Espiritismo e Comunicação Social

--- Questão [#001]
Como devemos orientar nossos filhos, com tanta sensualidade/erotismo existente
na televisão, em especial no Carnaval, à luz da doutrina espírita?

Resposta: O diálogo é a melhor forma de prevenção contra os excessos do mundo.
Além disso, os pais devem ter a consciência de que eles, e não a televisão, são
a influência mais importante para a formação dos filhos. Devem, por isso,
utilizar pedagogicamente a televisão, utilizando suas imagens e informações
para debater com eles as questões e problemas do mundo. Se houver presença e
atenção deles, a televisão acabará sendo vista como uma mera janela distorcida
do mundo com o qual é preciso conviver para melhorar.
Em relação às questões de sexualidade, é preciso que o diálogo dos pais não
seja tangido pelo tabu e o preconceito. O ato sexual não pode ser visto como
algo sujo ou perigoso, e sim como um fato natural da vida, que será sempre belo
e prazeiroso, quanto mais for movido por sentimentos de afeto e sinceridade.
Eis o que deve ser tematizado com os filhos, ante as exibições televisivas.
Nesse sentido, a censura e a proibição nem sempre são os melhores recursos, vez
que, além de reforçarem uma visão preconceituosa de que o sexo é errado, podem
ter o efeito inverso, isto é, podem aguçar a curiosidade da criança e se tornar
depois o meio de contestação delas à sociedade e aos próprios pais. Nesse
sentido, assim que a criança se mostrar em idade de compreender tudo isso, a
sexualidade mostrada na televisão deve ser tematizada pelos pais, não no
sentido de se proibir, mas de sempre se perguntar se os personagens do filme ou
da novela se amam de fato e se há respeito de um para o outro. Assim, a criança
perceberá claramente que nem tudo o que a televisão mostra é bom e deve ser
imitado. E, além disso, ficará evidente para ela que há outras coisas na
televisão, além de sexo, que também são importantes.

--- Questão [#002]
O que é "comunicação social" em espiritismo?

Resposta: Temos, em nosso trabalho, diferenciado de forma muito séria os
conceitos de "comunicação social espírita" e de "divulgação do espiritismo". A
divulgação é uma atitude centrada na mensagem e cujo propósito acaba sendo, na
prática, converter pessoas ao espiritismo. Isso não é um mal em si, mas
trata-se de um propósito que, além de não coadunar com os objetivos do próprio
espiritismo, representa um problema ético sério: o fato de não estarmos
propondo um relacionamento com a sociedade marcado pelos princípios do diálogo.

Para marcar essa diferença ética é que propomos o termo "comunicação social
espírita". A idéia é nos inserirmos na discussão social dos problemas humanos
e, mesmo, criarmos espaços para que essa discussão seja feita, e chamarmos para
ela todas as instâncias da sociedade que se interessem pela temática. Nesse
sentido, haveria um diálogo, no qual nós aprenderemos com o saber produzido
pelas outras esferas e eles, evidentemente, tomariam conhecimento de nossas
posições, podendo também aprender com elas. Essa gestão democrática do diálogo
não seria, nesse caso, centrada na mensagem e sim na forma de relacionamento, e
mesmo as temáticas seriam pautadas não pelo espiritismo, e sim pelas
necessidades humanas.

--- Questão [#003]
Como sou aluno de mestrado em ciências humanas e meu tema trata da educação
espírita, minha pergunta é se existem obras que tratem da educação e do aspecto
científico do espiritismo, dentro dos critérios de cientificidade da atualidade.

Resposta: Os espíritas brasileiros têm demonstrado dificuldade em dialogar com
as ciências humanas e sociais, em razão de uma certa indisponibilidade para o
uso da metodologia científica. Entretanto, há obras espíritas sobre educação,
cuja cientificidade, você, como mestrando, deve avaliar com atenção,
verificando, inclusive, a que tendências da teoria educacional cada uma delas
se filia, fazendo, assim, a devida contextualização da literatura espírita a
respeito. Os principais autores espíritas disponíveis, a respeito, são Pedro de
Camargo (pseudônimo: Vinícius), Herculano Pires, Ney Lobo e Dora Incontri.
Todos eles são encontráveis em boas livrarias espíritas.

--- Questão [#004]
Até que ponto os comunicadores têm responsabilidades sobre o que divulgam e
sobre o que é divulgado de suas vidas particulares na mídia?

