Preciosidade Esquecida em A Gênese
Convenhamos com honestidade. Ficamos nos batendo em tantas questões
absolutamente dispensáveis e medíocres e esquecemos o essencial. O conhecimento
espírita, sempre disponível e com ampla facilidade de consulta – ressaltando-se
a qualidade expressiva de muitos conteúdos – remete-nos naturalmente a uma
intensa alegria e gratidão à vida por tantas oportunidades de aprendizado.
Um texto esquecido, como tantos outros, está em A Gênese, no capítulo VI –
Uranografia Geral, exatamente no item 2, abordando a velha questão do tempo.
Transcrevo na íntegra (o texto não é longo), estimulando o leitor à leitura,
dada a grandeza do texto e a reflexão de entusiasmo a que remete. Sugiro leitura
atenta. O texto é muito precioso.
“2. Como a palavra espaço, tempo é também um termo já por si mesmo definido.
Dele se faz ideia mais exata, relacionando-o com o todo infinito. O tempo é a
sucessão das coisas. Está ligado à eternidade, do mesmo modo que as coisas estão
ligadas ao infinito. Suponhamo-nos na origem do nosso mundo, na época primitiva
em que a Terra ainda não se movia sob a divina impulsão; numa palavra: no começo
da gênese. O tempo então ainda não saíra do misterioso berço da natureza e
ninguém pode dizer em que época de séculos nos achamos, porquanto o balancim dos
séculos ainda não foi posto em movimento.
Mas, silêncio! soa na sineta eterna a primeira hora de uma Terra insulada, o
planeta se move no espaço e desde então há tarde e manhã. Para lá da Terra, a
eternidade permanece impassível e imóvel, embora o tempo marche com relação a
muitos outros mundos. Para a Terra, o tempo a substitui e durante uma
determinada série de gerações contar-se-ão os anos e os séculos.
Transportemo-nos agora ao último dia desse mundo, à hora em que, curvado sob o
peso da vetustez, ele se apagará do livro da vida para aí não mais reaparecer.
Interrompe-se então a sucessão dos eventos; cessam os movimentos terrestres que
mediam o tempo e o tempo acaba com eles. Esta simples exposição das coisas que
dão nascimento ao tempo, que o alimentam e deixam que ele se extinga, basta para
mostrar que, visto do ponto em que houvemos de colocar-nos para os nossos
estudos, o tempo é uma gota d’água que cai da nuvem no mar e cuja queda é
medida.
Tantos mundos na vasta amplidão, quantos tempos diversos e incompatíveis. Fora
dos mundos, somente a eternidade substitui essas efêmeras sucessões e enche
tranquilamente da sua luz imóvel a imensidade dos céus. Imensidade sem limites e
eternidade sem limites, tais as duas grandes propriedades da natureza universal.
O olhar do observador, que atravessa, sem jamais encontrar o que o detenha, as
incomensuráveis distâncias do espaço, e o do geólogo, que remonta além dos
limites das idades, ou que desce às profundezas da eternidade de faces
escancaradas, onde ambos um dia se perderão, atuam em concordância, cada um na
sua direção, para adquirir esta dupla noção do infinito: extensão e duração.
Dentro desta ordem de ideias, fácil nos será conceber que, sendo o tempo apenas
a relação das coisas transitórias e dependendo unicamente das coisas que se
medem, se tomássemos os séculos terrestres por unidade e os empilhássemos aos
milheiros, para formar um número colossal, esse número nunca representaria mais
que um ponto na eternidade, do mesmo modo que milhares de léguas adicionadas a
milhares de léguas não dão mais que um ponto na extensão. Assim, por exemplo,
estando os séculos fora da vida etérea da alma, poderíamos escrever um número
tão longo quanto o equador terrestre e supor-nos envelhecidos desse número de
séculos, sem que na realidade nossa alma conte um dia a mais. E juntando, a esse
número indefinível de séculos, uma série de números semelhantes, longa como
daqui ao Sol, ou ainda mais consideráveis, se imaginássemos viver durante uma
sucessão prodigiosa de períodos seculares representados pela adição de tais
números, quando chegássemos ao termo, o inconcebível amontoado de séculos que
nos passaria sobre a cabeça seria como se não existisse: diante de nós estaria
sempre toda a eternidade.
O tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias; a
eternidade não é suscetível de medida alguma, do ponto de vista da duração; para
ela, não há começo, nem fim: tudo lhe é presente. Se séculos de séculos são
menos que um segundo, relativamente à eternidade, que vem a ser a duração da
vida humana?!”
Que reflexão belíssima! Dá mesmo para continuar batendo a cabeça com
preocupações ou pretensões vãs? Não é melhor concentrar os interesses no que
realmente importa?
Orson Carrara