Ensinar, por Espíritos Diversos
Comunicação com os mortos na Bíblia
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A maior ignorância é a que não sabe e crê saber, pois dá
origem a todos os erros que cometemos com nossa inteligência.
(SÓCRATES).
Tão surpreendente quanto a naturalidade das pessoas em emitirem juízo sobre algo
que pouco sabem, é seu desinteresse em melhor informarem-se.
(LOEFFLER).
Se não se convencem pelos fatos, menos o fariam pelo raciocínio.
(KARDEC).
Introdução
Dentre vários outros, a comunicação com os chamados mortos é um dos princípios
básicos do Espiritismo, inclusive podemos dizer que é um dos fundamentais, pois
foi de onde surgiu todo o seu arcabouço doutrinário.
Na conclusão de O Livro dos Espíritos, Kardec argumenta que:
“Esses fenômenos ... não são mais sobrenaturais que todos os fenômenos aos quais
a Ciência hoje dá a solução, e que pareceram maravilhosos numa outra época.
Todos os fenômenos espíritas, sem exceção, são a conseqüência de leis gerais e
nos revelam um dos poderes da Natureza, poder desconhecido, ou dizendo melhor,
incompreendido até aqui, mas que a observação demonstra estar na ordem das
coisas”. (p. 401).
Essa abordagem de Kardec é necessária, pois apesar de muitos considerarem tais
fenômenos como sobrenaturais, enquanto que inúmeros outros os quererem como
fenômenos de ordem religiosa, as duas teses são incorretas. A origem deles é
espontânea e natural e ocorrem conforme as leis Naturais que regem não só o
contato entre o mundo material e o espiritual, mas toda a complexa interação que
mantém o equilíbrio universal. Por isso não precisaríamos relacioná-los, nem
mesmo buscar comprovação de sua realidade, entre as narrativas bíblicas.
A Bíblia, apesar de merecer de todos nós o devido respeito, por ser um livro
considerado sagrado por várias correntes religiosas, não é, nunca foi e jamais
será um livro que contém todas as leis que regem o Universo, nem tão pouco o que
acontece em função das leis naturais, portanto, divinas, já desvendadas pelo
homem.
A Ciência vem, ao longo dos tempos, demonstrando a impossibilidade de serem
verdadeiros certos fatos narrados pelos autores da Bíblia, como também, trazendo
outros que nem supunham existir. A Terra como o centro do Universo, Adão e Eva
como o primeiro casal humano, entre inúmeros outros pontos da Bíblia, que não
poderão ser mais considerados como verdades, uma vez que a Ciência provou o
contrário. A fertilização in vitro, a ida do homem ao espaço, a clonagem, o
transplante de órgãos, esse computador com o qual estamos escrevendo, como
milhares de outras maravilhas descobertas pela Ciência não se encontram
profetizadas, em uma linha sequer, nas Escrituras Sagradas.
Apesar disso tudo, estaremos desenvolvendo esse estudo com a finalidade de
constatar que a comunicação dos mortos está na Bíblia, não por nós, mas por
aqueles que insistem em relacionar esses fenômenos como de cunho religioso e
que, para serem verdadeiros, teriam que constar na Bíblia.
Passagens bíblicas para comprovação
A primeira coisa que teremos que buscar para apoio é algo que venha nos dar uma
certeza da sobrevivência do espírito, pois ela é a peça fundamental nas
comunicações. Leiamos:
Quanto a você [Abraão], irá reunir-se em paz com seus antepassados e será
sepultado após uma velhice feliz. (Gn 15,15).
Quando Jacó acabou de dar instruções aos filhos, recolheu os pés na cama,
expirou e se reuniu com seus antepassados. (Gn 49,33).
Eu digo a vocês: muitos virão do Oriente e do Ocidente, e se sentarão à mesa no
Reino do Céu junto com Abraão, Isaac e Jacó. (Mt 8,11).
E, quanto à ressurreição, será que não leram o que Deus disse a vocês: “Eu sou o
Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó”? Ora, ele não é Deus dos
mortos, mas dos vivos. (Mt 22,31-32).
Podemos concluir dessas passagens que há no homem algo que sobrevive à morte
física. Não haveria sentido algum dizer que uma pessoa, após a morte, irá se
reunir com seus antepassados, se não se acreditasse na sobrevivência do
espírito. Além disso, para que ocorra a possibilidade de alguém poder “sentar à
mesa no Reino do Céu junto com Abraão, Isaac e Jacó” teria que ser porque esses
patriarcas estão tão vivos quanto nós. A não ser que Jesus tenha nos enganado
quando disse, em se referindo a esses três personagens, que Deus é Deus de
vivos.
