Pediu e Chorou
Em declaração emocionada aquele homem aproximou-se bem devagar e pediu.
Estava atônito, aflito, não sabia que rumo tomar. Esperava-se, óbvio, que ele
pedisse dinheiro para completar a passagem – como é tão comum – ou solicitasse
algum alimento. Ou mesmo alegasse enfermidade de filho ou esposa. Nada disso!
Apenas pediu para ser ouvido. Não desejava objetos, roupas ou dinheiro, nem
mesmo alimentos. Apenas desejava ser ouvido. Desejava apenas a companhia de
outro ser humano para abrir o coração. E começou a falar.
Disse da solidão que sentia. Falou que sua aparência simples talvez fosse a
causa da indiferença alheia. Sua barba por fazer, suas roupas e calçados
surrados e mesmo por não estar empregado, por não possuir família, talvez
causassem a distância com outros seres humanos. Sentou na sarjeta e chorou.
Chorou não de sofrimento ou de fome, chorou de emoção porque alguém se dispôs a
simplesmente ouvi-lo.
E o que falou? Disse apenas que se sentia muito só. Que não lhe faltava comida,
pois muita gente lhe entregava pratos prontos, lhe levava roupas e agasalhos,
lhe fornecia água e mesmo algum dinheiro, lhe pagavam lanches vez por outra, mas
ninguém parava para conversar com ele…
O episódio comoveu. Ele remete à necessidade do calor humano, muito além de
doações que satisfaçam a fome ou o frio do corpo. Fica distante da simples
doação de dinheiro, de objetos ou roupas. Ele pede simplesmente a atenção de
olhar nos olhos, de oferecer tempo, ainda que breve, para ouvir o sentimento
daquele que procura.
Verdade seja dita. Ainda somos muito indiferentes uns com os outros. Optamos
mais pela crítica do que pela observação atenta de sentir a necessidade real de
quem está à nossa volta, de quem nos procura. Não paramos, por pressa, para
olhar nos olhos ou simplesmente raciocinar sobre o que o outro está dizendo.
Temos pressa de dizer ou ouvir o que nos interessa…
Na verdade, fala-se em solidariedade, em caridade. Mas solidariedade e caridade
estão mais no gesto do que no fato. Caridade é sentir. De nada adianta
envolver-se com muitas iniciativas e permanecer irritado, contrariado. De nada
adianta fazer por obrigação. O ideal, o correto, é fazer com amor, por amor.
E este fazer com amor ou por amor, é sentir. É sentir o que se faz. Sentir-se
bem em estar presente, em participar, em poder colaborar.
Aliás, por falar em colaborar, a cooperação é lei da vida. Nada se faz
isoladamente. Todos precisamos uns dos outros, muito mais do que imaginamos. E
isto sugere a atenção que podemos nos dispensar mutuamente.
Atenção que muitas vezes é sinônimo apenas de ouvir. Como no caso relatado,
verídico e comovente.
Já imaginou o leitor alguém sentar-se e chorar apenas porque alguém se dispôs a
ouvi-lo.
Quanta indiferença não sofreu? Quanto desprezo experimentou?
Aí ficamos a pensar em nossa pequenez! Ainda guardamos tanta arrogância
interior! Para quê? Não é melhor assumirmos nossa condição de seres humanos…?!
Orson Carrara