Resposta: Parece-me uma regra simples de ética da comunicação que todo aquele
que diz algo (seja ou não um profissional da comunicação) assume a
responsabilidade pelas conseqüências por aquilo que diz. Mesmo que saibamos
que, de um ponto de vista científico, o falante jamais tem completo controle
das repercussões e conseqüências de seu dizer, porque os atos simbólicos são
sempre passíveis de interpretação por parte de quem ouve.
É preciso considerar ainda um fator cultural importante, no mundo
contemporâneo. Vivemos uma sociedade em que o capitalismo se aprofundou de tal
maneira na vida cotidiana das pessoas que rompeu a barreira entre o público e o
privado, de tal modo que se, por um lado, multiplicam-se as formas de corrupção
pela apropriação privada dos bens e do interesse público, por outro, as
questões privadas da intimidade, como o sexo e o dia-a-dia de pessoas famosas,
acabaram gerando interesse nem sempre devido para os públicos conectados aos
processos e tecnologias de comunicação social.
Tais acontecimentos são de enorme relevância ética e nós, os espíritas, temos
grande contribuição a dar nesse sentido, na medida em que consigamos tratar
dessas questões despidos dos velhos preconceitos ou das formas arcaicas do
moralismo religioso, isto é, dando relevo às problemáticas do sofrimento e dos
direitos humanos, em termos de uma interpretação espiritual da vida.

--- Questão [#005]
Será que alcançaremos o socialismo pregado por Léon Denis em sua obra sobre o
assunto?

Resposta: O socialismo de Denis é o socialismo utópico e romântico que
prevaleceu sobretudo no século dezenove, mas cujos referenciais despontam hoje
como alternativas a serem pensadas com seriedade.
Pensar com seriedade significa, a meu ver, levar em conta a ambigüidade e as
contradições do processo social no mundo contemporâneo.
Não vivemos mais um mundo onde se justificaria esperar dos valores da burguesia
emergente a fundação de uma sociedade fraterna e justa. A ascenção da economia
burguesa, no mundo capitalista, engendrou sistemas de dominação de alta
complexidade, cujas características são, marcadamente, a reprodução do poder e
do dinheiro. Tais sistemas não produzem senão sua própria sobrevivência,
utilizando, em sua lógica, os seres humanos para isso.
Entretanto, a criação de sistemas como a economia e o Estado não anulou a
sociedade, nem as possibilidades de afirmação da subjetividade e da
intersubjetividade humanas. Sabe-se, por isso, hoje em dia, que uma
transformação profunda da sociedade - em direção a algum modelo de socialismo,
por exemplo -, se vier, virá das mudanças das próprias relações humanas.
Em outras palavras, tomar o Estado ou falir a economia não resolveria os
problemas humanos; mas, organizar a sociedade, para além dos referenciais do
poder e do interesse material, parece ser a alternativa emancipatória para o
espírito humano nesta virada de milênio. A emergência de novos movimentos
sociais e de organizações não governamentais, bem como de questões globais como
a ecologia e os direitos humanos, são sinais claros de que as transformações a
serem buscadas não mais estão exclusivamente permeadas pelos canais
institucionalizados da política e, muito menos, pelo jogo de interesses da
economia.
Exigir uma visão com tal contemporaneidade de Léon Denis seria pedir
excessivamente da clarividência de seu gênio. Mesmo assim, debater tais
questões nos nossos centros espíritas seria um avanço enorme para o espiritismo
brasileiro, que ainda refuga de forma incompreensível muitas questões de
contexto e profundidade social.

--- Questão [#006]
Gostaria de saber por que algumas pessoas possuem o dom da fala, e outros mal
conseguem dizer seus nomes?

Resposta: As diferenças de habilidades entre as pessoas têm diversas origens,
inclusive a das experiências reencarnatórias.
Apesar disso, é preciso evidenciar que a competência da fala não está tão
restrita quanto outras habilidades, sobretudo aquelas que exigem elevado
desempenho técnico e profissional. Saber falar, saber comunicar-se, enfim, é
uma condição para a própria vida em sociedade.
Eis porque algumas habilidades específicas, originárias da capacidade geral da
fala, como a retórica (junto ao alfabeto, uma das primeiras tecnologias da
comunicação pública) são muito mais fáceis de se desenvolver do que outras,
menos ligadas a uma competência tão geral.
Por isso, parece correto dizer que aqueles que não têm problemas físicos e
conseguem conversar normalmente com os outros, podem perfeitamente falar em
público, bastando para isso enfrentar empeços psicológicos naturais, como os
problemas de inibição e nervosismo, e ganhar com o tempo a experiência de
administração de auditórios. Isso, desde que, é claro, tenham algo a dizer...
Nada, enfim, que uma orientação especializada e um pouco de persistência não
consigam solucionar.

