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No artigo, “A Eterna Dialética da Evolução” (RIE de julho de 2002, páginas 292 e 293), examinamos o constante “conflito” existente no processo evolutivo, o ciclo contínuo de interação entre livre-arbítrio e determinismo movendo a força criadora, ou Princípio Inteligente, desde seu estágio mais elementar. Observamos que todo o processo de evolução consiste num despertar. De fato, até a Reforma Íntima, ponto fundamental da codificação kardeciana, pode ser entendido como um processo de despertar de dentro para fora. O filósofo grego Sócrates já anunciava a necessidade de autoconhecimento há mais de 2500 anos. A maiêutica, ou parto das idéias, processo de aprendizado da escola socrática, é em muito similar ao processo da reforma íntima apresentado por Allan Kardec. Podemos intuir destes valores que a Evolução, pelo menos no estágio hominal, está intimamente ligada à consciência. De fato, o Professor Rubens Costa Romanelli, em diversas palestras realizadas na década de 1960, já apresentava tal formulação. Agora, consideremos, por um momento, que todo o processo evolutivo seja um despertar da consciência. Como lembra o confrade Adeilson Salles, “o que pensamos, determina o que somos”1. Suponhamos, então, o ser se ensaia no mineral, sonha no animal e finalmente ama no hominal, ou como diz Léon Denis, “Na planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possue-se e torna-se consciente; a partir daí, o progresso, de alguma sorte fatal nas formas inferiores da natureza, só pode realizar-se pelo acordo da vontade humana com as leis Eternas”2. A consciência, antes de ser algo que nos indica como lidar com o meio, ajuda-nos a identificar quem somos e como estamos. Com isto em mente, é possível retornar aos diversos estágios da evolução para uma análise do comportamento deste elemento formidável conhecido como consciência.
Vamos, primeiramente, ao mundo celular, antes até, no mundo do muito pequeno, onde as leis da Física Quântica regem a matéria. Neste mundo peculiar e tão desafiador encontramos algo interessante. Lá, no amâgo da matéria, em dimensões subatômicas, encontramos o limite do nosso conhecimento, aprendemos que existe um limite para saber. Mais ainda, até aprendemos que todo elemento material depende de uma contraparte material'>imaterial a estruturar-lhe. Se a Teoria das Supercordas ou dos Mundo Brana for verdadeira mesmo que apenas em parte, teremos que tudo é vibração. Mas o que isto tem a ver com a consciência? Pensemos um pouco, nós espíritas acreditamos na imortalidade da alma e conseqüentemente temos que o componente final da consciência é material'>imaterial, posto que ela provém do espírito que anima o corpo material. Temos, então, um processo de interação entre o material e o material'>imaterial desde os estágios primeiros, a partir do mais ínfimo elemento material que conhecemos. Existem alguns pontos importantes até do ponto de vista do comportamento. Primeiro, é necessário a humildade, pois sabemos a limitação de nosso conhecimento, a nossa consciência não pode tudo apreender. É como nos lembra o saudoso Carlos Imbassahy, “Horácio afirmava que a ninguém é dado saber tudo: nec scire fas est omnia”3 (página 50).
Deixemos de lado o mundo infinitesimal e rumemos ao mundo microscópico, o mundo biológico dos unicelulares. É neste laboratório fabuloso conhecido como célula que o ser vivo começa a ensaiar mais definidamente a segunda parte do primeiro estágio evolutivo, o sinto, logo existo. Neste seres simples, a existência é verificada pela capacidade de manter a homeostase, um elemento fundamental até mesmo para nós seres bem mais complexos. Homeostase nada mais é que a capacidade de um organismo em manter-se equilibrado, é através dela que o nosso cérebro identifica os estados internos dos nossos órgãos e o equilíbrio químico da célula. No caso dos unicelulares, a função da homestase é manter a célula equilibrada termicamente e quimicamente4, (página 111). Um outro nome usado para definir o ser como vivo é autopoese5, (página 31)6, um termo em grego que significa fazer por si mesmo. Um vírus, por exemplo, não é considerado um organismo vivo, pois não é capaz de realizar completamente a autopoese, ou seja, não é capaz de manter a homeostase. Lembremos que os vírus são capazes de reproduzir mas não têm como controlador o metabolismo interno. É este controle do metabolismo, um outro nome para a homeostase, responsável pelo sentimento ainda de forma embrionária. A célula vai tentando esta ou aquela postura e, através da resposta do meio e de como ela sente e percebe o mesmo, passa a desenvolver as interações necessárias. Este processo do sentimento como elemento motriz vai se elaborando, crescendo até o estágio animal.
No reino animal, o ser já experimenta diversos sentimentos. Todos conhecemos animais que demonstram formas rudimentares de carinho, raiva e outros sentimentos. Das emoções e percepções primárias originadas desde o unicelular até os sentimentos que ensaiam posturas mais nobres. Um novo estado do sentimento é testado no estágio no reino animal, o ato de perceber um sentimento. Um animal sabe que está com fome e por isto procura comida. Passamos a tentar desenvolver um sentido reflexivo que irá eclodir no humano como a capacidade de reflexão tão necessária para a Reforma Íntima.
