Não Te Sintas Só
Minha abençoada amiga:
Deus nos ampare.
... E este é o caminho da ressurreição – o caminho que vences, palmo a palmo,
centímetro a centímetro, - sob a cruz redentora da provação.
Sentimos, sobre as pedras que forram o chão, a glória solar dos cimos...
Jesus, de braços abertos, à espera de nosso triunfo espiritual...
A contemplação da eternidade, por premio sublime aos pés sangrentos...
A paz da comunhão com a luz divina, por céu fulgurante na própria consciência...
A alegria silenciosa do coração que se uniu para sempre ao amor e a verdade...
E nossa alma inquieta suspira por transportar, ao preço da própria renunciação,
no rumo desse paraíso de vitória intima, todos aqueles a quem nos devotamos no
campo agreste do mundo...
Mas o Mestre Divino, o condutor infalível de nossos passos, do alto do próprio
madeiro que lhe serviu de trono à imorredoura exaltação, nos reafirma, sem
palavras, que a passagem estreita do Calvário não admite mais de um coração.
Cada companheiro terá o seu dia e a sua marcha, para o grande entendimento...
Os tesouros adquiridos com a experiência e com a dor são intransferíveis.
Seria necessário que a fonte viva da compreensão deslizasse por todas as
criaturas, ao mesmo tempo.
E isso, realmente, é impossível.
Poe essa razão, peço-te, ainda e sempre, coragem e calma.
É nessa solidão interior, que por vezes experimentadas com tanta intensidade,
que chegamos a ouvir a voz do Excelso Pastor.
A felicidade terrestre é como anestesiante ruído para a consciência.
Distrai-nos.
Desintegra-nos os impulsos da fé. Impõe o adiamento indefinido da nossa viagem
para o melhor. Obriga-nos a esquecer a benção das horas e, quase sempre,
hipnotiza-nos nas sombras da inutilidade. Contudo, o sofrimento guarda a virtude
da visão, despertando-nos para as realidades edificantes da vida.
Sem duvida, muitos lhe temem o contato, procurando a fuga de suas renovadoras
lições; mas o tempo é o químico milagroso da Eterna Sabedoria, que nos governa
os destinos, e, na estrada infinita, que nos cabe percorrer, surge
invariavelmente o dia de nossa transformação...
Louvemos, desse modo, a luta que nos convocou à subida, e confiemos nossos
amados ao Senhor.
Nesse ato de rendição de nossa alma, reside a desistência de nossos deveres.
Continuaremos ajudando-os com todos os recursos ao nosso alcance, mas
centralizando nossas esperanças no Amor Maior. Permaneceremos ao lado de quantos
foram situados pela Bondade Celestial, junto de nosso carinho, mobilizando
possibilidades e energias em favor deles, mas prosseguindo, intimamente, em
nossa sublime romagem para o Alto, superando temporais de lágrimas e espinheiros
de sacrifício, porque, além de tudo o que representa o mundo de nosso “eu”,
resplende o devotamento de Jesus – o único sol capaz de reaquecer-nos o espírito
fatigado, revigorando-nos para a definitiva ascensão aos planos superiores.
Auxiliemos sem apego.
Ensinemos no silencio.
Amparemos, na medida de nossas forças, a quantos se acercam de nós; mas
aguardemos o socorro do Alto, em se tratando de nossas necessidades.
Não te prendas na teia da angustia.
A única finalidade da aflição e a de deslocar-nos da Terra para o Céu, do débito
para o resgate, da sombra para a luz.
Não temas.
Diante de nós, segue Aquele Amigo Imortal que, em se entregando ao martírio e à
morte, traçou, para nós mesmos, o trilho estreito que nos conduzirá à salvação.
Aceitamos os instrumentos com que o Escultor da Eternidade se propõe
reajustar-nos.
Pranto, soledade, amargura, incompreensão nos que amamos, sede espiritual,
feridas, pesadelos, vigílias dolorosas, tempestades morais e golpes de senda
representam o serviço do Divino Buril sobre nós. A maneira da pedra que obedece,
com segurança, das profundezas de nossas imperfeições Jesus retirara, mais
tarde, a obra prima do Universo – nossa alma – acrisolada para o esplendor da
perfeição.
Não te sintas sozinha.
Somos uma grande família no espaço e no tempo, em busca de nosso lar imperecível
– o lar que nos espera, mais além, para a integração com todos os nossos afetos.
Confiemos em Jesus.
Ainda que tudo conspire contra nós, busquemo-lo. Através do próprio sacrifício,
aprenderemos, com ele, a estrada real para a verdadeira vitória.
Continuemos juntas, no santuário do trabalho e da oração e, contando com a tua
firmeza de ânimo em todos os lances de nossa jornada para a frente, abraça-te a
velha amiga e irmã reconhecida.
Isabel Cintra