--- Questão [#007]
Gostaria de saber se há alguma emissora de televisão com programação totalmente
voltada aos ensinamentos da Doutrina Espírita, como já existe a Rede Vida de
Televisão, com programação exclusivamente católica.

Resposta: Não. E creio que, quando existir uma, não me parece que o modelo de
programação de emissoras como a rede católica citada seja a melhor opção.
Quando pensamos, como especialista, tanto nas potencialidades da comunicação,
quanto nos compromissos do espiritismo, afigura-se extremamente pobre um padrão
que perceba as tecnologias e processos da comunicação como meros instrumentos,
e o espiritismo como um mero conteúdo a ser divulgado. Nesse patamar, a
presença espírita nos chamados "meios" de comunicação pouco ou nada se
diferenciará do conversionismo dogmático das religiões tradicionais, perdendo,
assim, todo o seu potencial ético transformador da sociedade.
Uma opção muito mais rica e densa, e que o movimento espírita brasileiro ainda
não foi capaz de perceber, é a da comunicação como uma forma de relação humana
de caráter interativo e o espiritismo como uma ética de fraternidade a ser
evidenciada por meio das práticas, muito mais do que de conteúdos. Uma emissora
espírita, a meu ver, seria evidenciada por uma programação educativa, ética,
dialógica, democrática e plural. E não por limitar-se a conteúdos doutrinários
consagrados.

--- Questão [#008]
Porque o Espiritismo deve ser preocupar com a divulgação de sua perspectiva se
a verdade por si só se encarrega de se divulgar? Jesus não pregou na Galiléia
em um lugar ermo e para poucos? A verdade de suas palavras não se disseminou a
revelia de seus detratores?

Resposta: Sem querer repetir respostas anteriores, penso que a força das
palavras e atos de Jesus se deveu muito mais à qualidade das relações de amor e
fraternidade que ele foi capaz de criar com os outros, do que ao esforço de
divulgação de idéias que ele patrocinou. Eis porque considero que os espíritas
devem se preocupar mais com a natureza das relações que entretece com os outros
saberes e práticas sociais, do que com a difusão de suas próprias idéias. Se
criarmos uma relação de elevada fraternidade, na qual tanto ensinemos quanto
aprendamos, com os diferentes grupos sociais disponíveis, estaremos
transformando o mundo na prática, e não apenas expandindo uma instituição ou um
movimento.

--- Questão [#009]
Qual a sua opinião sobre a divulgação do Espiritismo através da Internet? Não é
muito mais difícil manter um controle sobre o que é divulgado como Doutrina
Espírita?

Resposta: Em comunicação, a preocupação por controle é, na prática, uma
pretensão de poder sobre os outros (no caso, sobre a fala dos outros). Penso
que a ética espírita nos orienta a, o quanto possível, abandonar as pretensões
de poder sobre os outros, e exercitarmos, cada vez mais, a capacidade de
dialogar e tolerar as diferenças alheias.
Infelizmente, ainda persistem em nosso meio e não raro utilizando-se de
recursos violentos, como ritos de exclusão, maledicência e formação de
preconceito, diferentes formas de policiamento ideológico as quais, por
romperem com regras básicas de fraternidade e entendimento, precisam
continuamente inventar justificações ideológicas para ocultarem a enorme
contradição entre os conteúdos do que é dito e o que está efetivamente em jogo
quando se diz.
A internet, por ser um ambiente interativo por excelência, tende a sediar
ambientes muito mais democráticos e amplos de diálogo dos espíritas entre si e
destes com a sociedade. Por tal razão, penso que o ambiente virtual é um lugar
por excelência para se observar até onde vai a capacidade do espírita de
praticar a fraternidade que tanto prega.

--- Questão [#010]
O que o Sr. Acha da divulgação do Espiritismo através de revistas que tentam
usar uma linguagem "popular" e chamativa, às vezes saindo do caráter de
seriedade da Doutrina Espírita?

