Um Coração Renovado

A noite de 7 de abril de 1955 integrou a semana com que a Cristandade rememorou a flagelação de Jesus.
Em nosso Grupo foi mais Intensa a movimentação socorrista em favor dos sofredores desencarnados, dentre os quais sobressairam diversos irmãos hansenianos que, mesmo além da morte, revelavam dolorosas fixações mentais de revolta e amargura. Vários dos médiuns presentes foram veículos deles, convocando-nos ao argumento evangélico e à oração para o alívio que reclamavam. Concluindo as nossas tarefas, no horário dedicado aos Instrutores Espirituais, os recursos psicofônicos do médium Xavier foram ocupados pelo poeta Jésus Gonçalves, desencarnado em Pirapitinguí, que também passou pela provação da lepra, cuja palavra nos trouxe amoroso esclarecimento.


Amigos.

Sou o vosso irmão Jésus Gonçalves, o leproso de Pirapitinguí, a quem o Espiritismo ofereceu nova visão da vida.

Agradeço-vos o concurso fraterno, em socorro dos irmãos hansenianos desencarnados.

Vieram conosco, entre a lamentação e a revolta, perturbados e oprimidos...

No mundo, receberam a chaga física por maldição, quando poderiam utilizá-la como porta salvadora, e, no mundo espiritual, experimentam os efeitos da rebeldia.

Trazem, ainda, na organização perispirítica, os remanescentes da enfermidade que os acabrunhava e, no íntimo, sofrem a indisciplina e a inconformação.

Graças a Jesus, porém, recolheram o benefício da calma, pelas sementes de renovação evangélica espalhadas em vossos estudos de hoje e esperamos possam imprimir, desde agora, novos rumos à própria transformação.

E, agora, peço permissão para orar convosco.

Nesta noite, em que toda a Cristandade se volta, reconhecida, para a memória do Mestre, sentimo-Lo igualmente em seu derradeiro sacrifício e, mentalizando-O no madeiro, de alma genuflexa, trazemos a Ele, nosso Eterno Amigo e Divino Benfeitor, a nossa prece de leproso diante da cruz.


Em seguida a leve pausa, o Espírito Jésus Gonçalves modificou a inflexão de voz e, erguendo-se para o Alto, orou, em lágrimas, comovedoramente:

Senhor, eu que vivia em vãos clamores,
Vinha de longe em ânsias aguerridas,
Sob a trama infernal de horrendas lidas,
Entre largos caminhos tentadores.

Tronos, glórias, tiaras, esplendores
E cidades famélicas vencidas...
Tudo isso alcancei, de mãos erguidas
Aos gênios tenebrosos e opressores.

Mas, fatigado, enfim, de ser verdugo,
Roguei, chorando, a graça de teu jugo
E enviaste-me a lepra e a solidão.
E, confinado às dores que me deste,
Abriu-se-me a visão à luz celeste,
E achei-te, excelso, no meu coração.

Hoje, Mestre, ante a cruz em que te apagas,
Na compaixão que ajuda e renuncia,
Não te peço o banquete da alegria,
Embora o doce olhar com que me afagas.

Venho rogar-te a túnica das chagas
Para que eu volte à estrada escura e fria,
Em que os filhos da noite e da agonia
Sofrem ulcerações, bramindo pragas...

Dá-me, de novo, a lepra que redime,
Conservando-me a fé por dom sublime,
Agora que, contente, me prosterno!...
E que eu possa exaltar, por muitas vidas,
Sobre o lenho de angústias e feridas,
O teu reino de amor divino e eterno.


Jésus Gonçalves