Os relatos bíblicos nos dão conta que o intercâmbio com os mortos eram fatos
corriqueiros na vida dos hebreus. Por outro lado, quase todos os povos, com quem
mantiveram contato, tinham práticas relacionadas à evocação dos espíritos para
fins de adivinhação, denominada necromancia. O Dicionário Bíblico Universal nos
dá a seguinte explicação sobre ela:
Meio de adivinhação interrogando um morto. Babilônios, egípcios, gregos a
praticavam. Heliodoro, autor grego do III ou do século IV d.C., relata uma cena
semelhante àquela descrita em 1Sm (Etíope 6,14). O Deuteronômio atribui aos
habitantes da Palestina “a interrogação dos espíritos ou a evocação dos mortos”
(18,11). Os israelitas também se entregaram a essas práticas, mas logo são
condenadas, particularmente por Saul (1Sm 28,3B). Mas, forçado pela necessidade,
o rei manda evocar a sombra de Samuel (28, 7-25): patético, o relato constitui
uma das mais impressionantes páginas da Bíblia. Mais tarde, Isaías atesta uma
prática bastante difundida (Is 8,19): parece que ele ouviu “uma voz como a de um
fantasma que vem da terra” (29,4). Manasses favoreceu a prática da necromancia
(2Rs 21,6), mas Josias a eliminou quando fez sua reforma (2Rs 23,24). Então o
Deuteronômio considera a necromancia e as outras práticas divinatórias como
“abominação” diante de Deus, e como o motivo da destruição das nações, efetuada
pelo Senhor em favor de Israel (18,12). O Levítico considera a necromancia como
ocasião de impureza e condena os necromantes à morte por apedrejamento (19,31;
20,27). (Pág. 556).
Iremos ver, no decorrer desse estudo, algumas dessas passagens, mas, por hora,
apenas destacaremos:
Não se dirijam aos necromantes, nem consultem adivinhos, porque eles tornariam
vocês impuros. Eu sou Javé, o Deus de vocês. (Lv 19,31).
Quem recorrer aos necromantes e adivinhos, para se prostituir com eles, eu me
voltarei contra esse homem e o eliminarei do seu povo. (Lv 20,6).
Quando entrares na terra que o Senhor teu Deus te der, não apreenderás a fazer
conforme as abominações daqueles povos. Não se achará entre ti quem faça passar
pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem
agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem
consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal cousa é abominação ao Senhor; e
por tais abominações o Senhor teu Deus os lança de diante de ti. Perfeito serás
para com o Senhor teu Deus. Porque estas nações, que hás de possuir, ouvem os
prognosticadores e os adivinhadores; porém a ti o Senhor teu Deus não permitiu
tal cousa. (Dt 18,9-14).
As três passagens acima dizem respeito à adivinhação e à necromancia – que é um
tipo de adivinhação, conforme explicação, já citada, do dicionário –, devemos
observar que elas se encontram entre as proibições. A preocupação central era
proibir qualquer tipo de coisa relacionada à adivinhação, não importando por
qual meio fosse realizada, como fica claro pela última passagem onde se diz “...
estas nações, .... ouvem os prognosticadores e os adivinhadores...”, reunindo
assim todas as práticas a essas duas.
Por outro lado, a grande questão a ser levantada é: os mortos atendiam às
evocações ou não? Se não, por que da proibição? Seria ilógico proibir algo que
não acontece. Teremos que tentar encontrar as razões de tal proibição. Duas
podemos destacar. A primeira é que consideravam deuses os espíritos dos mortos,
mais à frente iremos ver sobre isso, quando falarmos de 1Sm 28. Levando-se em
conta que era necessário manter, a todo custo, a idéia de um Deus único, Moisés,
sabiamente, institui a proibição de qualquer evento que viesse a prejudicar essa
unicidade divina. As consultas deveriam ser dirigidas somente a Deus, daí, por
forças das circunstâncias, precisou proibir todas as outras. A segunda estaria
relacionada ao motivo pelo qual iam consultar-se aos mortos. Normalmente, eram
para coisas relacionadas ao futuro, como no caso de Saul que iremos ver logo à
frente, ou para situações até ridículas, quando, por exemplo, do desaparecimento
das jumentas de Cis, em que Saul, seu filho, procura um vidente, para que ele
dissesse onde poderiam encontrá-las.
