Curiosa Experiência
João Massena, espírito extremamente dedicado aos enfermos, desde alguns anos
após a desencarnação dirigia um grupo de companheiros em grande cidade,
esmerando-se na plantação das idéias libertadoras do Espiritismo. Respeitado e
querido, entre aqueles que lhe recebiam a generosidade, ampliava constantemente
a própria área de ação, Invocado carinhosamente, aqui e ali, prestava serviços
preciosos, angariando tesouros de cooperação e simpatia.
Aplicava o Evangelho, com raro senso de oportunidade, sustentava infelizes,
protegia desesperados e sabia orientar o concurso de vários médicos
desencarnados, em favor dos doentes, especializando-se, sobretudo, no socorro
aos processos obsessivos.
Massena apoiava o grupo de amigos encarnados e o grupo apoiava Massena, com tal
segurança de entendimento e trabalho, que prodígios se realizavam
constantemente.
As tarefas continuavam sempre animadoras, quando surgiu para João certo caso
aflitivo.
Jovem destinada a importantes edificações mediúnicas jazia em casa, trancada
entre quatro paredes e vigiada por Espíritos impossíveis, interessados em
cobrar-lhe algumas dívidas do passado culposo. Benfeitores da Vida Maior
amparavam-na; perseguidores que lhe tramavam a perda.
Prestigiado pelos poderes Superiores, Massena estudou a melhor maneira de
acordá-la para as responsabilidades de que se achava investida e percebeu que,
para isso, bastaria aparecesse alguém capaz de lhe excitar a memória para o
retorno ao equilíbrio, alguém que falasse a ela com respeito à fé raciocinada, à
crença lógica, à imortalidade da alma e à vida espiritual.
A jovem, contudo, sob a provação da riqueza amoedada, sofria a desvantagem de
não precisar sair do estreito recinto doméstico e, à face disso, encontrava
maior empeço para largar a si própria.
A pouco e pouco, dominada por entidades vampirizadoras, entregou-se ao vício do
álcool e, quase anulada que lhe foi a resistência, permitiu que essas mesmas
criaturas pertubadas lhe assoprassem a sugestão de um crime a ser perpetrado na
pessoa de um parente próximo.
Conquanto reagisse, a pobrezinha estava quase cedendo à insanidade, à
delinquência.
João, aflito, reconheceu o estado de alarma. A moça, no entanto, não se
ausentava de casa, não recebia visitas, não recorria a leituras e ignorava o
poder da prece. Mentalmente intoxicada, tomava rumo sinistro, quando Massena
descobriu algo. A infortunada menina gostava de televisão, que se lhe fizera o
único meio de contacto com o mundo exterior. Porque não auxiliá-la através de
semelhante recurso? O abnegado amigo espiritual pôs-se em campo e, repartindo
apelos mentais, em setores diversos, conseguiu articular providências, até que
um amigo lhe aceitou a inspiração e veio ao grupo com um projeto entusiástico.
Esse “projeto entusiástico” não era outra coisa senão o interesse de Massena no
salvamento da jovem. E o visitante, sob o influxo dele, fêz-se veemente no
tranquilo cenáculo, convidando o conjunto a aproveitar uma oportunidade que
obtivera em determinado canal. Conseguira vinte minutos para assunto espírita
numa televisora respeitável. O grupo representar-se-ia, por alguns dos
componentes mais categorizados, daí a quatro dias – uma sexta-feira às dez da
noite -, para comentar ligeiros aspectos de mediunidade e Doutrina Espírita. O
ofertante, após anotações de jubiloso otimismo, concluiu explicando que
necessitava de ajustes urgentes. Queria, de imediato, o nome do companheiro
decidido a falar, antes de atender a instruções de autoridades e estabelecer
minudências.
Os nove companheiros, ali reunidos, não sintonizavam, porém, naquela onda de
espectação fervorosa.
Lara, o diretor de maior responsabilidade, ponderou:
- Ora! Ora! O Espiritismo não precisa de televisão. Temos as nossas casas de
ensino...
Entretanto, coloco o assunto ao critério dos irmãos...
O recém-chegado, expressando-se por si e pelo benfeitor espiritual que o
envolvia em pensamentos de esperança, ripostou:
- Sem dúvida, o templo espírita é o lar da palavra doutrinária, mas isso não nos
impede de comentar os princípios espíritas, em benefício da Humanidade, seja no
rádio ou na imprensa, na rua ou no salão. Se fôssemos falar acerca do bem apenas
nos instintos de fé religiosa, deixaríamos ao mal campo livre, terrivelmente
livre...
O judicioso apontamento, contudo, não vingou.
Delcides, comentarista inteligente da equipe, aduziu:
- Sou contra. Eu não iria à televisão, de modo algum. Considero isso pura
vaidade.
Antônio Pinho, orador competente, anuiu:
- De minha parte, não tenho coragem de me entregar a semelhante exibição...
Meira, verbo seguro e visão firme, comentou, seco:
- Nem eu.
E os demais cinco ajuntaram:
- Decididamente, ir à televisão falar de Espiritismo não está certo...
- Penso de igual modo. Quem quiser aprender Doutrina Espírita, venha às
reuniões...
- Eu também não poderia concordar..
- Não sou de teatro...
- O assunto esta fora de cogitação...
Encerrou-se o entendimento e o ofertante afastou-se, desapontado.
Curiosos, visitamos a jovem obsidiada, justamente na data para a qual Massena
lhe previa o suspirado auxílio. Eram dez horas da noite, na sexta-feira
referida, e fomos achá-la sentada à frente do vídeo.
Os minutos que seriam reservados aos comentários em torno do Espiritismo estavam
sendo aplicados num festivo programa de exaltação ao uísque e, perplexos,
fitamos o simpático sorriso de tele-atriz que convidava:
- Beba a nova marca! Uma delícia!...
Irmão X