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Acredita você que tenhamos perdido o fio da inspiração, se é que o possuímos em algum tempo, e acentua que, na condição de espírito desencarnado, assemelhamo-nos hoje a outra pessoa, inidentificável e distante, para não dizer idiota e pueril. Declara que sente falta de graça, em nossas crônicas atuais, “insulsas e vagas”, qual se houvéssemos perdido o contacto com a Terra e com os homens, esquecendo a literatura e acriançando o pensamento.

Queria você que nos detivéssemos nos chamados assuntos palpitantes do mundo, efetuando o “strip-tease” desse ou daquele escândalo, no palco da imprensa, com objetivos de regeneração dos costumes, como se não conhecêssemos, e de sobra, o picadeiro da pilhéria humana, onde, por mal de nossos pecados, já desempenhamos a função de palhaço. Afirma, ainda, que teríamos olvidado a Mitologia e o gosto das citações para nos acomodarmos “tão somente ao estilo trivial dos que ensaiam frases comoventes para conforto de estivadores e lavadeiras”, como se lavadeiras e estivadores não fossem gente igual a nós.

Que não desfrutamos competência para a arte da redação, é coisa vulgarmente sabida. Se há o que estranhar em sua carta é a impressão de que nos acharíamos presentemente modificados, o que, em verdade, não sucede. Sou o mesmo jornalista desenxabido, sem a ilusão de estar servindo caviar no cardápio das letras, quando apenas dispõe de algum refogado pobre para oferecer aos amigos.

Em socorro do que asseveramos, basta recorrer às informações do nosso colega Eloy Pontes, quando escrevia as suas impressões em “O Globo”, de há bons trinta anos. Esse distinto crítico de nossa lavoura livresca, em páginas saborosas, que se transferiram do jornal para a sua primeira série de “Obra Alheia”, assegurou a nosso respeito: “Lida uma das crônicas atuais do Sr.......... estão lidas todas. Ele é monocórdio...”.

E acrescenta noutro passo da mencionada apreciação, em se referindo a nós: “Ele não tira coisa alguma de si. Não é o que se denomina, geralmente, um inspirado. É um paciente. Os velhos assuntos bíblicos, os antigos elementos das lendas orientais, os pretextos cediços de símbolos que o tempo impôs, formam a arquitetura do volume. O Sr........... pertence ao número dos que escrevem porque leram. Não descobrimos, ao longo destas páginas, nenhum sinal de emoção própria. As emoções aqui são de reminiscências. De resto, recapitulando os volumes que vêm enfileirados na bibliografia do autor, sentimos que sua obra em prosa também se fez de alinhavos, de remendos, de chiffons”.

Não nos reportamos aos apontamentos do estimado companheiro, com a idéia de lançar pimenta no assunto, mas para confirmar, com sinceridade, que ele se expressava, desse modo, com plena razão.

Francamente, meu caro, o que produzimos hoje, através de um médium, é tão sem originalidade agora quanto antes. Carregando o carro enxundioso da vida física ou
envergando o envoltório mais leve do plano espiritual, mu cérebro é a mesma lamparina de artesão, com que lavro a canivete a preciosa madeira do vernáculo, que tantos filigranam com o buril da inteligência, inflamado a fogo sagrado de inspiração.

Não inculpe, assim, as antenas medianímicas, com relação à minha pobreza intelectual. Se nos exprimimos, na situação de escriba anônimo da verdade, cada vez mais despretensiosamente, creia que nunca é tarde a fim de reconhecer que o jornalista ou o escritor, por mais insignificantes, qual acontece em meu caso, são chamados pela vida a escrever para os outros e não para si mesmos. E, atingindo semelhante conhecimento de posição, é imperioso anotar o que estamos fazendo com os poderes mágicos do alfabeto.

Escrever, sim, mas escrever com proveito, entendendo-se que a pena é o instrumento da palavra e a palavra edifica e destrói, tanto quanto rebaixa ou santifica.

Isso é o que, em sã consciência, nos sentimos na obrigação de explicar-lhe. Quanto a estarmos funcionando, no domínio das letras, “tanto tempo depois de morto”, qual proclama você, supomos que isso ocorre à face de caridosa concessão da Misericórdia Divina, de vez que não escondo a alegria de poder trabalhar com as palavras, embora isso, no fundo, deva constituir igualmente uma provação. Esteja certo, entretanto, de que aspiramos, profundamente, agora, a lidar com as letras, no terreno do espírito, com a cautela de um lavrador que se esmerasse em cultivar batatas, depois de muita desilusão com as plantas empregadas na valorização dos entorpecentes.

Isso, meu prezado amigo, é o que vamos atualmente procurando aprender e fazer, desejando, porém, que você, ao chegar aqui, venha a conseguir coisa melhor.


Por: Irmão X, Do livro: Cartas e Crônicas. Médium: Francisco Cândido Xavier


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