A figura do profeta aparece como sendo a pessoa que tinha poderes para fazer
consultas a Deus, ou receber da divindade as revelações que deveriam ser
transmitidas ao povo. Em razão de querer a exclusividade das consultas a Deus,
por meio dos profetas, é que Moisés disse que: “Javé seu Deus fará surgir,
dentre seus irmãos, um profeta como eu em seu meio, e vocês ouvirão”. (Dt
18,15). Elucidamos essa questão com o seguinte passo: “Em Israel, antigamente,
quando alguém ia consultar a Deus, costumava dizer: 'Vamos ao vidente'. Porque,
em lugar de 'profeta', como se diz hoje, dizia-se 'vidente'”. (1Sm 9,9). O que é
vidente senão quem tem a faculdade de ver os espíritos? Poderá, em alguns casos,
ver inclusive o futuro, daí a idéia de que poderia prever alguma coisa, uma
profecia, derivando-se daí, então, o nome profeta. Podemos confirmar o que
estamos dizendo aqui nesse parágrafo, pela explicação dada à passagem Dt
18,9-22:
“Contrapõem-se nitidamente duas formas de profetismo ou de mediação entre os
homens e Deus. O profetismo de tipo cananeu, com suas práticas para conhecer o
futuro, ou vontade dos deuses (v.9-14), visava controlar a divindade, tornado-a
favorável ao homem. Contra isso o Dt estabelece a mediação do ‘profeta como
Moisés’ (v.15-22; cf. Ex 20,18-21), a cuja palavra, pronunciada em nome de Deus,
o israelita deve obedecer”. (Bíblia Sagrada, Ed. Vozes, pág. 217).
É interessante que, neste momento, venhamos a dizer alguma coisa sobre profeta.
Buscaremos as informações com Dr. Severino Celestino, que nos diz:
A palavra profeta, em hebraico, significa “Navi”, no plural, “Neviim”. Apresenta
ainda outros significados como “roê” (videntes). Veja I Samuel 9:9: “antigamente
em Israel, todos os que iam consultar IAHVÉH assim diziam: vinde vamos ter com o
vidente (roê); porque aquele que hoje se chama profeta (navi), se chamava
outrora vidente (roê)”.
A palavra vidente, em hebraico, também significa (chozê), pois, consultando o
texto original, encontramos citações que usam o termo (roê) sendo que outras
citam (chozê), como veremos adiante. O vidente era, portanto, o homem a ser
interrogado quando se queria consultar a Deus ou a um espírito e sua resposta
era considerada resposta de Deus.
O termo profeta chegou ao português, derivado do grego (???) “prophétes” que
significa “alguém que fala diante dos outros”. No hebraico, o significado é bem
mais amplo, possui uma raiz acádica que significa “chamar”, “falar em voz alta”,
e interpretam-no como “orador, anunciador”. (Analisando as Traduções Bíblicas,
pp. 259-260). (Grifos do original).
Dito isso, podemos agora concluir que Moisés não era totalmente contra o
profetismo (mediunismo), apenas era contrário ao uso indevido que davam a essa
faculdade. Podemos, inclusive, vê-lo aprovando a forma com que dois homens a
faziam, conforme a seguinte narrativa em Nm 11, 24-30:
Moisés saiu e disse ao povo as palavras de Iahweh. Em seguida reuniu setenta
anciãos dentre o povo e os colocou ao redor da Tenda. Iahweh desceu na Nuvem.
Falou-lhe e tomou do Espírito que repousava sobre ele e o colocou nos setenta
anciãos. Quando o Espírito repousou sobre eles, profetizaram; porém, nunca mais
o fizeram.
Dois homens haviam permanecido no acampamento: um deles se chamava Eldad e o
outro Medad. O Espírito repousou sobre eles; ainda que não tivessem vindo à
Tenda, estavam entre os inscritos. Puseram-se a profetizar no acampamento. Um
jovem correu e foi anunciar a Moisés: “Eis que Eldad e Medad”, disse ele, “estão
profetizando no acampamento”. Josué, filho de Nun, que desde a sua infância
servia a Moisés, tomou a palavra e disse: “Moisés, meu senhor, proíbe-os!”
Respondeu-lhe Moisés: “Estás ciumento por minha causa? Oxalá todo o povo de
Iahweh fosse profeta, dando-lhe Iahweh o seu Espírito!” A seguir Moisés voltou
ao acampamento e com ele os anciãos de Israel.
Fica claro, então, que pelo menos duas pessoas faziam dignamente o uso da
faculdade mediúnica (profeta), daí Moisés até desejar que todos fizessem como
eles.
Outro ponto importante que convém ressaltar é a respeito da palavra Espírito,
que aparece inúmeras vezes na Bíblia. Mas afinal o que é Espírito? Hoje sabemos
que os espíritos são as almas dos homens que foram desligadas do corpo físico,
pelo fenômeno da morte. Assim, podemos perfeitamente aceitar que fora às vezes
que atribuem essa palavra ao próprio Deus, todas as outras estão incluídas nessa
categoria.