Chegando no estágio hominal enfrentamos o primeiro desafio, deixar de lado o sinto, logo existo e abraçar o penso logo existo. A nossa estrutura física já se encontra apta para ser o palco das reflexões internas do espírito. Infelizmente, o manancial sensorial é vasto e não raro vemos, nos dias de hoje, pessoas entregues à escravidão dos sentidos, procurando vícios de toda sorte para manter os sentidos enebriados e negar a maravilha que é a capacidade de pensar e refletir sobre si mesmo. Muitos de nós já chegaram no estado preconizado pelo filósofo francês René Descartes, penso, logo existo. O pensamento derivado da máxima cartesiana levou-nos a uma era da razão, onde o sentimento e emoção passaram a ser considerados como elementos secundários. Este foi o triste erro, não enxergar que a era da razão é apenas etapa transitória do palco da evolução, onde o amor é o elemento motriz. Um ponto interessante, o mundo mecanicista cartesiano serviu de base para diversos raciocínios materialistas, não obstante o autor possuir uma profunda religiosidade. Atualmente, até os neurocientistas reconhecem a limitação do penso, logo existo. O neurocientista português António Damásio, chefe do departamento de neurologia da Universidade de Iowa, escreveu um livro intitulado “O Erro de Descartes”, onde mostra que o penso, logo existo é precedido e depende do sinto, logo penso, ou seja do sinto, logo existo. Nas palavras do próprio autor, “E para nós, no presente, quando vimos ao mundo e nos desenvolvemos, começamos ainda por existir e só mais tarde pensamos. Existimos e depois pensamos e só pensamos na medida em que existimos, visto o pensamento ser, na verdade, causado por estruturas e operações do ser”7 (página 279). É possível apresentar diversos casos neurológicos onde há uma danificação da percepção e conseqüentemente ocorre um comprometimento da atividade consciente. Importante é ressaltar que para os neurocientistas já não é mais possível separar mente do corpo, os dois estão intimamente relacionados. Nós espíritas, por outro lado, entendemos que o corpo está intimamente ligado ao perispírito, partilhando de uma relação peculiar onde tanto o perispírito afeta o corpo físico como o último afeta o primeiro. Sabemos, também, que mesmo o desencarnado necessita de um corpo de relação, um palco onde se ensaiam as percepções do meio e onde são elaboradas as reações devidas. Inclusive este estado de percepção e conseqüente capacidade distribuída de conhecer é apresentado já na codificação – vide as respostas às perguntas 245 a 253 de O Livro dos Espíritos8, (página 161-163).
Enquanto a percepção, emoção e sentimentos rudimentares são elaborados no primeiro estágio da vida, o sinto, logo existo, a reflexão surge no segundo estado, o penso, logo existo. Agora é possível não só ter sentimentos sobre os sentimentos, mas passa a existir a capacidade de discernir sobre os sentimentos. A razão serve para temperar a emoção e transformá-la em sentimento útil para a transformação do homem em algo melhor. Quando o homem descobre a razão ele pode ponderar o sentimento. Por exemplo, apesar de sentir-se faminto, o homem pode ponderar qual a melhor maneira de agir para eliminar a sensação indesejada de fome. Explicando um pouco mais, imaginemos um homem pré-histórico que, apesar de ter se alimentado no início da noite, encontra-se faminto no meio da noite. Ele sabe que sair para caçar ou procurar comida no meio da noite é arriscado, pois a limitação da visão pela escuridão o torna uma presa mais fácil de animais mais fortes. Cabe a ele então tentar controlar esta emoção a fim de atendê-la no início do dia seguinte, onde a luz do dia o ajudará a encontrar alimento seja na forma que for, frutas, legumes, vegetais ou caça.
É a partir desta capacidade de refletir sobre os sentimentos e as sensações dos sentimentos que começa a amadurecer o elemento essencial, o amor. Enquanto a razão existia como agente embrionário no estágio do sinto, logo existo, o amor começa a se exercitar explicitamente no penso, logo existo. Surge um terceiro estágio evolutivo, o amo, logo existo. É este o estado dos seres ímpares, dos missionários como Francisco Xavier, Gandhi, Martin Luther King e outros tantos anônimos operando em prol de outros. Seres que fazem do amor a causa principal da vida. Não mais caçadores, ou caça, mas seres preocupados com o bem-estar geral. Estas pessoas seguem o mais íntimo desejo evolutivo, pois como já mostra até a biologia moderna, não é a sobrevivência do mais forte, como se acreditava na época darwiniana, mas sim, a sobrevivência do que melhor sabe interagir que determina a capacidade de evolução dos seres9,5.
É no estado hominal que o ser vivo ganha a capacidade de se associar amorosamente a diversos indivíduos sejam eles semelhantes ou não. O Homem é capaz de amar uma planta, um animal e outros semelhantes, tamanho o poderio deste sentimento rico que nos dá a sabedoria divina. É a imortal oração que termina por dizer, “sem amor eu nada seria”.
O Criador opera constantemente por um gesto de amor, e este amor permeia o espaço infinito, ensaiando-se desde os átomos elementares até a experiência hominal. Se a ciência já sabe que sem o corpo que sente não há a mente que pensa, a Doutrina Espírita nos mostra que sem o espírito que ama, não há a mente que pensa nem o corpo que sente. A evolução passa a ser apenas o ambiente necessário para a propagação e transformação pelo Amor. O Amor capaz de transformar a matéria quase inerte em agente atuante. O Amor que leva a semente a germinar e crescer e dar novos frutos. É o amor sincero de uma oração que, como nos diz mais uma vez Imbassahy, “faz conseguir o que muitos anos de esforço não podem realizar”3 (página 57). O Amor transforma o homem frio e racional em ser amantíssímo capaz de doar de si mesmo em prol do próximo. A verdadeira dinâmica da vida é o Amor que ilumina. Então tenhamos, pelo menos, uma certeza: não somos órfãos da Criação, somos amados e poderemos sempre Amar cada vez mais!


Por: Antonio Carlos Siqueira de Lima - RIE, Caso tenha ou possua, envie-nos a referência desse texto.


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