O indivíduo em estado vegetativo pode estar consciente?

De maneira resumida, consciência pode ser definida como um atributo a partir do qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade. O estudo da consciência é considerado um dos mais difíceis e complexos nas ciências, pois engloba várias áreas do conhecimento, como percepção, memória, lingüística, sono e vigília, aprendizagem, entre outras. Algumas perguntas “simples” (Quais são os mecanismos neurais subjacentes à percepção e à cognição? Quais as diferenças neurofisiológicas entre o estado de vigília e o sono? Como os anestésicos agem?) têm sido respondidas em laboratórios. Outras, mais “difíceis” (Como somos conscientes de nossas percepções? O que são pensamentos ou sentimentos? Como nós experimentamos o Eu unificado? O que é o livre-arbítrio?), permanecem ainda sem resposta.

Alguns autores, como Harman (1994), consideram que a epistemologia da ciência natural é inadequada ao estudo da consciência, uma vez que a classificação das experiências internas e subjetivas (às vezes indescritíveis) é estabelecida por um observador externo. Simplificando, a questão discutida é: poderíamos nós avaliar a experiência interna de alguém com referenciais distintos daquele que a vivencia?

A despeito das limitações metodológicas, as neurociências têm oferecido possibilidades interessantes para o estudo da consciência. Prova disso são as pesquisas recentes com métodos de neuroimagem em indivíduos em estado de consciência mínima (ECM), em coma ou em estado vegetativo.

Exemplos

São vários os casos de indivíduos que sofreram acidentes graves, permaneceram por anos seguidos “incomunicáveis” e, surpreendentemente, sem nenhuma explicação aparente, recobraram a consciência e a capacidade de comunicação. Dentre os vários exemplos de ECM recuperados podemos citar Patricia White Bull, uma bailarina que durante o parto de seu quarto filho desacordou, para somente recobrar a consciência 16 anos depois, no Natal de 1999; e Terry Wallis, um norte-americano noticiado no mundo inteiro por ter recobrado a consciência recentemente, após permanecer 19 anos em ECM devido a um acidente de carro.

Terry Wallis, por exemplo, foi submetido a um estudo com um novo método de neuroimagem (imagem tensora de difusão por ressonância magnética) capaz de caracterizar patologias específicas na matéria branca, tais como atrofia e irregularidades dos axônios. A nova metodologia, associada à tomografia por emissão de pósitrons,revelou aumentos notáveis nos axônios cerebelares e respectivo aumento do metabolismo neural em repouso, correlacionados a melhores respostas das funções motoras. A primeira palavra que Terry falou quando despertou foi “mãe”, a qual sempre esteve com seu filho, ao longo dos 19 anos de cuidados.

Por presenciarem muitos outros casos de recuperação, os profissionais da Associação de Enfermeiros de Nova York confeccionaram um manual de conduta incentivando “uma aproximação delicada e interativa com os pacientes em coma e/ou ECM”. A mesma associação informa que o denominador comum entre esses casos de recuperação parece estar na continuidade do investimento interativo por parte dos familiares e da equipemédica, ainda que os indivíduos aparentemente “nada” respondam.



Estudo avalia compreensão lingüística

Um estudo esclarecedor, recentemente dirigido pelo dr. Joy Hirsch, da Universidade de Columbia, abordou pacientes em ECM com ressonância magnética funcional (fMRI) durante tarefas cognitivas de compreensão lingüística. Para testar a hipótese de que os pacientes com ECM mantêm as redes neurais ativas subjacentes a funções cognitivas – ainda que não tenham a habilidade de se comunicar – a neuroimagem funcional foi aplicada em dois adultos do sexo masculino com severos traumatismos encefálicos e em sete voluntários saudáveis, durante dois tipos de estímulos auditivos, a saber: (1) narrativas personalizadas e (2) narrativas com o sinal temporal invertido (sem indicador lingüístico). A primeira condição revelou similaridade da atividade cortical no giro temporal médio superior nos voluntários saudáveis e nos dois pacientes traumatizados. Entretanto, na segunda condição – narrativas sem indicador lingüístico –, as respostas demonstradas pelos pacientes foram reduzidas, sugerindo uma menor atividade neural para o estímulo de “lingüística sem sentido”.

