Da Sombra de João Evangelista
Trata-se do mais jovem discípulo de Jesus, esse notável filho da zelosa
Salomé e do tranquilo Zebedeu.
Nascido em Betsaida (que significa Casa de pesca), onde residiam muitos homens
do mar da Galileia, nasceu aproximadamente no ano 10 d. C. e ofereceu a
existência à mensagem de Jesus, a quem conheceu ainda muito jovem.
Ao lado de seu irmão Tiago, acompanhou o Rabi nazareno desde quando chamado até
o momento da Cruz e prosseguiu fiel no mister, sofrendo perseguições.
Desencarnou em Éfeso (Turquia).
A ele Jesus entregou a Sua mãe, antes da morte no Calvário, tornando-a genitora
da Humanidade, e dela o fez filho, embora nascido em outra carne, em outro clã.
Após a Ressurreição sublime do Divino Amigo, não tergiversou um momento sequer,
sendo-lhe fiel e amado em toda parte, especialmente em Éfeso, onde passou a
residir por longos anos, interrompidos pelo período em que esteve exilado na
ilha grega de Patmos, por imposição do imperador Domiciano, cruel perseguidor de
Jesus e dos Seus discípulos.
Mais tarde, no período do imperador Nerva, já idoso, foi libertado e voltou à
sua igreja em Éfeso, tornando a cidade um dos mais respeitados centros da
doutrina libertadora.
A sua doçura era cativante e os seus exemplos recordavam o Rabi amado, que
procurava imitar com absoluta fidelidade.
Ele participou dos momentos gloriosos da Mensagem: da transfiguração no Tabor,
da pesca milagrosa, acompanhado pelo seu irmão Tiago e por Simão Pedro, assim
como da multiplicação dos pães e dos peixes, como também da inesquecível Via
crucis...
Convivera com Ele, após a luminosa Ressurreição e tornou-se a carta viva do
Evangelho.
Jamais deixaria de exemplificá-lO, de vivê-lO.
No seu íntimo, clareada pelo amor, pairava, porém, uma sombra que se iluminava a
pouco e pouco, até atingir o self coletivo e diluir o seu ego de tal forma que a
ponte dual se fez por intermédio do amor.
Sua sede de Jesus era tal, que sempre se ativara à abnegação, de modo a viver o
Amigo, tornando-se o espelho que O refletisse em todos os atos.
Apesar desse devotamento e consciência do que deveria fazer para ser feliz,
havia a inquietação defluente do que considerava a sua inferioridade espiritual.
Havendo conseguido fruir uma larga existência física, sendo a última testemunha
da Presença, todos desejavam vê-lo, tocá-lo, ouvir-lhe as narrativas.
Fiel à promessa de ser o filho da Senhora a partir daquele momento no Calvário,
foi buscá-la em Nazaré, na casa de parentes e a trouxe para o seu caminho em
Éfeso, onde, realmente, se tornou a mãe da Humanidade sofredora.
Todos que passavam pela região e tinham notícias daquela mulher extraordinária,
buscavam-na para ter notícias do filho, deixar-se abrasar pela sua ternura e
levar o seu exemplo a outras mães.
Enquanto se encontrava na igrejinha da cidade, no promontório em que residia,
ela abençoava os transeuntes, amparava os enfermos, narrava os acontecimentos da
sublime existência do Menino.
Acompanhou-a com ternura filial até o momento em que desencarnou.
Um pouco antes, acolheu a arrependida Maria de Magdala nos seus últimos momentos
físicos, devorada pelas febres e a hanseníase.
No íntimo desejava viver o holocausto, a fim de igualar-se-Lhe.
Quando escreveu as cartas aos discípulos e especialmente o Apocalipse, iluminou
a sombra com as narrativas em grande parte da obra, em razão dos conflitos
humanos que remanesciam na conduta desde o berço no lar humilde onde nascera.
A sombra não conseguiu em momento algum turbar-lhe o discernimento e o carinho
pelo Amado Benfeitor, cuja saudade impunha-lhe lágrimas de justa saudade, embora
a comunhão psíquica mantida.
Era tão grande a sua afeição e entrega, que o Senhor vaticinou que o martírio
não o eliminaria, conforme aconteceu.
Foi o único discípulo que teve morte natural mediante o longo desgaste normal
dos órgãos.
Ao analisar as dificuldades humanas no processo da evolução, Allan Kardec
refere-se às más inclinações que são heranças de existências transatas, muito
bem representando a sombra junguiana.
O trabalho de educação moral dá-se através da mente saudável, de modo a diluir a
ignorância e o primarismo até manter o discernimento edificante e dourar-se,
isto é, desaparecer a treva e fazer-se brilhante.
Essas más inclinações perturbadoras são as heranças dos instintos predominantes
e resultado do processo da evolução antropológica, cujas experiências em
contínua transformação terminam por manter somente os instintos básicos: dormir,
comer e reproduzir-se.
Bem mais tarde, quando transcorridos onze séculos, na personalidade do Santo de
Assis, João atingiu o clímax como Cantor das estrelas, vivendo os dias gloriosos
da Galileia e suas regiões que constituíam a sonhadora Israel do Deus único.
Tende ânimo e não se turbe o vosso coração, para que a sombra perturbadora não
abra espaço à verdade e ao amor, confirmando que sois filhos da Luz.
No predomínio da sombra há muitos desafios a vencer, graças aos quais a vitória
íntima faz-se mais expressiva e ansiada por todos os viandantes da evolução.
Eis porque anunciou Jesus a respeito da dedicação dos Seus discípulos, quando se
refere àqueles que forem fiéis até o fim, não sucumbindo às tentações, com
devotamento à vigilância e à oração.
Até hoje as lembranças do apostolado do filho do trovão, como o denominara Jesus
e ao seu irmão Tiago, admoestando-os docemente, após a explosão do temperamento,
permanecem convidando todos ao mesmo ministério de amor e autodoação.
A jornada de sublimação é larga e difícil, o que equivale dizer: exige o empenho
de todas as forças para a superação dos impositivos materiais.
...E o modesto pescador tomou das redes luminosas e alcançou a Humanidade quase
toda.
Joanna de Ângelis