Tudo, na verdade, não passava de manifestações dos espíritos, que muitas vezes
eram tomados à conta de deuses, devido a ignorância da época, coisa absurda nos
dias de hoje.
Isso fica tão claro que podemos até mesmo encontrar recomendações de como nos
comportar diante deles, para sabermos suas verdadeiras intenções. Citamos:
“Amados, não acrediteis em qualquer espírito, mas examinai os espíritos para ver
se são de Deus,...” (1 Jo 4, 1).
Disso pode-se concluir que era comum, àquela época, o contato com os espíritos.
De fato, já que podemos confirmar isso com o Apóstolo dos gentios, que
recomendou sobre o uso dos “dons” (mediunidade), conforme podemos ver em sua
primeira carta aos Coríntios (cap. 14). Nela ele procura demonstrar que o dom da
profecia é superior ao dom de falar em línguas (xenoglossia), pois não via nisso
nenhuma utilidade senão quando, juntamente, houvesse alguém com o dom de
interpretá-las.
Ao lado dos espíritos, também vemos inúmeras manifestações do demônio. Sobre
ele, encontramos a seguinte informação, citada pela Dra. Edith Fiore, sobre o
pensamento do historiador hebreu Flávio Josefo: “Os demônios são os espíritos
dos homens perversos” (Possessão Espiritual, p. 29). Com isso as manifestações
espirituais se ampliam, pois agora se nos apresentam os demônios como espíritos
de seres humanos desencarnados, ficando, portanto, provado que a Bíblia está
repleta de fenômenos mediúnicos. Onde há mediunidade haverá, conseqüentemente,
manifestação espiritual, pouco importa a denominação que venha se dar aos que se
apresentam aos encarnados,por essa via.
Vejamos, então, um caso específico relatado sobre uma consulta aos mortos.
Chamamos a sua atenção para o motivo da consulta, que não poderá passar
despercebido, visto o termos citado como uma das causas da proibição de Moisés.
Leiamos:
Samuel tinha morrido. Todo o Israel participara dos funerais, e o enterraram em
Ramá, sua cidade. De outro lado, Saul tinha expulsado do país os necromantes e
adivinhos. Os filisteus se concentraram e acamparam em Sunam. Saul reuniu todo o
Israel e acamparam em Gelboé. Quando viu o acampamento dos filisteus, Saul teve
medo e começou a tremer. Consultou a Javé, porém Javé não lhe respondeu, nem por
sonhos, nem pela sorte, nem pelos profetas. Então Saul disse a seus servos:
"Procurem uma necromante, para que eu faça uma consulta". Os servos responderam:
"Há uma necromante em Endor". Saul se disfarçou, vestiu roupa de outro, e à
noite, acompanhado de dois homens, foi encontrar-se com a mulher. Saul disse a
ela: "Quero que você me adivinhe o futuro, evocando os mortos. Faça aparecer a
pessoa que eu lhe disser". A mulher, porém, respondeu: "Você sabe o que fez
Saul, expulsando do país os necromantes e adivinhos. Por que está armando uma
cilada, para eu ser morta?" Então Saul jurou por Javé: "Pela vida de Javé,
nenhum mal vai lhe acontecer por causa disso". A mulher perguntou: "Quem você
quer que eu chame?" Saul respondeu: "Chame Samuel". Quando a mulher viu Samuel
aparecer, deu um grito e falou para Saul: "Por que você me enganou? Você é
Saul!" O rei a tranqüilizou: "Não tenha medo. O que você está vendo?" A mulher
respondeu: "Vejo um espírito subindo da terra". Saul perguntou: "Qual é a
aparência dele?" A mulher respondeu: "É a de um ancião que sobe, vestido com um
manto". Então Saul compreendeu que era Samuel, e se prostrou com o rosto por
terra. Samuel perguntou a Saul: "Por que você me chamou, perturbando o meu
descanso?" Saul respondeu: "É que estou em situação desesperadora: os filisteus
estão guerreando contra mim. Deus se afastou de mim e não me responde mais, nem
pelos profetas, nem por sonhos. Por isso, eu vim chamar você, para que me diga o
que devo fazer". Samuel respondeu: "Por que você veio me consultar, se Javé se
afastou de você e se tornou seu inimigo? Javé fez com você o que já lhe foi
anunciado por mim: tirou de você a realeza e a entregou para Davi. Porque você
não obedeceu a Javé e não executou o ardor da ira dele contra Amalec. É por isso
que Javé hoje trata você desse modo. E Javé vai entregar aos filisteus tanto
você, como seu povo Israel. Amanhã mesmo, você e seus filhos estarão comigo, e o
acampamento de Israel também: Javé o entregará nas mãos dos filisteus". (1Sm
28,3-19)
Inicialmente, se diz que Saul consultou a Javé, como não obteve resposta,
resolveu então procurar uma necromante para que, pessoalmente , pudesse
consultar-se com um espírito. Isso foi o que dissemos sobre uma das razões da
proibição de Moisés. Saul diante da necromante foi taxativo: quero que adivinhe
o futuro evocando um morto. Aqui é o próprio rei que vai consultar-se com um
morto, pelo motivo de querer saber o futuro. Se os mortos nunca tivessem
revelado o futuro, estaria o rei numa situação ridícula dessa?
