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– Aonde chegaremos, “seu” Daniel! – exclamava Porfírio, excelente companheiro de lides espirituais – tenho visto muita teoria na Doutrina, muita briga por isso e por aquilo, mas essa idéia de “espíritos doentes” não vai... Como engolir a novidade? Pertencem as moléstias ao corpo, articulam-se na fauna microscópica e devem acabar naturalmente com a extinção dos ossos. Espírito é espírito. Não temos aqui afirmação perfeitamente ortodoxa? Se as enfermidades são transferíveis, então...

– Mas, Porfírio, venha cá! – acentuava o interlocutor, complacente – raciocinemos sobre o assunto. Quem nos despertou para essas realidades não nos disse que a coisa é assim, sem mais nem menos. Nem todas as doenças nos acompanharão e grande número delas, indubitavelmente, não passará do sepulcro. É inegável, porém, o desequilíbrio da mente e, em semelhante desarmonia, as enfermidades da alma se fazem claramente compreensíveis. Você não pode admitir que um homem, encarcerado na suposição de absoluto domínio, que viva de cometer violências com o próximo, provocando emissões magnéticas destrutivas ou perturbadoras, venha a achar-se em rigorosa sanidade espiritual, depois da morte, só porque deliberou aceitar o poder da oração “in extremis”. A prece constituir-lhe-á remédio salutar, a empregar-se no início da cura. No entanto, não pode remover, de momento para outro, os espinheiros que tal homem criou para si próprio. Não acredita que o imprevidente e o perverso, desligados do corpo denso, conservarão, por muito tempo, o fruto amargoso da própria sementeira?

O interpelado não se deu por vencido.

– Não – obtemperou, contrafeito –, não posso concordar. Corpo e alma, a meu ver, são essencialmente distintos. A matéria é pó e tudo o que se relaciona com o pó se destina ao chão do Planeta. É impossível crer em “espíritos doentes” no outro mundo. A morte é força niveladora. No túmulo, deixaremos todos os motivos de perturbações materiais. Demoramo-nos por aqui., simplesmente em provas expiatórias e a sepultura nos abrirá caminho para os mundos felizes. de outro modo...

Diante das reticências significativas, o amigo renovou as considerações:

– Não lhe apraz, contudo, interpretar nossas lutas, na superfície da Terra, como ensinamentos edificantes? Não se sente, acaso, numa escola de grandes proporções, onde o aprendiz responde por si, perante orientadores e benfeitores? Assim que a morte seja um “levantar de bandeira”, assim como nas corredas de cavalos, constrangendo cada espírito a buscar, apressadamente, a melhor parte?

Porfírio, rebelde, acrescentou:

– Se você interpõe a argumentação para justificar a teoria de entidades enfermas, engana-se. Espíritos não podem adoecer. Não podemos fomentar a ilusão de hospitais na “outra vida”.

Antes que a palestra se tornasse mais acalorada, D. Amélia, a esposa do teimoso doutrinador, veio chamar para a reunião no ambiente doméstico.

A mesa estava posta. Médiuns e demais companheiros em meditação.

Decorridos alguns minutos, iniciaram-se os trabalhos sob a direção de Porfírio.

Orações sentidas e comentários reconfortantes.

O material de espiritualidade superior era ali autêntico, preciso. Tudo condimentado em cristalina sinceridade familiar.

Ao término da sessão, eis que ali incorpora um espírito perturbado, sofredor. Grita, e chora. Declara-se em trevas e assevera ouvir com imensa dificuldade. Acusa dores terríveis na mão direita. Relaciona lembranças fragmentárias. Tem a memória tardia de um hemiplégico. Foi juiz em comarca remota. Confessa haver prostituído o tribunal. Diz haver despertado fora do corpo físico, torturado por antigas vítimas. Está angustiado. Quer viver, entre os homens outra vez, a fim de reparar as falhas cometidas.

O diretor da reunião doutrina, amoroso, mas laboriosamente.

Depois de longo entendimento, em que o devotado orientador encarnado despende todos os recursos socorristas ao seu alcance o infortunado revela melhora e abandona o recinto, prometendo aproveitar-se dos conselhos recebidos.

Encerram-se os serviços da noite, entre ações de graças.

O condutor da sessão enxuga a fronte suarenta.

Quando a sala se esvaziou, após o adeus reconfortante dos amigos que e afastaram jubilosos pelo agradável dever cumprido, Daniel se aproximou do companheiro e falou bem humorado:

– Então, Porfírio? acredita que estivemos socorrendo um espírito desencarnado robusto e sadio? O infeliz acusa desequilíbrio mental evidente, revela distúrbios e dores perfeitamente localizados. Um médico hábil, entre nós poderia lavrar completo diagnóstico.

Porfírio silenciou, pensativo.

- Para mim – prosseguiu Daniel -, o comunicante está seriamente enfermo e você funcionou na condição de clinico providencial. Imagine que ele mostrou os sintomas de um reumático, a fadiga que procede de perturbações circulatórias, a memória falha de um paralítico, as visões de um louco, sem nos reportarmos aos intrincados problemas psicológicos de que é portador, que dariam para tentar a curiosidade de muitos Freuds. Não acha que tenho razão?

Foi então que Porfírio, desapontado, balanceou a cabeça e retrucou vencido:

– Sou doutrinador de espíritos sofredores há mais de vinte anos, mas, francamente, ainda não havia pensado nisto.


Por: Irmão X, Do livro: Luz Acima, Médium: Francisco Cândido Xavier


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