Restabelecido
O irmão Fego, abnegado espírita que se tornara um apóstolo da caridade em
Sergipe, começou a aplicar passes magnéticos em um cavalheiro obsidiado, cujas
melhoras eram visíveis.
O generoso visitador dos pobres reparou, entretanto, que a memória do enfermo
ainda era confusa.
O doente comia regularmente, dormia calmo e falava com acerto, mas parecia de
nada mais recordar-se.
Seis meses corriam sobre a situação, quando implorou ao Espírito Bittencourt
Sampaio, então incorporado em um médium amigo de Aracaju, socorresse o infeliz,
ao que o benfeitor respondeu que o doente já estava plenamente restabelecido e
que já não mais necessitava de passe.
- E a memória? – disse Fego – o pobre homem não mais se lembra de nada...É falta
de caridade deixá-lo assim...
Bittencourt não respondeu e Fego acreditou que o generoso amigo espiritual fora
substituído por algum mistificador.
No dia seguinte, orava junto ao enfermo, agradecendo a presença dos instrutores
da Vida Maior nos passes que acabava de ministrar, quando o enfermo foi visitado
por um homem de boa aparência, que, depois de saudá-lo, entrou logo no assunto
que o trazia.
- Venho vê-lo – disse -, da parte de um companheiro de Pernambuco.
E porque o doente nada respondesse, como se estivesse alheio ao assunto,
prosseguiu:
- É o problema da conta...Não se lembra da conta?
- Não, não me lembro... – replicou o interpelado a esparramar-se na rede...
- Mas, meu amigo, é caso urgente...É a velha conta...
- Não me recordo.
- Meu Deus, é uma questão séria...Trata-se de uma conta grande...
Fego, compadecido, interferiu, falando em tom de súplica:
- Peço ao senhor ajudar-nos, solicitando paciência ao credor...Por enquanto,
nosso doente está sem memória...
- Mas dá-se o contrário – exclamou o visitante -, trata-se de oitenta contos de
réis que preciso entregar-lhe em nome de um amigo.
Os olhos do enfermo iluminaram-se de repente, e ele falou firme:
- Já sei...Lembro-me perfeitamente agora.
É um dinheiro que emprestei ao Geminiano, em Recife, há quatro anos...Poderei
passar recibo imediatamente...
- Isso mesmo, isso mesmo – disse o recém-chegado, esfregando as mãos.
Estupefato, irmão Fego abanou a cabeça e falou em voz alta, qual se estivesse
argumentando consigo mesmo:
-É...é...Bittencourt tinha razão.
Hilário Silva