Palavras de Amigo
Na fase terminal da nossa reunião, na noite de 16 de setembro de 1954, os
recursos psicofônicos do médium foram ocupados pelo nosso amigo Queiroz, que foi
abnegado médico em Belo Horizonte e cuja personalidade não podemos identificar,
de todo, por motivos justos.
Conhecemo-lo pessoalmente.
Homem probo e digno, fizera da Medicina verdadeiro sacerdócio. Dedicava-se aos
clientes e partilhava-lhes as dificuldades e sofrimentos, qual se lhe fossem
irmãos na ordem familiar.
Apenas 28 dias depois de desencarnado, com o amparo de Amigos Espirituais viera
pela primeira vez ao nosso Grupo. Parecia despertar de longo sono e sentia-se
ainda no corpo de carne.
Reconhecia-se consciencialmente, mas julgava-se ainda em estado comatoso e, por
isso, orava com encantadora fé e em voz alta pelos enfermos que lhe recebiam
cuidados, confiando-os a Deus.
Passando a conversar conosco e assistido magneticamente pelos Benfeitores
Espirituais de nosso templo, despertou para a verdade em comovente transporte de
alegria.
Lembramo-nos, perfeitamente, de ouvi-lo dizer, tão logo se observou redivivo:
“Então, a morte é Isto? uma porta que se fecha ao passado e outra que se abre ao
futuro?”
Passou, de imediato, a ver junto de si antigos clientes desencarnados que lhe
vinham demonstrar gratidão e, com inesquecíveis expressões de amor a Jesus,
despediu-se, contente, deixando-nos agradecidos e emocionados.
Voltando ao nosso círculo de ação, felicitou-nos com a presente mensagem que bem
lhe caracteriza o elevado grau de entendimento evangélico.
Sou daqueles que precisaram morrer para enxergar com mais segurança.
A experiência terrestre é comparável a espessa cortina de sombra,
restringindo-nos a visão.
E, em mim, o dever do médico eclipsava a liberdade do homem, limitando
observações e digressões.
Contudo, vivi no meu círculo de trabalho com bastante discernimento para
identificar os profundos antagonismos de nossa época.
Insulado nas reflexões dos derradeiros dias no corpo, anotava as vicissitudes e
conflitos do espírito humano, entre avançadas conquistas científico-sociais e os
impositivos da própria recuperação.
Empavesado na hiperestrutura da inteligência, nosso século sofre aflitiva sede
de valores morais para não descer a extremos desequilíbrios, e a existência do
homem de hoje assemelha-se a luxuoso transatlântico, navegando sem bússola.
Por toda parte, a fome de lucros ilusórios, a indústria do prazer, a
desgovernada ambição, o apetite insaciável de emoções inferiores e a fuga da
responsabilidade exibem tristes espetáculos de perturbação, obrigando-nos a
reconhecer a necessitade de fé renovadora para o cérebro das elites e para o
coração das massas sem rumo.
Daqui, portanto, é fácil para nós confirmar agora que o mundo moderno está
doente. E o clínico menos atilado perceberá sem esforço que o diagnóstico deve
ser interpretado como sendo carência de Deus no pensamento da Humanidade,
estabelecendo crises de caráter e confiança.
Apagando o personalismo que eu trouxe da Terra, descobri, estudando em vossa
companhia, que somente o Cristo é o médico adequado à cura do grande enfermo e
que só o Espiritismo, revivendo-lhe as lições divinas, é-lhe a medicação
providencial.
Segundo vedes, sou apenas modesto aprendiz da grande transformação. Entretanto,
quanto mais se me consolidam as energias, mais vivo é o meu deslumbramento,
diante da verdade.
A luz que o Senhor vos deu e que destes a mim alterou-me visceralmente a feição
pessoal.
Sou, presentemente, um médico tentando curar a si mesmo.
Minhas aquisições culturais estão reduzidas a chama bruxuleante que me compete
reavivar.
Meus préstimos, por agora, são nulos.
Mas, revive-se-me a esperança e, abraçando-vos, reconhecido, entrego-me ao
trabalho do recomeço...
Glória ao Senhor que nos ilumina o caminho espiritual!
É assim, reanimado e fortalecido, que aceito, agora, o serviço e a solidariedade
sob novo prisma, rogando a Jesus nos abençoe e caminhando convosco na antevisão
do glorioso futuro.
Queiroz