Mas Saul não desejava consultar-se com qualquer um espírito, queria
especificamente a presença de Samuel. Após a evocação da mulher, o relato
confirma que a necromante viu Samuel-espírito aparecer. Sem margem a nenhuma
dúvida. Quando descreve o que vê o próprio Saul reconhece ser o profeta Samuel
que estava ali. Fato confirmado, pela indubitável afirmativa de que foi o
próprio Samuel quem fez uma pergunta a Saul. Após a resposta de Saul, novamente,
Samuel responde ao que veio o rei saber.
Algumas Bíblias ao invés de “vejo um espírito subindo da terra” traduzem por
“vejo um deus subindo da Terra”. A frase dessa maneira nos é explicada:
“A palavra hebraica para significar Deus, também designa os seres supra-humanos
e, como neste caso, o espírito dos mortos. Havia a convicção de que os espíritos
dos mortos estavam encerrados no sheol, e este se situaria algures por baixo da
terra” (Bíblia Sagrada, Ed. Santuário, pág. 392).
Com isso, fica fácil entender por que Saul, após certificar-se de que
Samuel-espírito estava ali, se prostra diante dele (v. 14). Atitude própria de
quem endeusava os espíritos e, conforme já o dissemos anteriormente, esse foi um
dos motivos pelo qual Moisés proibiu a comunicação com os mortos.
A frase “Javé fez com você o que já lhe foi anunciado por mim” tem a seguinte
tradução em outras Bíblias: “O Senhor fez como tinha anunciado pela minha boca”,
do que podemos concluir que naquele momento não estava falando pela sua boca,
usava a boca da mulher, pela qual confirmou o que tinha falado a Saul quando
vivo, não deixando então nenhuma dúvida que era mesmo Samuel-espírito quem
estava ali. Estamos dizendo isso, porque com algumas interpretações distorcidas,
bem à moda da casa, querem insinuar que quem se manifestou foi o demônio. A
isso, poderemos, além do que já dissemos, colocar para corroborar nosso
pensamento uma explicação dada a 28,15-19:
O narrador, embora não aprove o proceder de Saul e da mulher (v. 15), acredita
que Samuel de fato apareceu e falou com Saul: isso Deus podia permitir. Logo,
não é preciso pensar em manobra fraudulenta da mulher ou em intervenção
diabólica.... (Bíblia Sagrada, Ed. Vozes, pág. 330).
Por outro lado, ninguém conseguirá provar que em algum lugar da Bíblia está
dizendo que os demônios aparecem no lugar dos espíritos evocados. Assim, de modo
claro e inequívoco, temos essa questão de que não são os demônios como
definitivamente resolvida. Não bastasse isso, a própria Bíblia confirma o
ocorrido quando falando a respeito de Samuel está dito: “Mesmo depois de sua
morte, ele profetizou, predizendo ao rei o seu fim. Mesmo do sepulcro, ele
levantou a voz, numa profecia, para apagar a injustiça do povo”. (Eclo 46,20).
Sabemos que os protestantes não possuem esse livro, mas como os católicos também
afirmam que sua Bíblia não contém erros, pegamos a deles para a confirmação
dessa ocorrência.
Ao que parece, a consulta aos mortos era fato tão corriqueiro, que, às vezes,
era esperada, conforme podemos ver em Isaías:
“Quando disserem a vocês: ‘Consultem os espíritos e adivinhos, que sussurram e
murmuram fórmulas; por acaso, um povo não deve consultar seus deuses e consultar
os mortos em favor dos vivos?’, comparem com a instrução e o atestado: se o que
disserem não estiver de acordo com o que aí está, então não haverá aurora para
eles”. (Is 8,19-20).
Isaías até sabia o que iriam dizer, realidade da época, com certeza. Quanto à
expressão seus deuses, explicam-nos que equivale a os espíritos dos antepassados
(Bíblia Sagrada, Ed. Ave Maria, pág. 950). O que vem reforçar a justificativa
para a proibição de Moisés, que buscava fazer o povo hebreu aceitar o Deus
único. Interessante que essa passagem irá nos remeter a uma outra, que fala
exatamente dos antepassados, como uma explicação que nos ajudará a entendê-la.
