Cólera
Antônio Sobreira, a caminho da garagem onde mantinha pequena frota de
caminhões, foi ver a mãezinha doente, que lhe pediu, logo após rápidos instantes
de conversa:
— Meu filho, tenha cuidado contra a irritação. Em nossa reunião espírita de
ontem à noite, nosso velho amigo Silvério Barcas, desencarnou num ato de
imprudência, conclamou a todos trabalhassem contra a cólera. E você tem estado
muito nervoso...
— Não se aflija, mãe — respondeu sorrindo.
Entretanto, mal dera alguns passos na rua, foi procurado por um motorista, que
lhe disse:
— “Seu” Antônio, venha depressa. O Avelino, seu irmão, atropelou o seu filho.
Indignado, Sobreira entrou no veículo, como fera, e daí a minutos estava, de
novo, à frente de casa.
Aglomerava-se o povo em torno de larga mancha de sangue.
Avelino, o seu irmão, dirigiu-se para ele e rogou, transtornado:
— Antônio, perdoe-me! Vinha passando em marcha regular, quando o Antoninho
atravessou... Foi questão de um segundo...
— Onde está meu filho? — gritou Sobreira.
Uma senhora logo afirmou que o menino acidentado fora conduzido no colo materno
para o hospital, junto de dois médicos que haviam passado, momentos antes.
— Você pagará tudo — falou Sobreira, aos berros para o irmão. — Arranjei o
caminhão para você, a fim de matar a fome de sua família, e você mata o meu
filho?! Mas você hoje me pagará tudo...
E sem ouvir mais nada, avançou para o pobre motorista, aos murros, deixando-o no
chão com várias escoriações e equimoses.
Em seguida, cego de fúria, toma o automóvel, mas, atingindo o hospital, encontra
na portaria a esposa sorridente, com o filhinho feliz.
— Graças a Deus — diz ela ao esposo —, nada aconteceu. Antoninho não teve um
arranhão.
E o sangue no asfalto? — pergunta Sobreira, varado de assombro e remorso.
Somente então veio a saber que o sangue pertencia ao cachorro de estimação — o
Totó, que acompanhava o menino, e que os médicos que haviam atendido, de
passagem, eram ambos veterinários.
Naquele instante, Sobreira, recordando as palavras de sua mãe, não pôde sofrear
as lágrimas de arrependimento...
Hilário Silva