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Basílio chegara ao rancho, ao pôr do Sol.

Comeu calmamente o guisado de palmito que Emerenciana lhe dera a jantar. Saboreou, em seguida, a pamonha bem-feita, e se dispôs a sair. A esposa viajara na véspera, em visita a parentes.

O calor abafava. 

- Meren - disse à doce vovó que arranjava a cozinha -, deixe a casa aberta. Vou até ao curral, mas já volto.

E, passo lesto, chegou ao cercado, onde a vacaria procurava descanso, mastigando o repasto. Acariciou o bezerro da Lilinda, que nascera robusto, e melhorou a cama de palha. Dirigiu-se, depois, ao moinho e renovou a provisão de milho para o fubá. Ar parado.

A Lua apareceu inteirinha.

Basílio visitou, não longe, a casa de Jorge, companheiro do arado, e ambos, felizes da vida, se dirigiram ao mandiocal, espantando os tatus.

Dez da noite quando voltou.

Emerenciana premia a máquina com o pé e costurava, fitando o pano com atenção pelos óculos fortes.

- Boa noite, vó - disse ele, depois de cerrar as janelas.

- Durma com Deus, meu filho.

Basílio beijou-lhe a mão encarquilhada e lhe enviou um sorriso bom.

No quarto, ouviu por alguns instantes as cigarras cantarem, perto, como se quisessem esquecer o vigor da canícula. Não tinha sono. Contudo, no outro dia, bem cedo, o milharal novo esperava por ele, acima do barrocão.

Sentia falta da esposa. Ainda assim, como na noite anterior, leria, a sós, o "momento espiritual".

Acendeu o candeeiro e sentou-se renteando a cama toda branquinha.

Orou por alguns instantes e, logo após, tomou " O Evangelho segundo o Espiritismo" e abriu ao acaso. Surgiu-lhe aos olhos, no capítulo vinte e oito, dedicado à oração, o item 34: "Num perigo iminente." Tratava-se de uma prece para ocasião importante.

"Como é isso? Já orei ... " - pensou. E, fechando as páginas, descerrou-as de novo. Queria material para refletir. Entretanto, o livro ofereceu-lhe a mesma passgem. Por que?

Intrigado, voltou à consulta. O volume, porém, como se mantido por mãos invisíveis, deu-lhe a mesma resposta.

Basílio fez-se grave. Não poderia ser coincidência. Algum benfeitor espiritual, que os seus olhos de carne não conseguiam ver, certamente o prevenia.

Recordou um amigo que desencarnara, semanas antes, de um colapso cardíaco. Em rápidos segundos, considerou que a vida é patrimônio de Deus, que Deus a dá e retoma, quando lhe apraz. Agradeceu à Divina Bondade o benefício da consciência tranqüila e, baixando o olhar para a folha, repetiu, solenemente: "Deus Todo-Poderoso e tu, meu anjo guardião, socorrei-me! Se tenho de sucumbir, que a Vontade de Deus se cumpra. Se devo ser salvo, que o restante da minha vida repare o mal que eu haja feito e do qual me arrependo."

Depondo o Evangelho sobre a colcha do leito, ergueu-se, pensativo, e abriu novamente a janela, buscando a visão do céu. Debruçou-se para a noite. 

Estaria, acaso, em momento crucial, que ele mesmo descohecia? Nisso, porém, ouve leve cicio à retaguarda. Na luz frouxa do candeeiro projeta-se um vulto.

- Quem é? - grita ele, aprontando a defensiva.

Volta-se inquieto e estaca, lívido. Acordada de chofre ao impacto do livro, colocado na cama, enorme cascavel emergira dos lençóis e, a fitá-lo, ameaçadora, preparava-se para desferir-lhe o golpe certeiro ...


Por: Hilário Silva, Médium: Francisco Cândido Xavier


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