Parábola Moderna
E eis que, em plena assembléia de espiritualidade, se levantou um certo
companheiro intelectualista e dirigiu-se ao Amigo Sábio e Benevolente, que se
comunicava através da organização mediúnica, perguntando para tentá-lo:
– Benfeitor da Humanidade, que devo fazer para alcançar a vida eterna? como agir
para entrar na posse da verdadeira luz?
Respondeu-lhe o orientador:
– Que te aconselha a doutrina? como lês o ensinamento do Cristo?
O consulente pensou um minuto e replicou:
– Amarás o Senhor teu Deus, com todo o coração, com toda a alma, com todas as
forças, com todo o entendimento, e a teu próximo como a ti mesmo.
O Sábio Espiritual sorriu e observou:
– Respondeste bem. Faze isso e alcançarás a vida eterna.
Contudo, o intelectualista, apresentando justificativa e desejando destacar-se
no circulo dos irmãos, interrogou ainda:
– Como reconhecerei o meu próximo?
O comunicante assumiu atitude paternal e narrou:
– Um “espiritista” convencido quanto à sobrevivência da alma, mas não convertido
ainda ao Evangelho de Jesus, seguia de Madureira para a Gávea, quando encontrou,
em certa rua, determinada reunião de pessoas bem intencionadas, mas ignorantes
das letras do mundo, tentando a prática do amor aos semelhantes, possuídas de
sincera e profunda, boa vontade. Porque viviam distanciadas da ciência da
expressão, suas palavras evidenciavam muita imperfeição de gramática, embora a
excelente disposição que revelavam mo exercício de virtudes santificantes. Os
desencarnados que cooperavam na obra, observando que se aproximava um irmão
detentor de elevados conhecimentos, indicaram-lhe o nome para que se lhe rogasse
a valiosa colaboração. Instado pelos trabalhadores daquele piedoso núcleo do
bem, o cavalheiro aproximou-se, sondou o ambiente e negou-se, acrescentando:
– Não, não posso cooperar! Isto não é Espiritismo.
E passou apressado, em busca de seus interesses.
No entanto, um materialista, de bom coração e reta consciência, que vinha pelas
mesmas ruas, encontrou a pequena assembléia e, observando-lhe a determinação na
prática ao bem, distribuiu palavras de conforto e encorajamento entre aquelas
criaturas de aprimoradas qualidades morais, deixando, ali, as bases de uma
escola que funcionaria, em breve, aperfeiçoando valores e melhorando
conhecimentos.
Seguia o mencionado “adepto” do Espiritismo, estrada afora, quando se lhe
deparou um quadro doloroso. Miserável mulher, exibindo terríveis sinais de
sífilis, caíra nas vizinhanças de soberbo jardim, cercada por duas companheiras
de infortúnio, necessitadas do braço de um homem caridoso que auxiliasse o
transporte da enferma. Sentindo a aproximação do crente, sob nosso exame,
acorreram, pressurosas, ambas as infelizes que ainda podiam andar,
suplicando-lhe socorro em palavras da gíria, a evidenciarem, porém, justificada
aflição e ardente desejo de ser úteis.
O “espiritista” reparou que se encontrava nas adjacências de uma grande casa,
dedicada a prazeres menos dignos e, receando o falso julgamento de sua conduta,
negou-se, exclamando:
– Não, não posso ajudar! Isto não é Espiritismo.
E afastou-se, sem mais delongas.
Entretanto, o ateu, que lhe vinha nas pisadas, ouviu o clamor das mulheres e,
longe de qualquer pensamento malicioso alusivo ao local, amparou a pobre
criatura, providenciando, imediatamente, para que fosse asilada em hospital
próximo e colaborou no pagamento das despesas, alheio a qualquer idéia de
compensação.
Mais adiante, seguindo o “espiritista” o seu caminho, encontrou um grupo de
trabalhadores, filiados às igrejas evangélicas do protestantismo, angariando
auxílios para um serviço de assistência a meninos desamparados. Moças e velhos,
rapazes e anciãos, cantavam na via pública, enternecendo corações com as
reminiscências de Jesus. Findo o número musical, algumas jovens distribuíam
flores naturais, em troca de insignificantes donativos, destinados ao socorro de
criancinhas órfãs e desvalidas.
Uma das graciosas meninas aproximou-se e ofereceu-lhe uma rosa, acrescentando:
“Amigo, cooperai conosco na assistência aos pequeninos abandonados!” O
interpelado, porém, viu que o agrupamento trazia numerosos exemplares de jornais
e revistas com interpretações religiosas diferentes daquelas que o seu
raciocínio aceitava, e, colocando-se em posição contrária à cooperação cristã,
respondeu rudemente :
– Não, não posso atender! Isto não é Espiritismo...
E prosseguiu, rua afora, apressadamente.
Todavia, o materialista bondoso, que o seguia acidentalmente, foi colhido pela
solicitação das jovens e, sentindo-se feliz, pela expressão de humanidade que a
reunião apresentava, conversou alegremente com as meninas, encorajando o serviço
de confraternização e benemerência que se levava a efeito, e, depois de anotar o
endereço da instituição, a fim de acompanhar o trabalho de mais perto, valeu-se
da bolsa que trazia e adquiriu muitas flores de auxílio, com o espírito amigo
das boas obras e não com a disposição agressiva dos combatentes, despreocupado
de qualquer recompensa.
E o “espiritista” seguiu seu caminho para a Gávea e o materialista continuou na
estrada de bondade espontânea.
O mentor fez longo intervalo e, em seguida, perguntou ao consulente:
– Qual dos dois, a seu ver, aprendeu a reconhecer o próximo, prestando-lhe a
atenção que devia?
– Ah! certamente – replicou o interlocutor, sensibilizado – foi o materialista,
que sentia prazer em servir, trabalhando por um mundo melhor.
O Sábio Espiritual sorriu e falou-lhe, antes de despedir-se:
– Então, vai, e faze tu o mesmo...
Irrnão X