Vejamo-la:
“Consulte as gerações passadas e observe a experiência de nossos antepassados.
Nós nascemos ontem e não sabemos nada. Nossos dias são como sombra no chão. Os
nossos antepassados, no entanto, vão instruí-lo e falar a você com palavras
tiradas da experiência deles”. (Jó 8,8-10).
Considerando que à época não se tinha muita coisa escrita, e se tivesse talvez
pouco adiantaria, pois poucos sabiam ler, só poderemos entender essa passagem
como sendo uma consulta direta às gerações passadas. O que em bom Português
significa que isso ocorria através da consulta aos seus deuses, em outras
palavras, aos espíritos dos antepassados, que pessoalmente viam transmitir suas
experiências. É notável que exatamente isso que está ocorrendo nos dias de hoje
com os Espíritos, que, mesmo sem que tenham sido evocados para serem
consultados, vêm livremente, com a permissão de Deus, é claro, nos passar as
suas experiências pessoais, para que possamos aprender com elas, de modo que
podemos evitar erros já cometidos por ignorância das leis divinas.
Uma coisa nós podemos considerar. Se ocorriam manifestações naquela época, por
que não as aconteceria nos dias de hoje? Veremos agora a mais notável de todas
as manifestações de espíritos que podemos encontrar na Bíblia, pois ela
acontece, nada mais nada mesmos do que, com o próprio Cristo. Leiamos:
Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, os irmãos Tiago e João, e os levou
a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E se transfigurou diante deles: o
seu rosto brilhou como o sol, e as suas roupas ficaram brancas como a luz. Nisso
lhes apareceram Moisés e Elias, conversando com Jesus. Então Pedro tomou a
palavra, e disse a Jesus: "Senhor, é bom ficarmos aqui. Se quiseres, vou fazer
aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias." Pedro
ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra, e da
nuvem saiu uma voz que dizia: "Este é o meu Filho amado, que muito me agrada.
Escutem o que ele diz." Quando ouviram isso, os discípulos ficaram muito
assustados, e caíram com o rosto por terra. Jesus se aproximou, tocou neles e
disse: "Levantem-se, e não tenham medo." Os discípulos ergueram os olhos, e não
viram mais ninguém, a não ser somente Jesus. Ao descerem da montanha, Jesus
ordenou-lhes: "Não contem a ninguém essa visão, até que o Filho do Homem tenha
ressuscitado dos mortos".(Mt 17,1-9).
Ocorrência inequívoca de comunicação com os mortos, no caso, os espíritos Moisés
e Elias conversam pessoalmente com Jesus. E aí afirmamos que se fosse mesmo
proibida por Deus, Moisés-espírito não viria se apresentar a Jesus e seus
discípulos, já que foi ele mesmo, quando vivo, quem informou dessa proibição, e
nem Jesus iria infringir uma lei divina. Portanto, a proibição de Moisés era
apenas uma proibição particular sua ou de sua legislação de época. Os
partidários do demônio ficam sem saída nessa passagem, pois não podem afirmar
que foi o demônio quem apareceu para eles, já que teriam que admitir que Jesus
foi enganado pelo “pai da mentira”.
Podemos ainda ressaltar que, depois desse episódio, Jesus não proibiu a
comunicação com os mortos, só disse aos discípulos para não contassem a ninguém
sobre aquela “sessão espírita”, até que acontecesse a sua ressurreição. E se ele
mesmo disse: “tudo que eu fiz vós podeis fazer e até mais” (Jo 14,12) os que se
comunicam com os mortos estão seguindo o exemplo de Jesus. Os cegos até poderão
ficar contra, mas os de mente aberta não verão nenhum mal nisso.
Já encontramos pessoas que, querendo fugir do inevitável, afirmaram que Moisés e
Elias não morreram, foram arrebatados. A coisa é tão séria, que, no afã de se
justificarem, desvirtuam a realidade mudando até mesmo narrativas bíblicas,
pois, até onde sabemos, existe a passagem falando da morte e sepultura de
Moisés, o que poderá ser comprovado em Dt 34,5-8. Quanto a Elias é que se diz
ter sido arrebatado. Acredite quem quiser. Mas o que faremos com o corpo físico
na dimensão espiritual? “O espírito é que dá vida a carne de nada serve” (Jo
6,63), “a carne e o sangue não podem herdar o reino do céu” (1Cor 15,50). São
passagens que contradizem peremptoriamente um suposto arrebatamento de Elias de
corpo e alma.
