Contemplou-o, esperançoso, e pediu, com respeito:
– Benfeitor divino, acudi-me!... Dizei-me onde está, a minha propriedade terrestre?
O interpelado respondeu com benevolência:
– Propriedade sua? que enorme equivoco!...
– E meu corpo físico? – interrogou Rafael, choroso.
- Seu veículo de carne, agora, meu amigo, é simples fantasia.
– Meus bens?
O emissário sorriu e ajuntou:
- Se seu tesouro não está guardado no espírito imperecível, suas vantagens do outro tempo não passavam de ilusão...
– Minhas apólices, meus títulos? Registavam-me o nome!...
– Para impressão de alguns anos – esclareceu o preposto da realidade divina.
– Meus filhos?
– Eram de Deus, primeiramente, antes de serem encaminhados a paternidade provisória.
– Minha mulher? onde esta ela? Sempre me obedeceu cegamente. Dar-se-á, o caso de haver-me abandonado também?
- Sua companheira associava-se com renúncia e bondade ao seu destino, mas nunca foi uma escrava de seus caprichos. Conserva um título de filiação celeste, tanto quanto você mesmo.
– Meu gabinete na cidade, meu sítio no campo, meus documentos, meus interesses...
– Sim, tudo para você, presentemente, é serviço feito, resíduo do passado, que persiste em deter na mente enfermiça, antes de verificar o proveito das lições que viveu no mundo...
Oh! que horror! – gritou Rafael, apavorado – como entender tudo isto? quem estará sob o domínio de simples impressões? os que partem da Terra ou os que por lá se demoram? os que “morrem” ou os que “vivem”?
O benfeitor sorriu, de novo, e concluiu :
– Consulte a própria consciência. Como sempre, você é um homem que sabe julgar...
Por: Irmão X, Do livro: Luz Acima, Médium: Francisco Cândido Xavier
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