O Anjo da Limpeza
Adélia ouvira falar em Jesus e tomara-se de tamanha paixão pelo Céu que
nutria um desejo único — ser anjo para servir ao Divino Mestre.
Para isso, a boa menina fez-se humilde e crente, e, quando se não achava na
escola em contacto com os livros, mantinha-se na câmara de dormir em preces
fervorosas.
Cercava-se de lindas gravuras, em que os artistas do pincel lembram a passagem
do Cristo entre os homens, e, em lágrimas, repetia: — “Senhor, quero ser tua!
quero servir-te!...”
A Mãezinha, em franca luta doméstica, embalde convidava-a aos serviços da casa.
Adélia sorria, abraçava-se a ela e reafirmava o propósito de preparar-se para a
companhia do Divino Amigo.
A bondosa senhora, observando que o ideal da filha só merecia louvores,
deixava-a em paz com os estudos e orações de cada dia.
Meses correram sobre meses e a jovem prosseguia inalterável.
Orando sempre, suplicava ao Senhor a transformasse num anjo.
Decorridos dois anos de rogativas, sonhou, certa noite, que era visitada pelo
Mestre Amoroso.
Jesus envolvia-se em vasta auréola de claridade sublime. A túnica luminosa, a
cair-lhe dos ombros com graça e beleza, parecia de neve coroada de sol.
Estendendo-lhe a destra compassiva, o Cristo observou-lhe:
— Adélia, ouvi tuas súplicas e venho ao teu encontro. Desejas realmente
servir-me?
— Sim, Senhor! — respondeu a pequena, inflamada de comoção jubilosa, convencida
de que o Salvador a conduziria naquele mesmo instante para o Céu.
— Ouve! — tornou o Mestre, docemente.
Ansiosa de pôr-se a caminho do paraíso, a jovem replicou, reverente:
— Dize, Senhor! estou pronta!... Leva-me contigo, sinto-me aflita para
comparecer entre os que retêm a glória de servir-te no plano celestial!...
O Cristo sorriu, bondoso, e considerou:
— Não, Adélia. Nosso Pai não te colocou inutilmente na Terra. Temos enorme
serviço neste mundo mesmo. Estimo tuas preces e teus pensamentos de amor, mas
preciso de alguém que me ajude a retirar o lixo e os detritos que se amontoam,
não longe de tua casa. Meninos Cruéis prejudicaram a rede de esgoto, a pequena
distância do teu lar. Aí se concentra perigoso foco de moléstias, ameaçando
trabalhadores desprevenidos, mães devotadas e crianças incautas. Vai, minha
filha! Ajuda-me a salvá-los da morte. Estarei contigo, auxiliando-te nessa
meritória tarefa.
A menina preocupada quis fazer perguntas, mas o Mestre afastou-se, de leve...
Acordou sobressaltada.
Era dia.
Vestiu-se à pressa e procurou a zona indicada. Corajosa muniu-se de
desinfetantes, armou-se de enxada e vassoura pediu a contribuição materna, e o
foco infeccioso foi extinto.
A discípula obediente, todavia, não parou mais.
Diariamente, ao regressar da escola, punha-se a colaborar com a Mamãe, em casa,
zelando também quanto lhe era Possível pela higiene das vias públicas e
ensinando outras crianças a serem tão Cuidadosas, quanto ela mesma. Tanto
trabalhou e se esforçou que, certo dia, o diretor do grupo escolar lhe conferiu
o título de Anjo da Limpeza. Professoras e colegas comemoraram festivamente o
acontecimento.
Chegada a noite, dormiu contente e sonhou que Jesus vinha encontrá-la, de novo.
Nimbado de luz, abraçou-a, com ternura, e disse-lhe brandamente:
— Abençoada sejas, filha minha! agora, que os próprios homens te reconhecem por
benfeitora, agradeço-te os serviços que me prestas diariamente. Anjo da Limpeza
na Terra, serás Anjo de Luz no Paraíso.
Em lágrimas de alegria intensa, Adélia despertou, feliz, compreendendo, cada vez
mais, que a verdadeira ventura reside em colaborar com o Senhor, nos trabalhos
do bem, em toda parte.
Neio Lúcio