Por várias vezes, Jesus apresentou a seus discípulos ensinamentos por meio de
parábolas. Há uma que poderemos citar, pois nela encontramos algo que irá nos
auxiliar no entendimento daquilo que propomos. Vejamos:
Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino, e dava banquete todos
os dias. E um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, que estava caído à porta
do rico. Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E
ainda vinham os cachorros lamber-lhe as feridas. Aconteceu que o pobre morreu, e
os anjos o levaram para junto de Abraão. Morreu também o rico, e foi enterrado.
No inferno, em meio aos tormentos, o rico levantou os olhos, e viu de longe
Abraão, com Lázaro a seu lado. Então o rico gritou: 'Pai Abraão, tem piedade de
mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque este
fogo me atormenta'. Mas Abraão respondeu: 'Lembre-se, filho: você recebeu seus
bens durante a vida, enquanto Lázaro recebeu males. Agora, porém, ele encontra
consolo aqui, e você é atormentado. Além disso, há um grande abismo entre nós:
por mais que alguém desejasse, nunca poderia passar daqui para junto de vocês,
nem os daí poderiam atravessar até nós'. O rico insistiu: 'Pai, eu te suplico,
manda Lázaro à casa de meu pai, porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los,
para que não acabem também eles vindo para este lugar de tormento'. Mas Abraão
respondeu: 'Eles têm Moisés e os profetas: que os escutem!' O rico insistiu:
'Não, pai Abraão! Se um dos mortos for até eles, eles vão se converter'. Mas
Abraão lhe disse: 'Se eles não escutam a Moisés e aos profetas, mesmo que um dos
mortos ressuscite, eles não ficarão convencidos'. (Lc 16,19-31).
Poderemos tirar várias reflexões dessa parábola, mas nos restringiremos ao
assunto deste estudo. Uma pergunta nos vem à mente: se não acreditassem na
comunicação entre os dois planos, por que então o rico pede a Abraão para enviar
Lázaro para alertar a seus irmãos? Da análise da resposta de Abraão podemos
dizer que há a possibilidade da comunicação, entretanto, ela é completamente
inútil, pois se nem aos vivos as pessoas deram ouvidos, que dirá aos mortos.
Fato incontestável, que vem acontecendo até nos dias de hoje, já que a grande
maioria prefere ignorar a comunicação dos mortos, que vêm nos alertar para que
transformemos as nossas ações, de modo que beneficiem ao nosso próximo, a fim de
evitar que, depois da morte física, tenhamos que ir para um lugar de tormentos.
A expressão “mesmo que um dos mortos ressuscite” significa que mesmo que algum
dos mortos ressuscite na sua condição espiritual, para se comunicar, que eles
não se convenceriam. Mas alguém pode objetar dizendo que esse texto implica na
necessidade de uma ressurreição corpórea para que ocorra esta comunicação. Isto
é um subterfúgio, já que na própria Bíblia encontramos indícios de que o termo
ressurreição também era usado para indicar a influência dos mortos sobre os
vivos, conforme podemos confirmar no seguinte passo: “Alguns diziam: ‘João
Batista ressuscitou dos mortos. É por isso que os poderes agem nesse homem’”.
(Mt 14,2; Mc 6,14).
Quem já teve a oportunidade de ler a Bíblia, pelo menos uma vez, percebe que ela
está recheada de narrativas com aparições de anjos. Na ocasião da ressurreição
de Jesus algumas delas nos dão conta do aparecimento, junto ao sepulcro, de
“anjos vestidos de branco” (Jo 20,12; Mt 28,2), enquanto que outras nos dizem
ser “homens vestidos de branco” (Lc 24,4; Mc 16,5). Demonstrando que anjos, na
verdade, são espíritos humanos de pessoas desencarnadas. Até mesmo os nomes dos
anjos são nomes dados a seres humanos: Gabriel, Rafael, Miguel, etc. Vejamos se
isso é coerente.
Nesse tempo, o rei Herodes começou a perseguir alguns membros da Igreja, e
mandou matar à espada Tiago, irmão de João. Vendo que isso agradava aos judeus,
decidiu prender também Pedro. Eram os dias da festa dos pães sem fermento.
Depois de o prender, colocou-o na prisão e o confiou à guarda de quatro grupos
de quatro soldados cada um. Herodes tinha a intenção de apresentar Pedro ao povo
logo depois da festa da Páscoa. Pedro estava vigiado na prisão, mas a oração
fervorosa da Igreja subia continuamente até Deus, intercedendo em favor dele.
