Carta Paternal II
Minha filha:
Deus nos abençoe.
Não recuse o sagrado depósito do sofrimento. A dor é uma bênção que nosso pai
nos envia, oferecendo-nos a graça retificadora. Mas toda dor que não sabemos
aceitar, rejeitando-lhe a grandeza divina, converter-se em guerra sem sangue, no
coração.
Sabemos que você tem peregrinado no mundo com aflitiva sede da alma e não
ignoramos a esperança que tem você empenhado à Terra, buscando a felicidade que
a Terra, efetivamente, ainda não nos pode dar.
O amor não amado há de ser nosso caminho com o Cristo ou perderemos a gloriosa
oportunidade de sublimação. É natural que desejemos a alegria da reciprocidade
no campo dos nossos sentimentos; é humano o nosso velho impulso de reclamar
pagamento efetivo às nossas inclinações, entretanto, quando o Evangelho começa a
florescer em nosso espírito, é indispensável nos lembremos do Senhor, coroado de
espinhos, para compreender com segurança a nossa divina missão de renúncia
santificante.
Enquanto exigimos, perdemos tempo. Enquanto nos esmagamos à procura de
acolhimento nos corações que nos cercam, olvidamos o ensejo de abrigar conosco
aquelas almas da retaguarda que se confortariam com diminuta migalha de nosso
pão.
Acordemos-nos para o amor sem fronteiras que o Mestre nos legou e, na cruz de
nossas próprias dores, abracemos a todos aqueles que passam por nós esmolando
esperança.
Sabemos que é difícil concretizar semelhantes idéias. Entretanto, temos em
Jesus, o nosso Modelo Maior.
Amargoso é o despertar, além da morte, para todos aqueles que desconheciam a
Verdade; todavia, o reavivamento consciencial para aqueles que a conheciam e a
desprezaram chega a ser cruel.
Amemos sem pedir, filha querida.
Doemos sem aguardar que outros retribuam.
Compreendemos que a sua afetividade sente o maior júbilo em ajudar.
Você seria capaz de todos os sacrifícios pelas almas queridas que jazem
encerradas no escrínio do seu coração, como pérolas preciosas na concha viva,
mas, o caminho da alma é infinito. Não seria justo isolarmo-nos no jardim
milagroso das afeições prediletas, relegando ao acaso as nossas obrigações mais
vastas para com a fraternidade total.
Se as fontes se congregassem num poço imenso, a pretexto de viverem
absolutamente unidas entre si, distanciadas da coragem de servir, por certo, o
mundo se dividiria entre um pântano e um deserto, onde a vida não conseguiria
medrar.
Unamo-nos ao Cristo para que lhe possamos expressar a Divina Vontade, à frente
de todos os que nos cercam. Desprendamo-nos de nossos antigos laços. Amar é o
nosso destino, acompanhando Aquele que foi à Cruz por extremo devotamento a nós.
Sermos amados, porém, não é assunto que deva perturbar as nossas aspirações no
Evangelho da Redação.
Descerremos as janelas do nosso espírito e busquemos compreender.
Nem tudo na Terra é, por enquanto, alegria da colheita. A sementeira da verdade
e do bem ainda reclama excessivamente de nosso esforço, e não podemos olvidar
que as tarefas são diferentes, tanto quanto diferentes são os caminhos, em busca
da regeneração e do aperfeiçoamento.
Há quem plante, quem ampare a germinação, quem distribua as águas, quem ajude às
flores, quem proteja a plantação e quem se incumbe da seara. Acima de todos os
serviços, permanece o Senhor, que nos orienta e socorre.
Desejando ao seu caminho muita paz e luz, deixa-lhe o coração, o pai amigo de
todos os dias,
Francisco