Resposta: Como estudioso de comunicação, sou obrigado a admitir que, por sua
marca de origem, o espiritismo tem sido um movimento cuja doutrina apenas
dialoga com pessoas de uma certa capacidade intelectual. Isso, num país de
tantas desigualdades como o Brasil, significa não apenas um corte ideológico,
mas uma seletividade política e econômica. Por tal razão, em princípio, parece
ser uma importante iniciativa o surgimento de mídias que se tornem capazes de
abrir o diálogo com as camadas mais pobres de nossa sociedade.
Entretanto, não raro percebemos que tais iniciativas correm um alto risco de
sucumbir no outro extremo desse direcionamento, rendendo-se à cultura de
consumo de massa, cujas práticas de comunicação supõem um receptor próximo do
imbecil e travam com ele uma relação de mero entretenimento, não raro
reforçando velhos preconceitos sociais (nas publicações espíritas, a
manifestação de preconceito contra as tradições e religiões negras, por
exemplo, é às vezes flagrante).
Parece-nos imperioso construir, no movimento espírita brasileiro, uma nova
mentalidade em comunicação social, a fim de que a relação do nosso grupo social
com todos os demais que integram a sociedade brasileira sejam traduzidos pela
ética e pela autocrítica. A "seriedade" do espiritismo jamais se traduzirá pela
sua incapacidade de dialogar com os mais humildes (o que, não raro, apenas
reproduz as velhas divisões de classe que ainda marcam tristemente a sociedade
brasileira), e sim pela ética com que paute as relações que estabelece pelos
processos de comunicação que venha a fundar.

--- Questão [#011]
Os espíritas não deviam fazer uma campanha de esclarecimento na mídia sobre as
diferenças em relação a outras religiões que se dizem espíritas?

Resposta: Tenho acompanhado essa constante preocupação do movimento espírita, e
me perguntado o que é que nos move nesse interesse. A alegação básica é
estabelecer uma máxima clareza quanto às definições que envolvem a identidade
espírita que o movimento brasileiro considera a mais correta, tendo em vista os
referenciais da obra de Allan Kardec.
Sem dúvida, isso é justo. Entretanto, ponderemos que essa busca, na prática,
tende a ignorar que o espiritismo, como toda e qualquer doutrina em movimento,
se enraíza na cultura e, por isso, está sujeito a evoluções e transformações as
mais diversas.
Mas, não apenas isso. O mais preocupante é verificar que a forma como se busca
afirmar a identidade espírita segue usualmente todos os parâmetros do que a
sociologia da cultura denomina "luta pelo poder simbólico", definida como a
utilização de estratégias de combate a outras formas de interpretação, a fim de
garantir a hegemonia de uma certa interpretação. Em outras palavras, a fim de
garantir a "pureza" do espiritismo, desencadeamos guerras ideológicas e
disputas de interpretação, tanto dentro do movimento, quanto junto às diversas
esferas sociais.
Tenho estudado tais atitudes com alguma profundidade e constatado que ocorre,
nesse campo, o que se pode chamar uma "contradição performática", isto é, a
negação prática daquilo que se diz, no próprio ato de dizer. Falando mais
claramente, falamos de fraternidade e, em nome de nossa interpretação,
estabelecemos uma espécie de disputa com outros pensamentos, na qual nem sempre
a fraternidade é o diapasão que funciona. Isso porque, na prática, para
preservar a interpretação considerada verdadeira, estabelecem-se ritos de
exclusão, rotulações, queimações pessoais e montanhas de preconceito contra as
pessoas que se arriscam a não seguir o manual doutrinário estabelecido.
Sem pretender a defesa de um relativismo total no espiritismo, penso que o
problema ético contido nessa contradição performática deve ser debatido muito
por todos nós, a fim de que as nossas interpretações doutrinárias não se tornem
mais importantes do que a busca maior pela fraternidade humana, que, a meu ver,
é a única que efetivamente justifica o espiritismo e todo o movimento de
espiritualização do mundo.

--- Questão [#012]
Que orientações o Sr. Teria para a divulgação da Doutrina Espírita através de
uma pequena rádio comunitária?