Herodes estava para apresentar Pedro. Nessa mesma noite, Pedro dormia entre dois
soldados. Estava preso com duas correntes, e os guardas vigiavam a porta da
prisão. De repente, apareceu o anjo do Senhor, e a cela ficou toda iluminada. O
anjo tocou o ombro de Pedro, o acordou, e lhe disse: "Levante-se depressa." As
correntes caíram das mãos de Pedro. E o anjo continuou: "Aperte o cinto e calce
as sandálias." Pedro obedeceu, e o anjo lhe disse: "Ponha a capa e venha
comigo." Pedro acompanhou o anjo, sem saber se era mesmo realidade o que o anjo
estava fazendo, pois achava que tudo isso era uma visão. Depois de passarem pela
primeira e segunda guarda, chegaram ao portão de ferro que dava para a cidade. O
portão se abriu sozinho. Eles saíram, entraram numa rua, e logo depois o anjo o
deixou. Então Pedro caiu em si e disse: "Agora sei que o Senhor de fato enviou o
seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu
queria me fazer." Pedro então refletiu e foi para a casa de Maria, mãe de João,
também chamado Marcos, onde muitos se haviam reunido para rezar. Bateu à porta,
e uma empregada, chamada Rosa, foi abrir. A empregada reconheceu a voz de Pedro,
mas sua alegria foi tanta que, em vez de abrir a porta, entrou correndo para
contar que Pedro estava ali, junto à porta. Os presentes disseram: "Você está
ficando louca!" Mas ela insistia. Eles disseram: "Então deve ser o seu anjo!"
Pedro, entretanto, continuava a bater. Por fim, eles abriram a porta: era Pedro
mesmo. E eles ficaram sem palavras. (At 12,1-16).
Com a prisão de Pedro, por Herodes, todos já esperavam que aconteceria com ele o
mesmo destino de Tiago, seria morto. Mas um anjo o solta. Ele se dirige à casa
onde os outros estavam reunidos, bate à porta. Rosa, que atende a porta,
reconhece a voz de Pedro, espavorida corre para dentro a fim de contar aos
outros. Entretanto, como supunham que Pedro havia morrido disseram a ela: “Então
deve ser o seu anjo”. Isso vem dizer exatamente o que estamos querendo concluir,
que anjo, na verdade, é um espírito de um ser humano que morreu, o que não
contradiz a narrativa, antes ao contrário, lhe é extremamente coerente.
Conclusão
Ao que podemos concluir, sem sombra de dúvidas, é que realmente a comunicação
com os mortos está comprovada pela Bíblia, por mais que se esforcem em querer
tirar dela esse fato.
Apenas para reforçar tudo o quanto já dissemos do que encontramos na Bíblia,
poderemos ainda enumerar as pesquisas que estão sendo realizadas sobre a
comunicação dos espíritos por aparelhos eletrônicos: a Transcomunicação
Instrumental – TCI. Buscamos comprovar com isso que, conforme o dissemos no
início, tais ocorrências, são de ordem natural, dentro, portanto, das leis da
natureza, que acontecem até os dias de hoje e que elas vêm despertando grande
interesse por parte de inúmeros pesquisadores descompromissados com dogmas
religiosos.
A pesquisadora Sonia Rinaldi, em seu livro Espírito – O desafio da Comprovação,
traz gravações de vozes paranormais. Muitas possuem a particularidade de terem
sido gravadas também, e simultaneamente, no lado reverso da gravação normal.
Isso vem colocar as coisas num nível bem próximo da prova científica, pois ainda
não existe tecnologia humana para produzir gravações desse tipo. Resta-nos
esperar que cientistas, menos compromissados com dogmas religiosos, se disponham
a realizar essas pesquisas com o rigor científico, com todo o controle e
instrumentação técnica necessária para se chegar a uma conclusão final e
definitiva.
Agosto/2004.
Referências bibliográficas:
Bíblia de Jerusalém, 1ª ed. São Paulo: Paulus, 2002.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral, s/e. São Paulo: Paulus, 1990.
Bíblia Sagrada, 5ª ed. Aparecida-SP: Santuário, 1984.
Bíblia Sagrada, 8ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989.
Bíblia Sagrada, 68ª ed. São Paulo: Ave Maria, 1989
FIORE, E., Possessão Espiritual, São Paulo: Pensamento, 1995.
MONLOUGOU L.; DU BUIT, F.M. Dicionário Bíblico Universal, Aparecida-SP:
Santuário; Petrópolis-RJ: Vozes, 1996.
RINALDI, S. Espírito – O desafio da Comprovação. São Paulo: Elevação, 2000.
Por: Paulo da Silva Neto Sobrinho, Caso tenha ou possua, envie-nos a referência desse texto.
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