Em Louvor da Caridade, por Fabiano de Cristo
Em Dificuldades
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Reajustado, notei que podia enfrentar os conflitos da hora, sem embaraços de
vulto.
O Irmão Andrade acentuou que, livre dos últimos remanescentes do corpo carnal,
eu conseguiria aproximar-me dos amigos, sem choques de maior importância,
aconselhando, porém, a não me avizinhar em demasia das vísceras cadavéricas, em
cuja contemplação, talvez fosse acometido por impressões desequilibrantes.
As novidades sucediam-se umas às outras.
Aquinhoado por visão mais segura, reparei estupefado, que desencarnados em
grande número se apinhavam ao redor.
Entidade menos simpática, quase rente a nós, dizia para outra que lhe era
semelhante:
-O enterro é do velho Jacob, aquele mesmo, que nos doutrinou, há tempos. Não se
recorda?
-Perfeitamente – respondeu o interlocutor, gargalhando -, daria tudo para ver
lhe a “cara’”.
Riram-se gostosamente. Memória funcionando sem empecilhos, registrando-lhes os
apontamentos sarcásticos, localizei-os na lembrança.
Eram perseguidores de uma jovem internada numa casa de nervos. Evoquei as
particularidades da reunião em que me havia entendido com eles. Achava-me
sumamente enfraquecido. Mesmo assim, gostaria de responder-lhe. Rememorei o
interesse com que eu recebera a descrição da médium vidente, em relação a ambos,
e confirmava, admirado, por mim mesmo, os informe com que fora presenteado.
Sacrificaria muita coisa para interpela-los, fazendo-lhes sentir o erro em que
laboravam, e dispunha-me a interferir, quando o Irmão Andrade me controlou, os
impulsos, acrescentando:
-Não faça isso! Provocaria contenda desagradável e inútil. Além do mais, eles
não nos vêem. Respiram noutra faixa vibratória.
Realmente, procediam como se nos não vissem. Permaneciam junto de nós, sem
perceber-nos, tanto quanto noutro tempo me movimentava, por minha vez, ao pé das
entidades desencarnadas, sem notar-lhes a presença.
-Haverá tempo – frisou o amigo, bondoso e calmo.
Observando-me o encorajamento, conduziram-me os três à vizinhança imediata do
corpo hirto.
Não obstante as melhoras de que me sentia possuído, não consegui atravessar a
onda de força que se improvisara ao longo dos veículos.
Desejava ardentemente penetrar o recinto doméstico e, sobretudo, espargir, sobre
os entes amados que ficariam distantes, os meus pensamentos de amor,
reconhecimento e esperança. Bezerra, porém, avisou prudentemente:
-Não insistamos. É desaconselhável por agora, a perda de reservas.
Contentei-me, buscando avistar amigos nos automóveis.
Grupinho de conhecidos atraiu-me a atenção. Avancei para eles, mas fui
constrangido a afastar-me, decepcionado. Comentavam a política, em agressiva
atitude. Mergulhavam a mente em disputas desnecessárias.
Pela primeira vez, verifiquei que os Espíritos inferiores não se comunicam
somente nas sessões doutrinárias. A palestra, apesar de desenvolver-se discreta,
apresentava notas de intercâmbio com o plano invisível, em cujos domínios
ingressava eu, receoso e encantado. Um amigo expressava-se quanto os problemas
da vereança municipal, perfeitamente entrosado com uma entidade menos digna que,
ali ante meus olhos espantados, o subjugava quase que por completo, obrigando-o
a proferir sentenças desrespeitosas e cruéis.
Retrocedi, instintivamente.
-Você, Jacob – falou Bezerra, em tom grave -, por enquanto ainda não pode
suportar estes dardos mentais.
Encaminhamo-nos, então, para outro ângulo da rua.
Descobri nova agremiação de pessoas às quais me afeiçoara profundamente.
Busquei-lhes a companhia, ansioso, seguido de perto pelos benfeitores; contudo,
outra desilusão me aguardava. Falava-se em voz baixa, sobre as despesas
prováveis com o enterramento dos meus despojos. Emitia-se julgamento apressado,
envolvendo-me o nome em impressões desarmoniosas e rudes.
Recuei, como já o fizera.
Bezerra abraçou-me, compreensivo, e receitou paciência.
Abeirava-me de profundo desalento, quando não longe, em certo veículo, observei
a formação de lindos círculos de luz.
O Irmão Andrade, atendendo-me à indagação silenciosa, esclareceu:
-Naquele carro, temos a claridade da oração sincera.
Pedi aos protetores me auxiliassem a procurar semelhante abrigo, mais depressa.
Alcancei-o e rejubilei-me. Alguns companheiros ofertavam-me os recursos da prece
santificante. Tamanho dói o meu contentamento que quase me ajoelhei, feliz.
Aquela rogativa que formulava a Jesus, em benefício de minha paz, constituía
dádiva celeste. Do pequeno conjunto emanava energia confortadora que me
penetrava à maneira de chuva balsâmica.
A oração influenciara-me docemente.
Creio que os recém-desencarnados quase sempre necessitam do pensamento fraterno
dos que se demoram no círculo carnal. Explicou Bezerra que os recém-libertos
comumente precisam do socorro espiritual dos entes queridos para se
desembaraçarem sem delonga dos liames que ainda os prendem à experiência
material.
Com o auxílio dos que ficam, aqueles que partem seguem mais livremente ao
encontro do porvir.
Por: Irmão Jacob, Do livro: Voltei. Médium: Francisco Cândido Xavier
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