Holocausto à Fé
A mensagem rutilante avançava gloriosa por quase todo o Império.
No Oriente, a Palavra alcançara o Egito, Bizâncio, Cartago, Líbia e se
ampliara imensamente em Israel, mesmo sob perseguições insanas... No
Ocidente, galvanizava as vidas que se dedicavam a Jesus, pela imensidão da
Espanha, das Gálias, da Península Itálica e particularmente na capital do
Império, com incomparáveis demonstrações de fidelidade que culminava com o
sacrifício da própria vida, abalando as estruturas hegemônicas das
Legiões...
Depois das calamitosas perseguições que se prolongaram com mais ou menos
vigor, Roma havia amenizado o cerco à doutrina do Crucificado, e embora não
fosse aceita legalmente, conseguira erguer igrejas, difundir os
ensinamentos, publicar as lições incomparáveis do Mestre, realizar
reuniões...
Penetrando as classes dominantes, era praticada por comandantes de algumas
tropas e seus soldados, por governantes de cidades e pelo povo...
Diocleciano, após muitas lutas sangrentas assumira a governança geral de
todo o Império em 284, embora dividisse algumas regiões com outros
guerreiros, logo percebendo o perigo que ameaçava a unidade de Roma, que se
espalhava por, praticamente, todo o mundo conhecido, porquanto, não poucos
generais e comandantes de legiões vinculados à fé cristã, recusavam-se a
guerrear, não matando quem quer que fosse, e a impor as leis severas que se
faziam necessárias para impedir as sedições e a fragmentação.
Advertido, mais de uma vez, por alguns generais pagãos que se opunham à
fraternidade e à doutrina contrária aos deuses das suas tradições
politeístas, encomendou o primeiro Édito, firmado no dia 23 de fevereiro de
303, data reservada á celebração da festa da Terminália, que se tratava de
homenagear o deus Terminus, protetor das famílias e das fronteiras, coibindo
a expansão da doutrina cristã, autorizando a queima dos documentos da fé
nascente e a punição dos que se opunham a atender aos deveres do Estado... A
seguir, mandou preparar mais dois Éditos, que se transformaram em
instrumentos de perseguição sistemática e cruel, variando de acordo com a
região em que eram aplicados, caracterizando o pior e o mais perverso
período enfrentado pelos novos cristãos.
As mais terríveis técnicas foram aplicadas para que abjurassem a fé e
homenageassem os deuses.
Os holocaustos ficariam célebres pela rudeza da aplicação das penas,
especialmente nos líderes das igrejas como em relação ao poviléu.
Propunha-se que abjurassem a crença e teriam a benevolência do Imperador.
Mas quase todos, apenas um pequeno número de apóstatas, permaneceram fiéis e
estoicamente enfrentaram os algozes perdoando-os como fizera Jesus.
Em Antioquia, como em Roma, alongando-se pelas Províncias, mesmo as mais
distantes da capital, os cristãos eram queimados vivos em grelhas e postes,
decapitados, empalados, atirados às feras, mandados ao trabalho forçado em
minas perigosas de onde nunca poderiam sair com vida...
Um pouco antes, por volta do ano 280, Maximiano avançou com a Legião Tebana
que fazia parte do seu exército, conseguindo a vitória almejada. Por ocasião
do retorno a Agaunum, na Suíça, Maximianus, exultante, impôs que todo o
exército deveria homenagear os deuses e fazer sacrifícios, coroando os atos
com a proposta de execução de alguns cristãos que estavam aprisionados.
Ocorreu o inesperado, porque a Legião Tebana, comandada pelo capitão
Maurício, negou-se a fazê-lo, já que era constituída de cristãos, não
atendendo à imposição de celebrar os ritos impostos...
Contrariado, Maximinus sendo desobedecido, impôs que a Legião fosse
dizimada, isto é, um entre dez soldados fosse assassinado. Ninguém recuou, e
o processo hediondo prosseguiu até a destruição da Legião, inclusive, com a
morte do seu comandante, ampliando-se por outras partes do Império...
Diocleciano e seus sequazes, logo após o primeiro Édito, destruíram igrejas,
e somente não as incendiaram porque receavam o alastramento das chamas,
tendo em vista que as mesmas haviam sido construídas ao lado de grandes
edifícios.
É nesse período de hediondez que desaparecem os preciosos documentos
originais que narram a história do Evangelho e do suave Rabi, todos ou quase
todos reduzidos a cinzas...
Essa página de hediondez histórica permaneceu em atividade perversa por dez
anos, somente sendo modificada no dia 13 de junho de 313, quando Constantino
e Licínio propuseram o Édito de Milão, iniciando-se uma nova era para a fé
cristã.
A liberalidade do novo Imperador logo transformou o Cristianismo em doutrina
do Estado, conspurcando a pureza do comportamento moral dos seus adeptos,
ceifando a humildade e a simplicidade nascidas na Manjedoura de Belém,
tornando-o poderoso e infiel.
Ao longo do tempo, a fim de manter a autoridade e o poder terreno, face à
perda dos valores morais, os seus escritores e copistas adulteraram os
fatos, interpolaram as informações, falsificaram os ensinamento, criaram
dogmas ultrajantes, compatíveis com as formulações políticas e arbitrárias,
dando lugar às lamentáveis perseguições aos herejes que eram todos aqueles
que não compactuavam com os absurdos estabelecidos pelo Papa e pelo Colégio
dos Cardeais, assim como pelos membros da organização em defesa da fé...
As inqualificáveis Cruzadas são as heranças absurdas da temeridade do poder
dos Papas e Reis alucinados pelas glórias do mundo, mais tarde ampliadas
pela Inquisição que se utilizou dos mesmos métodos que Diocleciano usara,
aprimorados pela volúpia da loucura humana que se alastrava...
Foi transformada a Mensagem em força de destruição contra os judeus e ou
mouros, contra os albigenses, que tinham também direito à vida, por serem as
outras ovelhas que não eram do rebanho, conforme se referira Jesus.
O inevitável progresso, porém, através dos tempos futuros rompeu a densa
treva da ignorância e de alucinação, libertando os asfixiados ideais humanos
de liberdade, de fraternidade e de dignidade, ao tempo em que o ser humano
alcançou e compreendeu as leis do Universo, relegando ao olvido a presunção
e prepotência dogmáticas...
Novos tempos, novos conteúdos comportamentais e decadência da fé cristã,
dividida, na atualidade, pelo fanatismo dos neopentecostalistas e dos
indiferentes vinculados à tradição, deixando as massas sofredoras ao
abandono e à desordem moral.
Nada obstante, graças ao advento de O Consolador, renasce a Mensagem dúlcida
e simples de Jesus, evocando o sublime Amigo, que prossegue convidando
aqueles que O amam ao holocausto pela fé e à abnegação na tarefa do amor em
todas as suas dimensões.
Os cristãos novos, sem dúvida, os mesmos que antes conspurcaram a nobre
doutrina, encontram-se na liça, buscando restaurar a pulcritude do
Evangelho, promovendo o ser humano e construindo a nova era, não estando
indenes ao holocausto, certamente diverso daquele do passado, como forma de
reabilitação em testemunho de fidelidade e de honradez.
Que se façam dignos da nova investidura libertadora, são os votos que
formulamos todos aqueles que os antecipamos na experiência redentora e
iluminativa!
Vianna de Carvalho