A Orientação Cristã
Na sessão de conforto educativo, o consulente percebeu que o benemérito
orientador espiritual se incorporara à médium em transe, e, logo que o abnegado
mentor terminou a preleção sobre tema evangélico, pediu licença para rogar-lhe
conselhos.
– Pois não, meu filho! – exclamou o espírito amigo, generosamente – estou aqui
para ouvi-lo; abra seu coração...
O cavalheiro, que principiou tímido, inclinou-se para o benfeitor, exibindo
gesto filial, e começou:
– Meu santo protetor, estou exausto! Sinto-me tão necessitado de orientação como
o sedento precisa de um gole dágua. Perdi os bens que me eram mais caros!...
Trago a saúde arruinada e, embalde, perambulo através de clínicas custosas. O
fígado não funciona normalmente, os rins ameaçam-me a cada hora, o coração, como
louco, bate desregulado... De organismo semimorto, minha família relegou-me ao
abandono. Minha parentela desapareceu. Tenho irmãos consangüíneos que poderiam,
decerto, amparar-me; contudo, fogem de mim, qual se eu fora criminoso
impenitente. Semelhante situação era, entretanto, suportável. Acontece, porém,
que minha esposa fugiu de mim, após dezesseis anos de convivência, deixando-me
irremediavelmente desconsolado...
Ai! meu benfeitor – acentuou, lacrimoso –, como atender a problema tão aflitivo?
Sou um fantasma errando, em vão, em busca de paz. O lar vazio é meu tormento
infernal de cada minuto. Meu azar não parou aí. Antipatizando-se comigo, meu
chefe de trabalho expulsou-me sem caridade, faz duas semanas. Chamou-me, áspero,
despejou sobre ruim um montão de palavras agressivas e cerrou-me as portas da
casa que servi por mais de sete anos consecutivos... Sou o mais infeliz dos
homens... Já intentei contra a vida. No entanto, parece que ainda nisso me
persegue a má sorte, porque todas as minhas tentativas falharam... Todas as
oportunidades de melhoria são vedadas a mim... Que fiz, meu santo benfeitor,
para merecer tantas desgraças? Estarei, porventura, esquecendo de Deus?...
Forte crise de soluços embargou-lhe a voz. O instrutor desencarnado afagou-lhe
os cabelos prematuramente encanecidos e considerou:
– Tenha paciência, filho! não há efeito sem causa.
O pedinte cobrou novo ânimo e implorou:
– Inspira-me, devotado protetor! orienta-me. Não me abandones!...
– Que deseja que eu faça? – indagou o mensageiro espiritual.
– Traça-me roteiro certo... meu destino é um novelo embaraçado... Aconselha-me,
em nome de Jesus!
– Do Mestre que desceu das Alturas, a fim de nos servir e salvar?
– Sim – gemeu o interpelado.
– Então, meu filho, volte ao princípio e retifique a própria senda. O Pai
concedeu a você uma saúde harmoniosa. No entanto, porque asfixiou os rins com os
“drinques” irritantes?
Em que se baseou para consumir largas forças em noitadas de prazer sem
significação?
Ainda é tempo de reconstruir. Esqueça os venenos diários que lhe desgastam as
energias, lentamente, através de um copinho aparentemente sem importância, e
imprima ritmo regular à sua experiência de homem na Terra.
Procure, outrossim, as boas graças da família, assinando um armistício de boa
vontade.
Você alude ao abandono dos parentes, mas não se refere ao escárnio que votou a
todos eles, quando a sua posição melhorou no banco em que trabalhava. Esqueceu
facilmente os deveres de solidariedade fraternal e chega ao ponto de acusar os
outros! Regresse, qual filho pródigo, e revele sincera humildade diante de
todos. Peça desculpas para as suas faltas; seja carinhoso e bom... Quanto à
esposa, que dizer? Você olvidou a tirania doméstica de que seu coração
voluntarioso abusou vastamente? A mulher, sentinela de seu lar e mãe de seus
filhos, não é um animal que deva ser tratado a dinheiro e palavrões. Decorridos
mais de três lustros de sacrifício incessante, a pobrezinha não resistiu e
afastou-se... Procure-a, nutrindo verdadeiro arrependimento pelos seus erros
voluntários e involuntários!
Penitencie-se. Peça perdão pelo passado de sombras e guarde suas lágrimas a fim
de selar junto dela seus novos compromissos de redenção.
Quanto ao seu campo de serviço, se você deseja orientar-se em Jesus, torne ao
seu chefe e rogue-lhe desculpe o seu procedimento impensado. Busque agir na
pauta dos homens corretos, sem trair as obrigações de gentileza e reconhecimento
para com quem se fez credor de seu respeito, carinho e gratidão.
O consulente sofredor enxugou o pranto, talvez ferido no amor próprio, e, depois
da palavra do orientador encerrando a reunião em sentida prece, dispersou-se o
grupo, notando eu, porém, que o cavalheiro, declaradamente tão infeliz, não
pronunciou nem mais uma frase...
Jamais me esqueci da orientação nobre e bela, doce e franca, que lhe foi
ministrada pelo sábio da espiritualidade superior, mas não sei se foi
aproveitada. Voltando, entretanto, ao templo de oração em que vi cair semelhante
bênção, debalde procurei o irmão desditoso, que ali não voltou, nunca mais...
Irmão X