Resposta: A idéia das rádios comunitárias, no contexto do desenvolvimento das
comunicações no mundo atual e, especialmente, no Brasil, está ligada à defesa
da democratização cada vez mais ampla das tecnologias de comunicação. Dizendo
de outra forma, não há qualquer problema em o Roberto Marinho possuir uma rede
de televisão ou de rádio, desde que todos aqueles que quiserem ter uma tenham
igual oportunidade para isso, especialmente as comunidades humildes que,
geralmente, não têm voz nem vez no grande diálogo social que essas tecnologias
possibilitam para o mundo contemporâneo.
Penso, por essa razão, que a apropriação pelas comunidades espíritas de
emissoras comunitárias devem se inserir nessa perspectiva mais ampla. Acho que
seria uma distorção indesejável se as possibilidades de emissoras comunitárias
caíssem nas mãos de pregadores religiosos, sejam evangélicos, católicos ou
espíritas, simplesmente a serviço da divulgação de suas respectivas doutrinas.
Uma emissora comunitária tem que pertencer e ser o espaço de diálogo da
comunidade à qual ela se dirige. Não pode ser via de mão única, nem propriedade
de profissionais ou instituições específicas, e sim estar a serviço das
comunidades e contar com a participação delas.
Nessa perspectiva, vejo o espiritismo como um filosofia que nos educa para esse
tipo de comportamento. Usar dessa forma uma emissora comunitária é, nem mais
nem menos, cumprir a ética do espiritismo, fazendo dela um gesto de caridade: a
caridade da comunicação, a caridade do diálogo pelo qual as pessoas se tornarão
cada vez mais cidadãos e promoverão, a partir da experiência de dialogarem
entre si, a arte de construir a sociedade fraterna e justa que nós, espíritas,
chamamos "mundo de regeneração".

--- Questão [#013]
Existem algum órgão no Movimento Espírita dedicado exclusivamente à comunicação
social, ou divulgação da Doutrina?

Resposta: Sim, existem vários. Eu mesmo dirijo um deles, como presidente que
sou do Instituto de Comunicação Social Espírita, sediado em Goiânia. Mas, há
também, em praticamente todos os Estados do país, as "ADEs", as Associações de
Divulgadores do Espiritismo. E, todos nós, nos ligamos à Abrade, a Associação
Brasileira dos Divulgadores do Espiritismo, instituição de nível nacional que
sucedeu à famosa Abrajee, Associação Brasileira de Jornalistas e Escritores
Espíritas. Além disso, temos algumas emissoras de rádio e diversas instituições
e centros espíritas que patrocinam programas de rádio e televisão em várias
partes do país.
É preciso considerar, porém, que este é um movimento que poderia ter muito mais
pujança do que tem. Na verdade, o espiritismo brasileiro apóia muito pouco as
atividades de comunicação, especialmente aquelas que não se incluem nas
práticas referendadas por Allan Kardec (o livro e o periódico impresso, que
eram, afinal, os únicos suportes tecnológicos de comunicação social existentes
no século 19). Temos, normalmente, muitos recursos e voluntariado para
desenvolver atividades de assistência social, mediunidade e, até, de estudos,
mas as áreas de comunicação e artes, onde dão certo, é porque se criam
condições - nem sempre recomendáveis - de profissionalização, e, mesmo assim, é
uma regra quase geral existir um ambiente de extrema dificuldade para essas
iniciativas. Dificuldade, inclusive, que cresce exponencialmente, se o projeto
se encaminha mais para a comunicação do que para a divulgação...

--- Questão [#014]
Tenho notado que os jornais espíritas incentivam muito mais a dissensão,
combatendo idéias de outros espíritas, do que a união. Isso não é prejudicial
para a imagem do Espiritismo?

