Questão de Comida
Você procura saber,
Meu caro Afrânio Caçula,
O que sucede no Além
Com quem se estraga na gula.
Parece problema simples
A questão que você traz
E nela há muita questão
De vida, saúde e paz.
Você sabe, caro irmão,
Viver de fome é impossível.
Tudo o que anda e trabalha
Precisa de combustível.
Note a lição do automóvel:
O carro, seja qual for,
Se move é com gasolina
Dosada para o motor.
A roseira por mais linda
Acaba mofina e tonta,
Quando sente na raiz
Adubo acima da conta.
Assim também a pessoa
Por mais robusta e mais forte,
Se come quanto não deve
Procura doença e morte.
A gula sempre estrangula
A paz de qualquer irmão,
Conversando, além de tudo,
A sombra da obsessão.
Recorde: comia tanto
O nosso Quinquim Peixoto
Que acordou no próprio enterro,
Buscando restos de esgoto.
Tanto abusava de peixe
O amigo Teotônio Pio,
Que vive depois de morto
Lançando rede no rio.
Andava de prato grande
Nhô Juca do Alagadiço,
Agora desencarnado
Tornou-se papa-chouriço.
Aquela morte esquisita
De Dona Rita da Estaca?
Foi gula... Morreu comendo
Veneno de jararaca.
Outra morte... a de Antonico
Na Fazenda Nazaré,
Foi pesada indigestão
Com carne de jacaré.
Morreu comendo bichinhos
Nhô Nico Boaventura,
Sem corpo vive caçando
Farofa de tanajura.
Nhô Silvino, de repente
Morreu no Sítio da Sobra,
Comera de siriema
Que havia comido cobra.
Comia tanto, mas tanto
Juquinha Paraguassu,
Que hoje desencarnado
Só pensa em frango e tutu.
Nem gordura nem magreza
Turvam a vida no Além,
Cada qual anda na Terra
Conforme o corpo que tem...
Mas a comida em excesso
Por hábito inveterado
É tormento doloroso
Que dá problema e cuidado.
Viva muito e coma pouco
Na paz que nos endireite,
Nem na montanha do açúcar,
Nem na cisterna do azeite.
Há muita gente na Terra
De prato pesado e fundo
Que acampa no necrotério
E volta aos pratos do mundo.
Não se alarme no que digo,
Por estas linhas gerais,
Coma sempre o que precise
É só não comer demais.
Cornélio Pires