Mesmo Ferido
O rapaz fora rudemente esbofeteado num baile. Em sã consciência, não sentia
culpa alguma.
Nada fizera que pudesse ofender. Por mera desconfiança, o agressor esmurrara-lhe
o rosto.
“Covarde, covarde” – haviam dito os circunstantes. Ele, porém, limpando a face
sanguinolenta, compreendeu que, desarmado, não seria prudente medir forças.
Jurara, porém, vingar-se. E, agora, munido de um revólver, aguardava ocasião. Um
amigo, no entanto, percebendo-lhe a alma
sombria, instou muito e conduziu-o a uma reunião da Doutrina Espírita.
Desinteressado, ouviu preces e pregações, comentários e apontamentos
edificantes.
Ao término da sessão, porém, um amigo espiritual, pela mão de um dos médiuns
presentes, escreveu bela página sobre o perdão, na qual surgiam afirmações como
estas:
- A justiça real vem de Deus.
- Ninguém precisa vingar-se.
- Mesmo ferido, serve e perdoa.
- A corrigenda do ofensor pode ser amanhã.
O jovem ouviu atentamente e saiu pensando, pensando...
Na manhã seguinte, topou, face a face, o desafeto, mas recordou a lição e
conteve-se. Por uma semana se repetiu o reencontro, e, por sete vezes, freou-se
prudentemente.
Dias depois, porém, retornado ao trabalho, encontra um enterro e descobre-se. Só
então vem a saber que o grande esmurrador, aquele que o ferira, morrera na
véspera, picado por escorpião.
Hilário Silva