O Exame da Caridade
Depois de certa pregação de Jesus, em Cafarnaum, encontrou o Mestre, em casa
de Pedro, quatro cavalheiros de luzente aspecto, a lhe aguardarem a palavra.
Vinham de longe, explicaram atenciosos. Judeus prestigiosos da Fenícia, moravam
em Sidon. Já haviam bebido a cultura egípcia e grega, tanto quanto a filosofia
dos persas e babilônios. O anúncio da Boa Nova chegara-lhes aos ouvidos.
Desejavam servir nas fileiras do Novo Reino, combatendo a licenciosidade dos
costumes, na avareza dos ricos e na revolta dos pobres. Aceitavam o Deus único e
pretendia, consagrar-lhe a vida.
De quando em quando, os recém-chegados retificavam as dobras das irrepreensíveis
túnicas de linho alvo ou acentuavam, de leve, o apuro das sandálias.
O Senhor ouviu-lhes as informações com admirável benevolência.
Cada qual falou, por sua vez, comentando as angústias do problema social na
poderosa cidade de que provinham e, após encarecerem a necessidade de
transformações políticas no cenário do mundo, esperaram, curiosos, a palavra do
Cristo, que lhes afirmou, bondoso:
- Está escrito: - Amarás o Senhor, Nosso Deus e Nosso Pai, de todo o coração, e
não farás dEle imagens abomináveis; eu, porém, acrescento – fugi igualmente à
idolatria de vossos próprios desejos, aniquilai o exclusivismo e não vos
entronizeis na mentira, porque estaríeis lesando a Sublime Divindade.
Recomenda Moises: - Não tomarás o nome do Todo-Poderoso em vão; esclareço-vos,
contudo, que ninguém deve menoscabar o nome do próximo na maledicência, na
calúnia, no verbo inútil ou desleal.
Determina o Decálogo: - Santificarás o dia de sábado; exorto-vos, entretanto, a
não converterdes semelhante artigo em escora da ociosidade sistemática.
Respeitando a pauta necessária da natureza, não a transformeis em hosanas à
preguiça dissolvente.
Manda o texto antigo: - Venera teu pai e tua mãe nos laços consangüíneos;
todavia, é imperioso reconhecer a necessidade de respeito a todos os homens
dignos, onde estiverem, olvidando-se no bem geral as fronteiras de raça,
família, cor e religião, compreendendo-se que acima dos limites impostos pelo
sangue, na Terra, prevalecem os imperativos sagrados da Família Universal.
Reza a lei do passado: - Não matarás; eu, porém, vos digo que não se deve matar
em circunstância alguma e que se faz indispensável a vigilância sobre os nossos
impulsos de oprimir os seres inferiores da Natureza, porque, um dia,
responderemos à Justiça do Criador Supremo pelas vidas que consumimos. Pede o
venerável testamento: - Não cometerás adultério; asseguro-vos, no entanto, que o
adultério não atinge somente o corpo de nossas irmãs em Humanidade, mas também a
carne e a alma de todos os homens que se esqueceram de caminhar retamente.
Aconselha o grande legislador: - Não furtarás; digo-vos, contudo que não se deve
roubar, não somente objetos valiosos e valores em dinheiro, mas também não nos
cabe furtar o tempo do Senhor, nem distrair os minutos dos servos aplicados de
suas obras.
Consta na velha aliança: - Não dirás falso testemunho conta o teu próximo;
declaro-vos, porém, que é imprescindível guardar boa-vontade e amor no coração,
irradiando-os em pensamento.
Assinala a revelação antiga: - Não cobiçarás a casa do teu próximo, nem
desejarás a sua mulher, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento; eu,
porém, vos afianço que nos compete a obrigação de procurar a luz, o bem e
felicidade, trabalhando sem desânimo e servindo a todos sem
descanso,inacessíveis à peçonha do ódio, da inveja, do ciúme, do despeito e da
discórdia, portadores que são de veneno e treva para o Espírito.
Fez o Mestre pequeno intervalo na prelação, reparando que os visitantes da
Fenícia se mantinham pálidos e confundidos.
Nesse ínterim, a sogra de Pedro reclamou-lhe a presença num quarto próximo: e
Jesus, rogando ligeira licença, prometeu prosseguir nos ensinamentos novos, por
mais alguns instantes; todavia, em voltando pressuroso aos ouvintes, debalde
procurou os consulentes, movimentado os olhos ternos e lúcidos.
Na sala silenciosa não havia ninguém...
Irmão X