Gratidão Perene

Impossível não recordar as incomparáveis bênçãos que vivenciei na minha passada existência ao seu lado.

Você era, mãezinha, uma jovem frágil e inexperiente, quando foi felicitada pelo matrimônio miraculoso.

A sua existência tornou-se um festival de beleza e de encantamento.

Tudo respirava harmonia e felicidade, menos o seu corpo débil não construído para suportar a maternidade, pela qual muito anelava.

Todas as questões lhe pareciam fáceis de compreender, menos essa ânsia de ser mãe, para o que você estava predestinada.

Já havíamos convivido juntas na condição, eu sua filha e você a minha genitora.

Naquela oportunidade, os vendavais do processo evolutivo criaram um abismo entre nós e eu optei pelo suicídio.

Antes de você voltar à Terra, nesta última jornada, houve um programa traçado pelos guias espirituais e você aceitou receber-me com as mutilações que eu deveria possuir como resultado da insânia suicida.

Nesse período da sua atual alegria fui colocada junto ao seu coração amigo e generoso e pedi-lhe, num dos seus sonhos, para retornar, a fim de redimir-me mediante seu carinho e a bênção da reencarnação...

Quando estava delineado o momento da fecundação, meu pai, convocado espiritualmente, sabendo das minhas futuras limitações, negou-se a aceitar-me, justificando que você não teria condições de experimentar uma gravidez de risco e uma jornada de desafios...

Os benfeitores explicaram-lhe quanto à necessidade do meu renascimento e o seu desejo imenso de tornar-se mãe.

Logo após a concepção, aos primeiros meses, você sofreu muito e todos, inclusive o médico, sugeriam o aborto como recurso para salvar sua vida delicada.

Sofremos muito. Você, que tanto queria a bênção da maternidade e eu que a necessitava com urgência, ainda mais durante aquele período muito difícil.

Nada lhe diminuiu o entusiasmo, tendo em vista as dificuldades que seriam piores, à medida que o tempo transcorresse.

Quando as sombras do desespero tomaram conta do nosso lar, você resolveu ficar em repouso quase absoluto, durante sete meses e eu ainda nasci, renasci com antecedência.

O espanto foi geral e a lamentação de todos tornou-se um coro de desencanto, diante das minhas limitações.

O veneno que me destruíra antes, deixou-me sinais terríveis, com lábios leporinos bifocais, problemas na face, culminando com um estrabismo assustador.

Todos me chamavam de deformada, enquanto você me envolveu em deslumbramento e afeto.

Ambas passamos largos meses de enfermidades de vária espécie, que nos assaltaram, tudo consequência da loucura suicida, a que, de certo modo, você teria contribuído na ignorância que nos assinalava.

O tempo, porém, é um gentil algodão que tudo abafa e é oportunidade de tudo fazer e recomeçar.

À medida que fui crescendo, papai anuiu em operar-me a boca e a face. Óculos cuidadosamente escolhido melhorou a minha visão e eu cresci sempre doentinha, mas, terna e agradecida.

As Leis de Deus funcionam com exatidão e justiça, mas essa é feita sob as bênçãos da misericórdia e da compaixão.

Eu me tornei uma senhorita aos 15 anos, quando, então, começou o martírio para o meu retorno.

Por fim, uma pneumonia trouxe-me de volta ao Grande Lar, onde me encontro esperando-a e ao meu pai, igualmente amado.

Deus continue amparando-a, mãe querida e ímpar, após concluído esse santo ministério que você abraçou com alegria e dedicação incomuns.

Bendita seja entre as mulheres, conforme a Mãe de Jesus foi saudada.

Com infinito carinho a sua bebê devotada e afetuosa.


Amélia Rodrigues