Resposta: Confesso que tenho a respeito uma idéia um pouco diferente da sua.
Meu olhar sobre a imprensa espírita - que é numerosa e pródiga, devemos convir
- me mostra muito mais um modelo de imprensa de tipo doutrinário, feita de
artigos, do que uma imprensa marcada pelo jornalismo, pela cobertura de fatos e
pela discussão de idéias. E, o mais interessante, é que o formato "artigo" está
classicamente inscrito no que se convencionou chamar "jornalismo opinativo",
mas é justamente a expressão da opinião aquilo que mais se teme e mais se
coibe, na nossa imprensa. Ou seja, privilegiam-se os artigos repetitivos, nos
quais apenas varia a forma de se dizer a mesma coisa, como num gesto ritual
dentro do qual apenas se permite a participação de todos na condição de nada
dizerem de novo, de apenas referendarem aquilo que já está publicado nos livros
consagrados.
Já tive oportunidade de dizer mais de uma vez, em público, que não há
jornalismo na imprensa espírita. Longe, portanto, amigo querido, de ver a
dissensão e a disputa de idéias na nossa imprensa espírita, o que seria
salutar, desde que não implicasse em preconceitos, exclusões e falta de
fraternidade, o que nela presencio é um formato editorial confirmatório e não
raro presunçoso (especialmente quando aborda assuntos científicos e
especializados).
Isso, penso eu, não é culpa de ninguém, e sim um problema cultural. Parece-me
que nós, espíritas, não temos sido capazes de enxergar a união senão na
justaposição instituída das idéias. Guardamos uma enorme dificuldade de
promover a unificação no clima das diferenças. Esquecemo-nos, não raro, que
unir não é enquadrar ou uniformizar, e sim manter o diálogo e a fraternidade,
sem excluir quem quer que seja. A formulação ética desse princípio fora certa
vez colocada pelo próprio Cristo: "Quem não for contra mim, é por mim".
Trazidas tais idéias para a prática do jornalismo espírita, penso francamente
que a nossa imprensa demanda uma reformulação de proposta, na qual se torne,
efetivamente, o fórum de debate dos conflitos doutrinários e práticos dentro do
movimento espírita - mas dando a voz a todos, e não privilegiando uns em
detrimento de outros. Que ela seja, além disso, o espaço público da interação
espiritismo-sociedade, tematizando o sofrimento humano, à luz do espiritismo,
e, também, dando voz às diferentes esferas da sociedade dentro do movimento
espírita. E, tudo isso, no regime da mais ampla fraternidade.

--- Questão [#015]
De que forma cada pessoa, individualmente, pode colaborar na divulgação da
Doutrina?

Resposta: Penso que a melhor forma de contribuir para a divulgação do
espiritismo é contratar ótimos publicitários e destinar grandes verbas para as
campanhas de propaganda, nos maiores meios de comunicação disponíveis.
Entretanto, se o que se busca não for simplesmente a divulgação, mas a
comunicação social espírita, conforme defini das questões anteriores, considero
que toda vez que alguém estabelece com outrem uma relação na qual existe
fraternidade efetivamente praticada. Para isso, considera-se fraternidade um
tipo especial de relacionamento, no qual não ocorre qualquer tipo de
indiferença social, no qual a presença da diferença do outro é respeitosamente
aceita e, mais do que isso, utilizada para que ambos aprendam um com o outro, e
no qual, finalmente, da forma que for possível, se construir o amor entre esses
seres em interação, sem que essa capacidade de amar seja condicionada à
extinção da diferença do outro.
Se houver isso, estará sendo estabelecida a comunicação não simplesmente como
difusão de uma filosofia ou conversão dos outros a ela, e sim como fundação de
um novo tipo de sociabilidade na terra: aquela pretendida por Jesus, ao definir
como seus discípulos não os que admitissem essa ou aquela idéia, esse ou aquele
postulado teórico, e sim aqueles que se amassem uns aos outros.

--- Questão [#016]
O que o Sr. Acha do aumento do uso de temas próximos ao Espiritismo em novelas
e filmes? Isso ajuda na divulgação?

Resposta: Indubitavelmente. Mais do que isso, esse aumento contribui para
introduzir os conceitos e a linguagem espíritas no imaginário popular
brasileiro. Evidentemente, as formas de apropriação desses conceitos obedecem
critérios próprios, ligados às condições de produção e reprodução da cultura,
em intenso sincretismo com referenciais e matrizes simbólicas já existentes.
Por tal razão, é possível se assegurar que o resultado da divulgação do
espiritismo em telenovelas e filmes será sempre diferente daquele que nós,
espíritas, pretenderíamos que fosse. Isso porque, para garantir referenciais
homogêneos no campo da cultura seria preciso uma enorme violência simbólica e
talvez física, mantida por ditaduras e perseguições (temos exemplos em
tragédias históricas como a Inquisição e o nazismo), mas, que, mesmo assim, não
se sustentariam por muito tempo.
Eis porque nós, espíritas, devemos estar convencidos de que converter o mundo
para as nossas idéias, dentro da "pureza" que pensamos que as distingue,
constitui uma tarefa inglória, porque para alcançá-la, teríamos que destruir a
ética do Evangelho por completo, e fracassada, porquanto nem mesmo os atos mais
violentos jamais conseguem perpetuá-la. Resta-nos, pois, o imperativo maior de
buscar não a hegemonia de uma doutrina, e sim o estabelecimento pragmático de
uma ética, a ética do amor e da fraternidade, dentro da diversidade dos
pensamentos e das práticas.

