A Sentença Cristã
Um juiz cristão, rigoroso nas aplicações da lei humana, mas fiel no
devotamento ao Evangelho, encontrando-se em meio duma sociedade corrompida e
perversa, orou, implorando a presença de Jesus.
Tantas sentenças condenatórias devia proferir diariamente, que se lhe endurecera
o coração.
Atormentado, porém, entre a confiança que consagrava ao Divino Mestre e as
acusações que se acreditava compelido a formular, rogou, certa noite, ao Senhor,
lhe esclarecesse o espírito angustiado.
Efetivamente, sonhou que Jesus vinha desfazer-lhe as dúvidas aflitivas.
Ajoelhou-se aos pés do Amoroso Amigo e perguntou:
— Mestre, que normas adotar perante um homicida? Não estará logicamente incurso
nas penas legais?
O Cristo sorriu, de leve, e respondeu:
— Sim, o criminoso está condenado a receber remédio corretivo, por doente da
alma.
O juiz considerou estranha a resposta; contudo. prosseguiu indagando:
— Como agir, ante o delinqüente rude, Senhor?
— Está condenado a valer-se de nosso auxílio, através da educação pelo amor
paciente e construtivo — explicou Jesus, bondoso e calmo.
— Mestre, e que corrigenda aplicar ao preguiçoso?
— Está condenado a manejar a enxada ou a picareta, conquistando o pão com o suor
do rosto.
— Que farei da mulher pervertida? — interrogou o jurista, surpreso.
— Está condenada a beneficiar-se de nosso amparo fraterno, a fim de que se
reerga para a elevação do trabalho e para a dignidade humana.
— Senhor, como julgar o ignorante?
— Está condenado aos bons livros.
— E o fanático?
— Está condenado a ser ouvido e interpretado com tolerância e caridade, até que
aprenda a libertar a própria alma.
— Mestre, e que diretrizes adotar, ante um ladrão?
— Está condenado à oficina e à escola, sob vigilância benéfica.
— E se o ladrão é um assassino?
— Está condenado ao hospício, onde se lhe cure a mente envenenada.
O magistrado passou a meditar gravemente e lembrou-se de que deveria modificar
todas as peças do tribunal, substituindo a discriminação de castigos diversos
por remédio, serviço, fraternidade e educação. Todavia, não se sentindo bem com
a própria consciência, endereçou ao Senhor suplicante olhar, e perguntou, depois
de longos instantes:
— Mestre, e de mim mesmo, que farei?
Jesus sorriu, ainda uma vez, e disse, sereno:
— O cristão está condenado a compreender e ajudar, amar e perdoar, educar e
construir, distribuir tarefas edificantes e bênçãos de luz renovadora, onde
estiver.
Nesse momento, o juiz acordou em lágrimas e, de posse da sublime lição que
recebera, reconheceu que, dali em diante, seria outro homem.
Neio Lúcio