Divina Conduta
Esta singela narrativa
Ouvi de amado amigo – um gênio dentre os gênios –
História que ele arquiva
Em seus registros de milênios.
Um Espírito que, em si, já conquistara
Inteligência primorosa e rara
Manifestou anseio superior:
Desejou trabalhar junto ao Senhor,
Amá-lo, vê-lo e fruir-lhe a presença...
Para isso pediu aos Ministros da Lei
Que se lhe concedesse uma vida de rei.
Recebida a licença,
Fez-se na Terra um nobre soberano,
Foi grande, poderoso, justo e humano,
Mas, adstrito à própria posição,
Viveu atento à representação
Do povo que escolhera governar.
De volta ao Grande Lar,
Assim que o Mais Além se lhe descerra,
Subiu a conviver com benfeitores
Que haviam sido príncipes na Terra...
Mas, logo após, rogou aos Divinos Mentores
A graça de ser santo...
Tornou ao mundo transformado
Em famoso varão
Que só pensava em perfeição
Viveu de isolamento, entre prece e o jejum,
Sem se doar a mal nenhum;
No entanto, circunscrito
Às tradições da crença em que vivia,
Abandonando o corpo teve a companhia
De ilustrados teólogos do Além,
Mensageiros da Paz e Expoentes do Bem.
Decorrido algum tempo, ele quis ser um artista.
Voltou a Terra músico e pintor;
Foi um gênio a compor e recompor
Imagens de harmonia e poemas em cor.
Regressando ao Além, depois de longos dias,
A transportar consigo láureas resplendentes
Passou a respirar
No clima cultural de artistas eminentes.
Depois disso, por décadas afora,
De vida em vida, em largo itinerário,
Eis que a sede de Cristo mais se lhe aprimora...
Foi Escritor, Juiz, Cientista e Operário.
Mas um dia chegou em que ele disse:
- Senhor! Senhor! Tenho escolhido tanto,
Ignoro, porém, o que te agrade,
Dá-me agora, Jesus tua vontade,
Ensina-me o dever,
Para que eu seja o que preciso ser!...
Tempo vasto rolou nas vias do Infinito.
Quando voltou a renascer
Numa casa singela...
A vida lhe corria doce e bela
Quando os pais retornaram para o Além...
Os três irmãos do lar,
Consolidando a própria segurança,
Não se pejaram de o desvincular
Do direito de herança...
Ele não destacou qualquer reclamação,
Aprendera dos pais a ciência do bem.
Aceitou contas que jamais fizera
E compromissos que desconhecia,
Sem ferir ninguém.
Esqueceu todo o mal, buscando um novo dia,
Estudou, quanto pode, entre serviço e escola,
Fez-se negociante e depois lavrador,
Casou-se e converteu-se em pai guiado pelo amor,
Mas porque socorresse aos pobres e aos doentes,
A família insurgiu-se a golpes deprimentes...
A esposa sem razão
Permutou-lhe o carinho e a companhia
Por um homem tocado de ambição.
Ao vê-lo amargurado, em transes de agonia,
Os filhos declararam-no demente
E um processo instaurou-se de repente,
A julgá-lo incapaz de senso e direção.
Destituído e expulso do seu chão,
Não levantou a voz sequer
Para acusar os filhos e à mulher.
E prosseguiu servindo
Agia, sol a sol, por ínfimo ordenado,
Mas esparzindo sempre a riqueza do amor,
Onde surgisse algum necessitado.
Alcançou noventa anos de amargura
E nunca se queixou, nem se deu à secura...
Era sempre um amigo da alegria,
Criando paz e luz, bondade e simpatia.
Certa noite, sozinho,
O estimado velhinho.
Viu-se fora do corpo, ante a pressão da morte...
Procura na oração apoio que o conforte,
Mas isso um anjo posto à cabeceira,
Fala-lhe brandamente: - meu irmão,
Partamos para a vida verdadeira...
Ele escutou celeste cavatina
E, aflito, perguntou; que há que não entendo?
O Emissário aclarou: é a música divina,
Saudando um justo que acabou vencendo...
Entre assombro e receio, estranheza e torpor,
O pobre proferiu ansiosa indagação:
- Quem será esse justo, Deus de Amor?
O silêncio se fez qual se fosse de estalo.
Logo após, o velhinho, a chorar de emoção,
Viu que o próprio Jesus vinha buscá-lo...
Prosternado, gritou: Senhor, eu não mereço!...
Mas o Cristo avançou, estendo-lhe a mão...
Soluçando de amor e de alegria,
O pobre irradiou sublime claridade,
No entanto, nem notou que ele próprio trazia
No próprio coração, a estrela da humildade.
Maria Dolores