O Regresso de Simão Pedro, por Maria Dolores
Rogativa e Ação
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Nas asas veludosas do sono, chegou o aprendiz ao Palácio Resplandecente da
Grande Esfera. Diante da luz que o circundava, suas vestes pareciam constituir
pesada túnica de lodo negro. Ofegante de júbilo, encontrou um mensageiro que o
aguardava, atencioso, no pórtico. Deslumbrado, ajoelhou-se e exclamou em
lágrimas:
– Emissário dos Céus, meu espírito enlameado na carne vive prisioneiro da
angústia sem esperança. Em vão procuro a felicidade – mito dos mortais que
vagueiam na Terra! Sonho com a paz, desde os albores da existência, entretanto,
vivo na luta incessante do mal. Em derredor de mim estende-se a treva
impenetrável do sofrimento!... Detesto a dor, mas embalde lhe fujo aos grilhões!
Atormento-me por atender às obrigações espirituais que a fé me conferiu nos
caminhos do mundo, todavia, afronta-me a adversidade em toda parte. Os homens
não me compreendem, as circunstâncias repelem-me e, em todas as situações, sinto
o gume afiado da zombaria alheia. Ridicularizam-me os maus, enquanto os bons se
desinteressam de minha sorte! os ignorantes, preguiçosos, em demasia,
menosprezam-me o concurso e os sábios, excessivamente ocupados, não me dispensam
consideração.
Perseguição por dificuldades sem conta, sinto-me encarcerado em pesadas
correntes de desespero. Ouço o sublime convite do Evangelho da Luz, mas
permaneço sitiado nas sombra pelos obstáculos e tropeços de toda sorte. Se, num
esforço supremo, tento abraçar a verdade, encontro multidões de exploradores
cínicos e de mentirosos sem consciência!... No círculo de meus familiares, o
infortúnio e a aflição constituem a, recompensa aos meus serviços. Sou, talvez,
uma peça útil na maquinaria doméstica pela expressão econômica de minha
presença, contudo, sinto frio e sede porque ninguém se recorda de minha
necessidade de conforto!...
Nesse instante, soluços angustiosos escaparam-lhe do peito opresso. E porque o
mentor amigo continuasse em silêncio, embora a compaixão que lhe transparecia do
olhar, o peregrino continuou em pranto:
– Viverei assim todo o tempo de minha permanência na carne? não terei direito à
paz, à misericórdia? caminharei como condenado a tormento infernal, quando há
tantas mãos que abençoam e bocas que sorriem nas estradas humanas? que fazer
para remediar a situação dolorosa e terrível?
O emissário fixou nele os olhos muito lúcidos e respondeu com serenidade:
– Não chores por dificuldades imaginárias e nem te refiras a ingratidões
inexistentes.
Chora por ti mesmo, pela tua escolha individual no campo da luta! Cercou-te o
Senhor de dádivas sublimes. Deu-te o dia radiante de sol e a noite iluminada de
estrelas, para que busques a libertarão, mas preferes o encarceramento no escuro
abismo da primitiva animalidade. Foste à carne viver em nome dÊle, Divino Doador
das Bênçãos, contudo, teimas em viver exclusivamente em nome do teu velho
egoísmo. Queres efetivamente a felicidade? faze a felicidade dos outros.
Procuras a paz? começa por apaziguar os próprios desejos e extinguir as paixões
inferiores que te vibram no ser. Falta-te a colaboração alheia? é que ainda não
cooperaste realmente para o bem. Pretendes que os demais se afeiçoem aos teus
propósitos, despreocupando-te das necessidades alheias.
A essa altura, o mendigo terrestre enxugava os olhos, embora continuasse
genuflexo.
Parecia surpreendido, porquanto ao invés de consolação recebia esclarecimento.
– A imponderação – continuou o mensageiro –, como acontece a muita gente,
viciou-te o dom da palavra. Grande é a tua eloquência para exprimir a queixa e
profunda a sutileza com que disfarças a realidade de teu mundo íntimo. Ainda não
ajudaste os ignorantes, nem respeitaste os sábios. Ao contacto com os primeiros,
é preciso exercer a bondade e a paciência, o entendimento e o perdão, e, no
convívio dos segundos, é necessário não esquecer a humildade e o aproveitamento,
a aplicação e o serviço. E, se choras no círculo da família, muitas vezes bebes
o fel do desespero, porque, negando-te à compreensão e ao carinho fraternal,
ofereces recursos materiais aos companheiros no sangue.
Talvez porque o interpelado revelasse extrema perturbação no rosto, o emissário
ofereceu lhe o braço amigo e terminou:
– Volta ao serviço terreno, meu irmão, em nome de Nosso Divino Senhor! Perdoa e
auxilia, trabalha e espera, praticando o bem e esquecendo o mal.
O peregrino da Terra estava confundido e humilhado, mas o mensageiro amparou-o,
seguindo-lhe os passos, no retorno ao corpo físico.
Convidado, acompanhei-os, com emoção.
A manhã ensolarada enchia-se de cânticos festivos.
O nosso amigo acordou, vestiu-se e, ao café, uma senhora simpática indagou,
humilde:
– Meu filho, que direi aos companheiros que te pedem concurso para os
tuberculosos desamparados?
– Nada! – resmungou êle – estou farto de gente má.
A respeitável matrona voltou a perguntar:
– E aos amigos de nossas atividades espiritualistas?
– Diga-lhes que não! não estou disposto a suportar imbecilidades.
– Meu filho! meu filho!... – exclamou a senhora, com inesquecível inflexão de
voz.
– Estou entediado, minha mãe! não me dê conselhos! – replicou êle
agressivamente.
O generoso orientador dispôs-se ao regresso e disse-me sem mágoa:
– Viu? Inúmeros amigos encarnados rogam, com enternecimento, a proteção divina,
mas fogem a ela com indiferença e brutalidade.
E num sorriso sereno:
– Deixemo-los! Tentamos ajudá-los com a luz da verdade e do amor, mas preferem
esperar pelas trevas da dor e da morte.
Por: Irmão X, Do livro: Lázaro Redivivo. Médium: Francisco Cândido Xavier
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