A Estranha Crise
O mundo vem criando soluções adequadas para a generalidade das crises que o
atormentam.
A carência do pão, em determinados distritos, é suprida, de imediato, pela
superprodução de outras faixas de terra.
Corrige-se a inflação, podando a despesa.
O desemprego desaparece pela improvisação de trabalho.
A epidemia é sustada pela vacina.
Existe, porém, uma crise estranha - e das que mais afligem os povos -
francamente inacessível à intervenção dos poderes públicos, tanto quanto aos
recursos da ciência nas conquistas modernas. Referimo-nos à crise da
intolerância que, desde o travo de amargura, que sugere o desânimo, à violência
do ódio, que impele ao crime, vai minando as melhores reservas morais do
Planeta, com a destruição conseqüente de muitos dos mais belos empreendimentos
humanos.
Para a liquidação do problema que assume tremendo vulto em todas as
coletividades terrestres, o remédio não se forma de quaisquer ingredientes
políticos e financeiros, por ser encontrado tão somente na farmácia da alma, a
exprimir-se no perdão puro e simples.
O perdão é o único antibiótico mental suscetível de extinguir as infecções do
ressentimento no organismo do mundo. Perdão entre dirigentes e dirigidos, sábios
e ignorantes, instrutores e aprendizes, benevolência entre o pensamento que
governa e o braço que trabalha, entre a chefia e a subalternidade.
Consultem-se nos foros - autênticos hospitais de relações humanas - os processos
por demandas, questões salariais, divórcios e desquites baseados na
intransigência doméstica ou na incompatibilidade de sentimentos, reclamações,
indenizações e reivindicações de toda ordem, e observe-se, para além dos
tribunais de justiça, a animosidade entre pais e filhos, a luta de classes, as
greves de múltiplas procedências, as queixas de parentela, os duelos de opinião
entre a juventude e a madureza, as divergências raciais e os conflitos de
guerra, e verificaremos que, ou nos desculpamos uns aos outros, na condição de
espíritos frágeis e endividados que ainda somos quase todos, ou a nossa
agressividade acabará expulsando a civilização dos cenários terrestres.
Eis por que Jesus, há quase vinte séculos, nos exortou perdoarmos aos que nos
ofendam setenta vezes sete, ou melhor, quatrocentos e noventa vezes.
Tão-só nessa operação aritmética do Senhor, resolveremos a crise da
intolerância, sempre grave em todos os tempos. Repitamos, no entanto, que a
preciosidade do perdão não se adquire nos armazéns, por que, na essência, o
perdão é uma luz que irradia, começando de nós.
Emmanuel