--- Questão [#017]
As reportagens nas revistas de comunicação, tipo Veja e IstoÉ, que trazem
informações às vezes equivocadas sobre o Espiritismo não são prejudiciais?

Resposta: Ressalvados os casos de enganos, que os jornalistas, por mais
criteriosos, sempre cometem, o que chamamos de "equívocos" são apenas as
discordâncias de pontos de vista entre o olhar do movimento espírita
organizado, que possui uma interpretação própria, estruturada, a respeito de si
mesmo e da doutrina que o inspira, e o olhar do jornalista, que nos identifica
na prática de sua profissão e colhe nossas idéias a partir de entrevistas e
observações colhidas às vezes do dia-a-dia de centros espíritas. A prática
jornalística é mestra em confrontar idéias instituídas pelos líderes
autorizados com aquelas comentadas e praticadas pelo cooperador ou o
frequentador comum das instituições. A abordagem do movimento espírita não
foge, evidentemente, a essa regra.
Além disso, há de se convir que o jornalismo também serve a propósitos e
interesses, e isso muitas vezes condiciona interpretações particulares que nem
sempre nos servem. Cabe ao nosso movimento assimilar cada vez mais o espírito
democrático e exigir da imprensa a pluralidade de idéias e visões, capaz de
contemplar uma visão larga e não restritiva de nosso movimento. Fazendo isso,
estaremos contribuindo não apenas para uma visão social mais justa do que somos
e fazemos, como também estaremos cooperando para uma sociedade na qual a
imprensa seja um lugar de promoção da democracia e da fraternidade.

--- Questão [#018]
Como fazer a comunicação do Espiritismo para as classes mais pobres da
população, que não tem acesso às informações mais elaboradas?

Resposta: Eis aí uma questão essencial e que vem sendo cada vez mais sentida em
nosso movimento. Tardiamente, nós, os espíritas, temos descoberto a dificuldade
que temos tido em dialogar com as camadas mais humildes da sociedade,
especialmente aquelas que não lêem ou não têm, por razões diversas, acesso a
livros ou condições de entendimento de nosso linguajar. Essa dificuldade acaba
retratada na composição dos espíritas nos índices demográficos brasileiros,
sempre no alto da pirâmide social.
Esse tipo de situação é particularmente interessante, sobretudo se levarmos em
conta que o nosso movimento se construiu ao longo do século vinte sendo
legitimado pela enorme e abrangente obra social que sustentou. Como é possível
- perguntamos hoje - um movimento que, à época de Bezerra de Menezes, era a
opção dos pobres do Rio de Janeiro, conforme reconheciam as próprias
autoridades estatais daquele período, estabelecer-se de forma tão nítida nas
classes médias e médias altas da sociedade brasileira?
A resposta, sem dúvida dolorosa, parece ser a de que a nossa caridade,
provavelmente, ainda é excludente. É como se, no próprio ato de praticá-la,
reproduzíssemos e mantivéssemos a situação de desigualdade e divisão de classes
da nossa sociedade. Se esta interpretação for verdadeira, temos um problema
enorme diante de nós, que ultrapassa em muito a questão de adotarmos uma
linguagem que atinja as camadas menos esclarecidas.
Esta é uma das razões mais fortes para, hoje, preferirmos adotar um prisma
centrado na comunicação, traduzida como relação social em padrões de ética
espírita, em lugar de um orientado para a divulgação do espiritismo. O nosso
problema não é tanto o de divulgar o espiritismo, quanto é o de estabelecer uma
relação social em que a fraternidade e a justiça social se estabeleçam na
prática.
Se não fizermos isso, temo que acabaremos restringindo o espiritismo a uma mera
religião institucionalizada e conservadora, em concorrência com as demais, à
procura de adeptos no mercado religioso, momento em que, certamente, o trabalho
de Jesus, de transformação espiritual do mundo, continuará em outro lugar...
Mas, parece-me evidente que temos, no meio espírita brasileiro, informação e
inteligência suficientes para investigarmos a fundo os nossos próprios
problemas e partirmos decididamente a resolvê-los, alterando, o quanto for
necessário, o rumo de nossas práticas. E, confesso-lhes com sinceridade, é essa
esperança o que me move hoje.

Autor: Luiz Signates

Todo esse material provém dos sites: CVDEE - Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo e da Revista Eletrônica O Consolador.

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