O Regresso de Simão Pedro, por Maria Dolores
Definindo Rumos
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Afirma você, meu amigo, que desejaria colaborar nos trabalhos do Espiritismo
cristão, seduzido pela beleza da doutrina dor'>consoladora, mas acrescenta que a
complexidade do assunto lhe apavora o coração.
Encontrei – diz você, aterrado – as mais estranhas manifestações, desde o médium
que se enquadrou no Evangelho, qual sacerdote, ao profeta grosseiro, que maneja
o punhal em ritos misteriosos, cabriolando no chão, como o velho capoeira
carioca. Há grupos que se dizem orientados por Espíritos de filósofos e outros
que se afirmam dirigidos pelo caboclo Manassés ou por Pai Mateus, antigo escravo
de recuada província do Brasil imperial. Em certas casas, ensina-se a cultivar a
prece improvisada, com os valores espontâneos do cordão; em outras, preconiza-se
a repetição de determinado número de “padre-nossos”. Em alguns lugares, a
doutrinação é serena, como a palestra em residência de criaturas educadas no
código de boas-maneiras; em outros, porém, verificam-se balbúrdias e gritarias.
Não admite a minha perplexidade? não terei razões para o afastamento?
E você, de fato, retirou-se e permanece à margem.
Respondendo, todavia, com lealdade, à sua pergunta, asseguro que lhe falta
razão. Como acontece a muita gente, você notou a extensão do trabalho e preferiu
a poltrona cômoda de sua casa. Estima excessivamente o “seu mundo” para
atirar-se ao concurso educativo. Em verdade, sua mente não mais alberga qualquer
dúvida, referentemente à vida eterna. A sobrevivência do homem, após a morte do
corpo físico, é para você problema liquidado. E quando se encontra no café da
avenida, junto de amigos gastadores de tempo, ou nos salões elegantes, ao lado
de senhoras chiques, você timbra em contar, com graças, suas experiências no
campo vasto e acolhedor do Espiritismo fenomênico. De quando a quando, quebra a
ponta do cigarro, no cinzeiro de adorno, e prossegue no anedotário brilhante.
Conta as ocorrências, em fraseologia de efeito, e enquanto cavalheiros e damas
inteligentes se referem a René Sudre e Charles Richet, você conclui asseverando
que, de fato, lhe foi impossível continuar o exame do assunto, em virtude das
contradições e exotismos existentes. É digna de nota a circunstância de jamais
aludir ao ponto de partida de suas indagações. Esqueceu-se de que procurou a
convivência dos companheiros humildes do grupo espiritista cristão, assediado
por terríveis angústias, diante dos sofrimentos indizíveis da alma sem fé.
Recebeu novo material de pensamento para o cérebro vazio e ganhou esperanças
para o coração desalentado, mas, em seguida ao reconforto, você olvidou os
benfeitores da véspera e multiplica referências acrimoniosas e irônicas.
Pudéssemos, porém, pedir-lhe alguma coisa e não nos lembraríamos da flor da
gratidão, raríssima no solo arenoso do planeta. Recordaríamos tão somente,
perante o seu raciocínio de homem culto, a necessidade de compreensão e
conhecimento.
Relaciona, você, complexidades e obstáculos, dificuldades e divergências, mas
estará procurando, porventura, a “doutrina, do prato feito”? Onde se encontra a
Ciência que haja nascido completa das mãos dos iniciadores? O Espiritismo, como
oficina de sabedoria e amor, aperfeiçoamento e iluminação, é instituto mundial
de trabalho incessante, onde não há palanque para espectadores ociosos.
Refere-se aos “indianismos” e “africanismos” de inúmeras manifestações da
fenomenologia, mas já pensou maduramente na expressão moral desses
acontecimentos? tem lido o histórico de nossa evolução coletiva?
Quem recebeu, na terra farta de Santa Cruz, os europeus esgotados por lutas
sangrentas, abrindo-lhes caminhos novos à realização espiritual,
transformando-se em escravo sofredor dos conquistadores inteligentes? não foi,
acaso, o índio? Você, que condenou o ataque italiano à Abissínia, no século XX,
reconhecendo que os filhos de Adis-Abeba são igualmente filhos de Deus, como os
romanos ilustres, também admitirá que Deus não existia no século XVI e que os
povos simples da América não eram dignos do amparo celestial? Desconhece o que
fez Pizarro, o tirano espanhol, diante dos americanos ingênuos que nele
confiaram? E os africanos? quem os arrebatou da terra natal, arrebanhando-os,
como a animais, a fim de aproveitar-lhes o braço forte nas construções do Mundo
Novo? quem os assassinou, devagarinho, em navios infectos, e vendeu os que
resistiram à morte, aos cruéis senhores do feudalismo rural? E é justamente
você, meu amigo, leitor assíduo da História, quem admira, com falsa ingenuidade,
as manifestações dos nossos irmãos, ainda encarcerados no rudimentarismo da
forma? Entretanto, Pai Mateus e Mãe Ambrósia, a que se refere com tanto
sarcasmo, foram pajens carinhosos de seus bisavós, furtaram o leite dos próprios
filhinhos para que os seus antepassados vivessem, e choraram, na senzala, em
segredo, quando os seus recuados parentes lhes prostituíram as filhas,
vendendo-as, logo após, com frieza e ferocidade, aos tiranos do cativeiro.
Não considera, você, que todos nós, espíritos de inteligência requintada, mas de
sentimento galvanizado no mal, somos devedores antigos dessas almas virtuosas e
nobres, embora muitas vezes cristalizadas em velhos hábitos que lhes retardam o
progresso intelectual? quem estará mais errado, perante Deus? elas, que
atrasaram o cérebro, ou nós que endurecemos o coração?
A morte não é um banho miraculoso de sabedoria, repetiremos ainda e sempre.
Somos tais quais fomos, tendendo para o melhor, porque a evolução não dá saltos,
como o trapezista suspenso no ar por um fio de arame.
O Espiritismo é tão complexo, como qualquer serviço de educação. E se
encontramos numerosas entidades de africanos e indígenas, em nosso ministério
espiritual, é que o Senhor nos chama ao pagamento do enorme débito para, com
aqueles que nos serviram a todos, nestes últimos quatro séculos, na terra
abençoada e farta do Brasil.
Como vê, a nova doutrina dor'>consoladora pede colaboradores de consciência bem
formada e não críticos de raciocínio brilhante.
Se você deseja trabalhar, com sinceridade, procure o seu lugar na oficina do
serviço educativo e ajude na obra coletiva do bem, convicto de que Jesus inspira
a todos os cooperadores de boa vontade. Mas se você não quiser, faça o possível
por calar-se, sente-se na sua poltrona e espere o futuro.
Por: Irmão X, Do livro: Lázaro Redivivo, Médium: Francisco Cândido Xavier
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