Esses achados revelam que alguns pacientes com ECM podem reter os sistemas corticais com potencial para funções sensoriais e cognitivas, apesar da inabilidade de seguirem instruções simples ou de se comunicarem. Avançando nessa linha de pesquisa, o neurocientista Adrian Owen e sua equipe da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, usaram a fMRI para examinar a função do cérebro em uma jovem mulher com ferimentos severos e traumatismo craniano decorrentes de um acidente de trânsito. Cinco meses após o acidente, a jovem era incapaz de se comunicar e preenchia os critérios clínicos para o estado vegetativo. Entretanto, seu cérebro mostrou atividade de maneira similar ao grupo de controle de indivíduos saudáveis – enquanto sentenças eram ouvidas durante o exame de neuroimagem. Os achados indicam que a jovem em estado vegetativo reteve alguma habilidade de processar a língua.

Em um segundo exame, os mesmos pesquisadores instruíram verbalmente a jovem a imaginar-se jogando tênis ou andando por sua casa. Os indivíduos saudáveis cumpriram a mesma tarefa, e as atividades neurais (córtex premotor e giro hipocampal) foram similares nos dois casos. Owen e seus colegas relatam que os resultados sugerem consciência para seguir as instruções fornecidas. Embora alguns investigadores não estejam convencidos, muitos outros, como o neurologista Nicholas Schiff, da Universidade de Columbia, concordam que tais resultados evidenciam a preservação da cognição nessa jovem em estado vegetativo e que esses achados são “marcos decisivos” ao conhecimento científico. Owen espera desenvolver uma bateria de testes de neuroimagem para medir funções cognitivas em pacientes com traumas encefálicos que são incapazes de se comunicar, e essa abordagem possivelmente poderá ser usada também para reabilitação desses pacientes. É certo que muito trabalho será necessário para isso.

Conhecimento terá implicações éticas profundas

O conhecimento crescente sobre as funções cerebrais que permitem a recuperação de indivíduos com ECM terá implicações éticas profundas para a tomada de decisão a respeito da reabilitação continuada desses pacientes. Hirsch relata que “não sabemos ainda o porquê e como os pacientes se recuperam dos estados de consciência mínima”. Tais pesquisas ocorreram recentemente, depois que a americana Terri Schiavo morreu por ordem judicial em 31 de março de 2005, ao final de 14 dias sem receber alimento e água. Seus pais sustentaram que ela desejava viver e “era capaz de se comunicar com eles”.

O kardecismo tem por bem considerar a importância da continuidade do investimento na vida em detrimento da retirada voluntária desta, sendo assim contra a eutanásia. As pesquisas que trouxemos neste artigo são convergentes aos princípios kardecistas e certamente contribuem com a ampliação do conceito de ortotanásia*.

Enquanto os métodos que evidenciam a vida e a comunicação espiritual se desenvolvem, as neurociências abrem uma nova possibilidade investigatória sobre a preservação da consciência nos indivíduos em estado vegetativo, em coma ou ECM. Espera-se que o acesso aos exames de neuroimagem seja cada vez maior e pesquisas sobre o tema sejam conduzidas no Brasil.

*Ortotanásia é a atuação correta frente a morte. É a abordagem adequada diante de um paciente que está morrendo.

Referências Bibliográficas
Harman W. The scientific exploration of consciousness: towards an adequate epistemology. J Consciousness Studies, 1994; 1: 140-48.
Hirsch J. “Functional neuroimaging during altered states of consciousness: how and what do we measure?” Prog Brain Res. 2005;150:25-43.
Owen AM, Coleman MR, Boly M, Davis MH, Laureys S, Pickard JD. “Detecting awareness in the vegetative state”. Science. 2006 Set. 8;313(5792):1402.
Schiff ND. “Multimodal neuroimaging approaches to disorders of consciousness”. J Head Trauma Rehabil. 2006 Set./Out.;21(5):388-97.
Voss HU, Uluc AM, Dyke JP, Watts R, Kobylarz EJ, McCandliss BD, Heier LA, Beattie BJ, Hamacher KA, Vallabhajosula S, Goldsmith SJ, Ballon D, Giacino JT, Schiff ND. “Possible axonal regrowth in late recovery from the minimally conscious state”.J Clin Invest. 2006 Jul;116(7):2005-11.


Júlio Peres é psicólogo clínico, doutorando em Neurociências pela USP - (matéria publicada na Folha Espírita em fevereiro de 2007)


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