Apreciando Satélites, por Irmão X
Deus Seja Louvado
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No recinto ataviado, aqueles dezenove companheiros da prece conversavam
animadamente, embora a noite gélida.
Comentava-se o devotamento de muitos, dos africanos -desencarnados que, não
obstante libertos do vaso físico, prosseguem nas mais nobres tarefas de auxilio.
E, enquanto aguardavam o horário fixado para o início da sessão mediúnica, todas
as opiniões mantinham estreita afinidade nos pontos de vista.
- Realmente - afirmava Dona Celeste -, jamais pagarei o que devo a esses heróis
anônimos da humildade. Há muitos anos venho recebendo de todos eles os mais
amplos testemunhos de amor.
- Lembram-se daquela entidade que se fazia conhecer por "mãe Felícia"? -
perguntou Dona Ernestina ao grupo atento. - Desde que ela me administrou passes
aos pulmões enfermos, minha recuperação foi completa.
- E o nosso adorável Benedito? - considerou Félix, o fervoroso padeiro que
dirigiria o culto da noite - ainda não recorri a ele sem resultado. Em todas as
circunstâncias é o mesmo admirável amigo. Abnegado, diligente, sincero...
- Eu - aclarava Dona Adélia -, tenho como generoso protetor um ,velho africano
que se dá a conhecer por "pai Amâncio". É um modelo de paciência, ternura e
bondade. Parece ter trazido da escravidão todo um tesouro de sabedoria e
carinho...
- Isso mesmo - ajuntou Fernandes, companheiro atencioso do círculo -, é
indispensável saibamos que muitas dessas entidades, aparentemente apagadas e
simples, são grandes almas de escol no progresso da inteligência, que se
vestiram de escravos, ao tempo do cativeiro, conquistando a grandeza do coração.
Quantos sábios de outrora surgem por trás desses nomes humildes, lavando as
nossas mazelas e curando as nossas chagas?
- Sim, sim... - ponderava Ernesto, caloroso defensor da caridade na pequena
assembléia - e, sobretudo, devemos aprender com eles a ciência do amor
desinteressado e puro. Nunca os vi desesperar à frente de nossos petitórios
incessantes... Como lhes negar a nossa admiração e respeito Incondicionais?
A conversa prosseguia, no mesmo tom, até que as oito pancadas do relógio fizeram
que Félix convocasse o pessoal ao silêncio e à oração.
Os dezenove amigos consagraram-se a alguns minutos de leitura e comentário de
precioso livro evangelizante e, em seguida, Dona Amália, a médium mais
experiente da equipe, albergou o irmão Benedito, denodado benfeitor do
agrupamento, que, ao se apresentar, foi logo interpelado de maneiras diversas
pelos circunstantes.
Dona Celeste rogou-lhe amparo em favor de um mano desempregado, Dona Adélia
pediu ajuda para a solução de velha pendência que lhe levara o nome a um
tribunal, Ernesto solicitou concurso para deteml1nado tio, portador de úlcera
gástrica... .
E não houve quem não formulasse requisições e perguntas.
O velho africano respondeu a todos com invariável benevolência e, afinal,
encerrando a reunião, falou, emocionado, pela médium:
- Meus amigos, há longos anos estamos juntos...
Para nós, os irmãos desencarnados, esse largo convívio tem sido uma bênção...
Hoje, invocamos nossa amizade para suplicar-lhes sublime favor...
Com muita alegria, sentimo-nos ainda felizes escravos de vocês todos... Em todos
vocês, encontramos filhos do coração cujas dificuldades e dores nos pertencem...
Ah! meus filhos, mas, em verdade, temos também nossos descendentes na Terra!
Nossos rebentos, nossos netos... Quantos deles vagueiam sem rumo! Quantos
suspiram pela graça do alfabeto!
Quantos se perdem nos morros de sofrimento ou nos vales de treva, entre a
ignorância e a miséria, a enfermidade e a viciação! Não seria melhor fossem eles
cativos nas senzalas do trabalho que prisioneiros nos charcos do crime?
É por isso que vimos rogar a vocês caridade para eles.. .
São milhares de criancinhas abandonadas, assim como folhas de arvoredo no
vendaval!...
Peço-lhes, de joelhos, para que venhamos a iniciar uma cruzada de amor, na
solução de problema assim tão grave...
Se cada um de nossos amigos abrigar um só de nossos pequeninos, na intimidade do
templo doméstico, ofertando-lhes o nível de experiência em que sustentam a
própria família, decerto que, em pouco tempo, teremos resolvido o enigma
doloroso...
Não lhes rogo a fundação de abrigos para meninos de pele escura. .. Isso seria
alimentar a discórdia de raça e dilatar a separação. Suplico-lhes um pedaço de
lar para eles, um pouco de carinho que nasça, puro, do coração.
Se vocês iniciarem semelhante trabalho, o bom exemplo estará vicejando e
produzindo frutos de educação e luz na prática fraterna...
O amigo espiritual entregou-se a longa pausa, como quem observava o efeito de
suas palavras; entretanto, como ninguém rompesse a quietude, insistiu, generoso:
- Quem de vocês desejará começar?
Constrangidos, assim, à resposta direta todos os companheiros se revelaram entre
a evasiva e a negação.
Dona Celeste alegou a condição de esposa sacrificada por marido exigente.
Dona Ernestina acusou-se velha demais para ser útil numa iniciativa de tão
elevado alcance.
Dona Josefa explicou que tinha a existência presa aos caprichos de uma filha que
lhe não concedia o menor prazer.
Ernesto clamou que o tempo lhe fugia em carreira desabalada. . .
Ninguém poderia corresponder favoravelmente à petição. .
Estavam todos doentes, fatigados, velhos, sacrificados ou sem horário suficiente
para a lavoura do bem.
E o próprio Félix, a quem cabia o governo da casa, explicou em voz sumida:
- Quem sou eu, pequenino e miserável servo do Senhor, para encetar um
empreendimento assim tão grande?
Foi então que o benfeitor espiritual, sentindo talvez o frio ambiente, encerrou
o assunto, dizendo, resignado:
- Benedito compreende, meus irmãos! Sabemos que vocês nos ajudarão, quanto seja
possível..
Até a semana próxima, quando estaremos novamente aqui, aprendendo com vocês as
lições do Evangelho de Nosso Senhor...
E, sorrindo desapontado, despediu-se afirmando como sempre:
- Que Deus seja louvado!
Por: Irmão X, Do livro: Contos e Apólogos, Médium: Francisco Cândido Xavier
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