Gente com Defeito?
Essa ideia de pessoas com defeitos tem alguns defeitos. Um deles está em
considerar que Deus criou coisas defeituosas ou que podem apresentar defeito.
Outro defeito é tratar-se, com nosso estrabismo ou miopia habitual, de um
incentivo a enxergarmos e apontarmos defeitos nos outros. Em geral, nosso ego
adere a esse tipo de atitude muito facilmente, bem como a tudo o que o
engrandeça e destaque.
Mas vamos, apenas e exclusivamente neste texto, chamar de defeitos aquilo que
nos incomoda ou desagrada em outras pessoas, razão pela qual os desaprovamos.
Isso é bem genérico. E não é difícil... Vamos lá! Nesse sentido, podemos dizer
que todo mundo tem "defeitos".
Olhando bem, logo notamos que alguns "defeitos" e "pessoas" são mais difíceis
pra nós, pois nos incomodam mais. No entanto, também notamos que está cheio de
gente com defeitos que não nos afetam! A questão, portanto, não é o defeito do
outro, mas, sim, como e por que aquilo nos afeta.
Comecei a pensar sobre isso. Fui procurar me entender, a partir dessas minhas
reações, tentar me conhecer melhor. Afinal, sou espírita, logo, acredito em
evoluir pra me tornar um ser melhor. Tanto eu, quanto os outros. E acredito no
autoconhecimento como um caminho importante na evolução.
Notei que certos “defeitos” me afetavam quando surgiam em pessoas próximas a
mim, em relação às quais nutria certas expectativas. Tais expectativas costumam
ter fundamento? Em alguns casos. Se certa mãe que devia cuidar do filho pequeno
não consegue suprir as necessidades dele, poderíamos dizer que o incômodo tem
uma base, desde que há uma expectativa legítima de que mães acalentem e cuidem
de seus filhos. Mas é preciso considerar que não existe apenas isso, pois há
também a condição material, mental e emocional da mãe, de atender a essas
necessidades ou não, e pode haver um motivo específico que explique seu
comportamento. Seres humanos têm desafios complexos e se complicam
emocionalmente, iludem-se com prioridades fictícias, adoecem, perdem empregos...
Pensando assim, também passei a focar nas virtudes e qualidades que antes
estavam ocultas na pessoa, sob aquele pretenso “defeito” que até então me
incomodava tanto. E vi que lá estava aquela criatura, exercitando essas
qualidades e se desenvolvendo, segundo sua possibilidade e compreensão da vida.
Assim, comecei a ter um olhar mais positivo, que os budistas talvez chamassem de
“compassivo”. Isso não implica fechar os olhos, mas olhar de outra maneira. Isso
também não faz nossa dificuldade passar e tudo ficar instantaneamente
maravilhoso. Mas melhora bem a possibilidade de compreensão e convivência.
Não vou dizer aqui que costumamos enxergar nos outros aquilo que não conseguimos
ver em nós mesmos, porque é um fato que já comprovei e uma abordagem já muito
batida. Mas até nesse sentido, enxergar no outro o que precisamos descobrir em
nós é uma sabedoria das Leis Divinas e uma providência educativa.
A inteligência emocional, a percepção de como estamos nos sentindo, é algo muito
valioso, para lidar com tais questões de maneira mais sensata possível. Como
observa Eckhart Tolle em “O Poder do Silêncio” (Ed. Sextante): “Reclamar e
reagir são as formas preferidas da mente para fortalecer o ego. O eu
autocentrado precisa do conflito para fortalecer sua identidade. Ao lutar contra
algo ou alguém, ele demonstra pra si mesmo que ‘isto sou eu’ e ‘aquilo não sou
eu’. É comum que países procurem fortalecer sua sensação de identidade coletiva
colocando-se em oposição aos seus inimigos.” Pode ser, então, que atribuir
defeitos seja mais um modo de nos afirmarmos – e simplesmente isto! Os defeitos,
então, estão na nossa visão egocentrada e não na pessoa, considerada como
essencialmente uma criatura divina em vias de progresso espiritual, seguindo sua
trajetória e fazendo uso de seu livre-arbítrio.
Além do mais, o conceito de “defeito” que adotamos para este texto, pode
perfeitamente aplicar-se a nós mesmos. Nossas atitudes, hábitos e
idiossincrasias podem andar desagradando pessoas por aí. Algumas ou muitas.
Então, é melhor evitar radicalismos e expandir a compreensão. Reclamações, ações
extremadas às vezes são infelizes, tanto em si mesmas quando nos resultados que
ocasionam. Diz Emmanuel em “Seara dos Médiuns” (FEB), “olvidemos os defeitos do
próximo, na certeza de que todos nos encontramos sob o malho das horas, na
bigorna da experiência.”
Rita Foelker