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A noite esplendente de círios estrelares banhava-se de suave luar, que se refletia sobre as águas tranqüilas do mar espelho.
O dia havia sido caracterizado por amena temperatura, enriquecido simultaneamente por incontáveis emoções.
Sucediam-se as experiências no convívio com as massas humanas, incessantes, com suas aflições que recordavam ondas contínuas espraiando-se nas areias imensas salpicadas de seixos e conchas variadas.
O hinário da Boa Nova era cantado na região por quase todas as bocas, mas, as interpretações variavam de acordo com as necessidades de cada qual.
Tinha-se a impressão que os Céus haviam descido à Terra e se fundiram umas nas outras as canções de amor e os lamentos clamorosos, que logo após silenciaram suas vozes desesperadas.
Jesus constituía, sem dúvida, o divisor das águas e daqueles dias turbulentos...
Os discípulos haviam acompanhado o Mestre durante o aconselhamento à uma desesperada mãe, que Lhe buscara o socorro, face à perda do filho amado que o anjo da morte arrebatara.
O desespero da suplicante logo se transformara em tranqüila e dúlcida alegria que lhe colocara luz brilhante nos olhos antes amortecidos pela aflição.
Como a morte sempre era temida e certamente detestada, utilizando-se da noite harmoniosa, na qual o Amigo parecia aguardar as inquietações dos discípulos, sentado diante do mar ornado da luz da lua, musicada pelos ventos suaves e pelo espreguiçar das vagas macias nas areias úmidas, formou-se o grupo gentil, cujo silêncio foi quebrado pela voz de João, o jovem que O amava com arrebatamento.
Havia uma doce magia no ar, que bailava no velário das sombras salpicadas de pingentes de prata...
— Como entender a morte, Mestre querido – indagou o discípulo ansioso – que sempre nos ameaça e apavora? Ante a sua inexorável fatalidade, nossos dias perdem a cor e a beleza, quase tirando-nos a razão de existir. Como entender a hedionda mensageira da sombra?
O nobre Guia desenhou tranqüilo sorriso na face banhada pelo argênteo luar, e respondeu com doçura:
A morte não é mensageira da sombra, nem do pavor, mas a missionária da vida imperecível. É a incompreendida intermediária entre Deus e os seres sencientes, encarregada de reconduzir os homens ao verdadeiro lar, após terem encerrado os seus compromissos na escola terrestre. Suavemente ou mediante ação abrupta, sem agressão nem receio, convoca reis e vassalos, mendigos e poderosos, crianças e anciãos, sadios ou enfermos ao despertar do sono fisiológico, fazendo-os volver ao país da consciência desperta, ao Grande Lar.
Portadora de alta responsabilidade, apresenta-se com a mesma nobreza a todos os seres, desvestindo-os das pesadas roupagens da ilusão, para a vivência da realidade inevitável. Sem o seu árduo trabalho a vida não teria qualquer sentido e o corpo se decomporia durante a existência, que se alongaria sem limite com tormentos inimagináveis... Para uns, todavia, é a misericórdia que chega em momento máximo, para outros, trata-se da libertação do cativeiro. Alguns a tomam como cruel inimiga, enquanto diversos a odeiam com rebeldia. Não obstante, impávida, faz-se instrumento da Vida para a grandeza do ser indestrutível.
— E o sofrimento, Senhor, que ela impõe – voltou, à carga, o discípulo receoso -, não dilacera a alma daqueles que ficam?! Morrer, afinal, dói?
O incomparável Benfeitor alongou o olhar pela noite feliz, e após breve reflexão, elucidou:
— A Casa de meu Pai tem infinitas moradas. Cada flor de luz que brilha ao longe é um pouso feliz que nos aguarda após vencidas as batalhas terrenas. Para alcançá-lo é necessário descer aos vales humanos nas roupas densas da matéria, a fim de tecer as delicadas asas de luz que nos erguerão aos seus planos quase divinos. Sem a morte compassiva e misericordiosa, isso não seria possível. Passo a passo, o viajante vence as distâncias no mundo físico. Da mesma forma, graças à morte-vida, à vida-após-a-morte desaparecem os abismos que medeiam entre os sublimes lares que voam na amplidão e a pequenina Terra onde nos encontramos.
Silenciando novamente por breves segundos, com específica entonação de voz, prosseguiu:
— Morrer não dói. O desprendimento é suave para os justos e inquietante para aqueles que são portadores de consciência culpada. O trânsito que leva à liberdade entre o cárcere e o horizonte largo, sem barreira, é sempre rico de expectativa e não de sofrimento. A marcha, porém, de cada qual, é resultado da conduta vivenciada no período do cativeiro. Quem considera o corpo como a única realidade, sofre decepção e angústia, medo de o abandonar e apego à forma em decomposição, fenômeno que se alonga por largo período, enquanto dure a alucinação. No entanto, quem o utilizou como educandário de iluminação para o espírito, deixa-o, qual borboleta ditosa que abandona o casulo pesado para flutuar na leve brisa do dia... A morte após o dever cumprido transforma-se em madrugada iridescente, que é o pórtico da imortalidade ditosa, onde o amor inunda o recém-liberto de alegria, sem dor nem saudade da caminhada terrestre.
É necessário viver de maneira que a morte lhe signifique prosseguimento, sem qualquer interrupção, conduzindo o ser no rumo da plenitude, da paz inefável.
Fez novo silêncio repassado de emoção, que igualmente dominava os ouvintes, logo dando continuidade:
— Eu vim para que todos tenhais vida em abundância no meu reino, que se amplia além das fronteiras da morte. Sem ela, não o alcançareis. Superando os desafios e vencidas as paixões, o ser se sutiliza e passa a habitar em mundo feliz, sem angústia ou ansiedade alguma.... A fim de o conseguir, torna-se indispensável que o amor e o dever diluam as sombras da ignorância que encarceram nas masmorras da carne o desavisado, sem permitir-lhe os vôos libertadores que anela realizar.
Quando se calou, os amigos tinham lágrimas que não se atreviam a descer da comporta dos olhos. Saudades de seres amados e gratidão pelo que lhes haviam oferecido, esperanças de vitórias futuras sobre as pesadas algemas dos desejos, das falsas necessidades e sonhos de felicidade, mesclavam-se nos seus sentimentos, e eles entenderam que o corpo é meio, é veículo de condução, mas o Espírito é o imperecível instrumento do Pai Criador, que nos aguarda nos penetrais do Infinito, e que a morte libera da injunção penosa.
A noite harmônica e perfumada, então dominada pelo lucilar dos astros e as ânsias da Natureza, insculpiu no ádito daqueles corações a mensagem da imortalidade, enquanto o Mestre os preparava para a madrugada resplandecente do futuro reino dos Céus.


Por: Amélia Rodrigues, Médium: Divaldo Pereira Franco


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